Belo Horizonte, 22 de outubro de 2014
O 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente, reunido em Belo Horizonte, Minas Gerais, entre 19 e 22 de outubro de 2014, teve como tema central “Desenvolvimento, conflitos territoriais e saúde: ciência e movimentos sociais para a justiça ambiental nas políticas públicas”. Foram cerca de 477 participantes, com a apresentação de 363 trabalhos entre relatos de experiências e estudos científicos. Reconhecendo a importância do diálogo entre diferentes saberes, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, convidou importantes movimentos sociais, inseridos na luta pela justiça ambiental, como parceiros dessa construção.
Avaliamos que a violação dos direitos à vida digna tem sido acelerada e aprofundada pela inserção subordinada do Brasil na ordem capitalista internacional, na medida em que ecossistemas e territórios de vida das populações são abertos para a espoliação dos bens comuns, da biodiversidade e do trabalho por grandes corporações nacionais e transnacionais, produtoras de commodities agrícolas e minerais. O Estado se volta para disponibilizar financiamentos e infra-estrutura para o lucro destes empreendimentos, além da modificação e flexibilização de legislações ambientais e territoriais como o Código Florestal, a demarcação de terras indígenas (PEC 215), o marco regulatório da mineração e o licenciamento ambiental. Mais ainda, o Estado assegura a legitimação simbólica deste modelo de desenvolvimento, pretensamente justificado pelo “progresso” e pela geração de empregos.
Nesse contexto, expande-se a produção de soja, agrocombustíveis, carnes, celulose, frutas, minério de ferro e aço, entre outros produtos de baixo valor agregado, que demanda energia de várias fontes, tais como hidro e termoelétrica, nuclear, eólica e de petróleo. Estes processos produtivos geram grandes impactos que atingem especialmente comunidades tradicionais e etnias, como também grupo urbanos, produzindo numerosos e violentos conflitos territoriais em torno do acesso, do uso e apropriação da terra e bens da natureza, ameaçando suas diversas formas de reprodução da vida.
Como agravante, o privilégio atribuído aos direitos de propriedade em detrimento da vida e dos direitos humanos, ao invisibilizar comunidades, territórios, culturas e valores que se contrapõem aos interesses do mercado, compromete as possibilidades de soberania dos povos e de emancipação social.
Estas desigualdades e injustiças ambientais compõem a determinação social do processo saúde-doença que se manifesta em perda da soberania e segurança alimentar e hídrica, contaminação da água, do ar e do solo, além de produzir doenças como câncer, malformações congênitas, intoxicações, agravos pulmonares e neurológicos, tristeza, depressão, suicídio e assassinatos.
Estas questões trazem elementos para a crítica aos paradigmas e racionalidades hegemônicos da biomedicina, da biotecnologia e da epidemiologia clássica, e o resgate e atualização do debate teórico e político que fundou a Medicina Social Latino Americana e a Saúde Coletiva. Neste sentido, a Saúde & Ambiente vem tendo um rico diálogo com vários campos de conhecimentos e práticas, e avança tanto na compreensão do modelo hegemônico de desenvolvimento econômico como de alternativas de produção de conhecimentos que incorporem as populações e movimentos sociais como sujeitos coletivos, com seus saberes e projetos de sociedade.
O 2º SIBSA constituiu-se num espaço importante de experimentação do diálogo entre os saberes de pesquisadores e profissionais da Saúde & Ambiente com sujeitos dos territórios afetados por conflitos ambientais e movimentos sociais. Essa pedagogia, alimentada também por experiências como o III Encontro Nacional de Agroecologia, está ancorada numa práxis que articula representantes de movimentos sociais na comissão científica e na comissão organizadora, e no instigante Fórum de Diálogos de Saberes. Lógica que passou também pela programação cultural e por parcerias com movimentos como a justiça ambiental, a agroecologia, a economia solidária, soberania alimentar, os direitos humanos e o feminismo.
Esse processo possibilita instigar pesquisadores, professores, militantes sociais e profissionais de saúde a adotarem novas práticas de produção de conhecimento e de vigilância em saúde, fortalecendo as lutas associadas aos conflitos ambientais.
O Estado brasileiro não tem formulado politicas públicas que respondam às necessidades decorrentes desse cenário. Deste modo, podemos identificar os seguintes problemas: insuficiência dos investimentos que garantam serviços públicos de qualidade; baixa qualidade da oferta e falta de acesso aos serviços públicos básicos de forma universal e intersetorial; serviços prestados por trabalhadores em sistema de vínculos precários e alianças com a iniciativa privada expressa nos diversos modos da privatização dos serviços públicos.
O contexto da acumulação por espoliação e seus impactos, ocultado sob o manto do mito do desenvolvimento, se caracteriza pela desigualdade na distribuição do bônus e ônus do progresso.
O 2° SIBSA reafirma que a ciência emancipatória exige uma estreita articulação entre os saberes produzidos na academia e aqueles oriundos nos diversos grupos e movimentos sociais. Convocamos todos a se organizarem em resistência a este modelo e em defesa de políticas públicas que garantam direitos humanos e a vida.
Veja aqui a vídeo reportagem da TV Abrasco, para o encerramento do 2º Sibsa e divulgação da Carta Política: