Uma outra relação com o tempo, debatida em muitas mesas e grupos deste 8º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, também deu a tônica do ato “Primavera de luta pela Paz: um ato político, científico e cultural, político e lúdico”, realizado no último dia 28, em João Pessoa.
Marcada para às 16h30, a concentração pouco a pouco foi se formando. Corria um zum, zum, zum nas Tendas Palmira Lopes, Paulo Freire, área de estandes e corredores dos blocos próximos, animado ao som dos maracás de jovens da etnia Tabajaras, do litoral sul do Estado; dos tambores do movimento estudantil, do chamado do carro de som e dos bipes, tiques e trimiliques de mensagens eletrônicas em vibrantes e onipresentes celulares.
A magia aconteceu de fato quando o Coletivo Maracastelo atravessou o portão do campus da UFPB e tomou a dianteira na Via Expressa Pe. Zé. Uma coletividade de temáticas sociais; investigações, pautas científicas; vivências e expressões ganhou cores, cartazes e vozes de mil participantes, entre estudantes, docentes, ativistas e profissionais de saúde, que em cortejo fizeram um bonita, pulsante e histórica caminhada até a Praça da Paz.
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Professora do Departamento de Promoção da Saúde da UFPB, integrante do o Fórum de Mulheres em Luta da UFPB e da comissão organizadora do ato, Juliana Sampaio avalia que a articulação de ensino, pesquisa e extensão desenvolvido na UFPB é parte da potência para colocar tanta gente na rua e fazer um ato tão bonito.
“Trabalhamos não para, mas com a sociedade, articulando grupos e fóruns de estudantes, mulheres, sindicatos e demais movimentos e que estão aqui com a gente. Isso faz toda a diferença”.
Jamylle Barcellos, batuqueira do Coletivo Maracastelo, confirma. “Participamos de projetos ligados a licenciatura e à extensão trabalhando a identidade afro-indígena nos bairros Castelo Branco e, mais recentemente, Bancários. A universidade abraçou a gente, enquanto projeto, que está aí desde 2014 na luta por conhecer as manifestações tradicionais e brincá-las com muito respeito, muita responsabilidade e ancestralidade” disse a educadora da rede pública e fundadora integrante.
Buzinas e palavras de apoio animaram os manifestantes durante a meia hora de caminhada e se intensificaram à medida que o cortejo se aproximava. “O direito à saúde é um dos mais importantes e básicos da população e precisa dessa luta” disse Abraão Moura, estudante de Enfermagem da UFPB e militante do Levante Popular da Juventude carregando seu tambor junto com os demais companheiros que fizeram a segunda linha musical da caminhada e conduziram para o anfiteatro da Praça.
Vozes da diversidade: Falas de representantes das entidades se alternaram com a trupe PalhaSUS, Oris Night e outros artistas. Mais do que a ideia de protagonizar, Gulnar Azevedo e Silva e Martinho Braga e Silva, presidentes, respectivamente, da Associação e da Comissão Científica do Congresso, frisaram a felicidade em ver a Abrasco e o 8º CBCSHS como disparadores dessa calorosa Primavera.
“Não há palavras para expressar nossa alegria em estarmos aqui” disse Gulnar convocando um forte chamado “Viva o SUS, viva a Educação” ao final.
“Fazer esse ato público foi um aprendizado. As Ciências Sociais e Humanas aprenderam muito com a Educação Popular em Saúde neste Congresso. Ousaria dizer que a Abrasco aprendeu pra caramba com a UFPB, assim como o Brasil tem muito a aprender com a Paraíba” emocionou-se Martinho.
Carlos Fidelis Ponte, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e dirigente da Asfoc-SN, saudou os 40 anos da Abrasco e trouxe ao ato a reflexão sobre a condição política do país. “Política econômica que não coloque um projeto humano de país no centro de sua prioridade não é política econômica, é interesse de atender segmentos que não tem a ver nosso povo”.
Já Fernando Cunha, vice-presidente da ADUFPB, trouxe o tema da liberdade de cátedra para iluminar as mentes sobre as trevas de grande retrocesso por quais atravessamos. “Voltamos a uma época em que viemos para as ruas defender um tema que começou lá no século XVII e que está novamente em debate. Ao invés de discutirmos como acabar com o analfabetismo e outras possibilidades de acesso a tecnologias educacionais para a Educação pública, estamos aqui para defender o direito e a liberdade de aprender e de ensinar. É algo triste, mas esse belo e significativo ato realizado conjuntamente com a Abrasco e todos os participantes do Congresso nos reanimam e faz lembrar os versos de Mario Quintana: “eles passaram e nós passarinho”.
E foi poesia em outras formas e métricas que mais uma vez reafirmou a igualdade nas diferenças, com duas paraibanas.
Principal homenageada do Congresso, Dona Palmira fez questão de subir no palco para fazer seu protesto em trova contra “esse criador de defunto”, segundo ela. “Eu vou eu vou eu vou//Vou rezar o meu rosário//Pra que nossa senhora//Bote fora o Bolsonaro”.
Já Bixarte, trans não binária e integrante do grupo de poesia Slam Paraíba, deu o mesmo recado em rima de hip hop, linguagem político-musical que animam as noites de sábado dos anfitriões da Batalha da Paz.
“A importância desse ato é saber que estamos conseguindo unificar o movimento e denunciar que as pessoas estão sofrendo nas mãos dos governos, tanto federal quanto estaduais e municipais. A participação do Slam é uma forma de atrair todos os públicos e mostrar que a coisa está ficando muito séria, que está acontecendo genocídio, machismo, transfobia. Acusam o hip hop de tirar as pessoas das suas zonas de conforto, mas nós estamos fora dela desde a época da escravidão A gente precisa escurecer essas coisas para que as pessoas entendam” disse a artista na lata antes de iniciar as rimas da Batalha que se estendeu pela noite e que, agora, junto com outras forças e vozes da diversidade brasileira e latino-americana presentes no Congresso se estenderão pelos caminhos que fará esta reportagem.