Sob os gritos de “Fora Cunha” e outros chamamentos que destacam a defesa intransigente do direito à saúde e por um SUS de qualidade, milhares de brasileiros fizeram história ao participar, em 1º de dezembro, do primeiro dia da 15ª Conferência Nacional de Saúde (15ªCNS), realizada no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília.
A mobilização começou a partir das 14 horas e concentrou na Catedral de Brasília movimentos sociais e entidades organizadas dos setores dos trabalhadores e profissionais de saúde; de usuários e da gestão. Convocada pela Frente em Defesa do SUS – Frente AbraSUS – a manifestação chamou a atenção e ecoou na Esplanada dos Ministérios, reunindo cerca de 6 mil pessoas, que seguiram em marcha até o Congresso Nacional.
No alto do carro de som, lideranças sociais; militantes históricos da saúde, e políticos se revezaram no microfone destacando bandeiras consensuais do movimento da saúde, como a implementação do Projeto de Iniciativa Popular 231/2013, mais conhecido como Saúde + 10; e a construção de uma carreira nacional para o Sistema Único de Saúde. Juntos os presentes formaram a cruz, símbolo da saúde, do SUS, e, cada vez mais, da democracia.
Discursos, desorganização e tambores: À medida que a marcha ia chegando ao fim, o Centro de Convenções Ulysses Guimarães recebia delegados, convidados, jornalistas e demais profissionais para a cerimônia oficial de abertura, marcada para às 18 horas. Problemas de credenciamento e dificuldade no atendimento da imprensa foram sentidos por delegados, convidados e profissionais, que tiveram de passar por mais de uma hora e meia de atraso até o início.
Após a convocação dos conselheiros nacionais do CNS; de ex-ministros da saúde; deputados; senadores; governadores e representantes de lideranças de outras áreas sociais e seus conselhos, foi lido um texto de Eduardo Galeano, ouvido o hino nacional sob desfile dos Dragões da independência, e exaltada a brasilidade por meio de vídeos e da apresentação dos tambores do grupo brasiliense Batalá. Apesar de tantas presenças políticas, foi sentida a ausência da presidenta Dilma Rousseff, o que reforçou o caráter convocatório de luta pelo SUS e um certo tom de justificativa das falas.
Presidente do CNS, Maria do Socorro de Souza fez a primeira intervenção política, que juntou, ao mesmo tempo, o balanço de sua gestão à frente do CNS e o apontamento dos desafios ainda a serem superados. O primeiro ponto destacado foi a valorização da mobilização social e da democracia participativa. “Esse nosso jeito de ir às ruas e praças, em juntar arte, cultura e política, essa é a nossa forma de marcar nossos protestos e propostas e reivindicações, forma esta que estão tentando criminalizar”.
Diversas vezes ovacionada pela plateia, Socorro dimensionou o tamanho do processo conferencial, com participação efetiva de 985 mil brasileiros em 4.706 conferências municipais e em 27 estaduais e distrital, mobilizando mais de um milhão de pessoas. Falou também das dificuldades sofridas no processo de licitação das empresas da conferência – “Fomos atingidos por interesses de mercado” – disse ela, pedindo desculpas pelos atrasos e contratempos, mas afirmando a importância política da realização da 15ª CNS neste ano.
Maria do Socorro destacou ainda diversas pautas da conjuntura, como as excessivas terceirizações no setor; os interesses dos planos privados mobilizados pelo presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, e organizados sob a PEC 451/2015; e de pautas sociais que vem sofrendo derrotas: “Não dá para admitir propostas como a redução da maioridade penal; do desmonte do Estatuto do Desarmamento, e que bancadas decidam sobre o direito reprodutivo das mulheres”, disse ela, ressaltando que os setores progressistas e da esquerda política não podem esquecer quem os elegeu. “Se temos aqui vários ideólogos e idealistas do SUS, é porque o povo está aqui presente”.
Na sequência, vieram os representantes dos conselhos da gestão – Mauro Junqueira, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), e João Gabbardo dos Reis, presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). Em ambas as falas, foram pontuados itens em defesa do SUS universal, integral e de qualidade, da importância da mobilização social e política em torno do projeto de lei de iniciativa popular 01/2014, mais conhecido como Saúde + 10, e algumas explicações quanto a recursos. “Aproveito até para tranquilizar alguns de vocês e garantir o pagamento da 12ª parcela dos ordenados de forma integral, e afirmando que estamos fazendo todos os esforços para manter em aberto as demais negociações”, disse Junqueira, do Conasems.
Conduzido ao púlpito por Maria do Socorro, que destacou o respeito dele pelo controle social, o Ministro da Saúde Marcelo Castro reafirmou novamente seu compromisso com o Sistema Único de Saúde. “É hora de compartilharmos a construção de uma sociedade saudável, justa e cidadã e fazer um SUS mais democrático, equânime e inclusivo”, disse Castro.
Em boa parte da fala, o ministro abordou os problemas advindos do subfinanciamento, como o grau de diferença entre investimentos públicos e privados no setor; o alto grau de endividamento dos municípios e a importância de definir políticas públicas para todos os 214 milhões de brasileiros, todos usuários do SUS. “Admiro a força dos usuários, profissionais e gestores do SUS, incansáveis e obstinados, numa sede sempre em busca de melhorias”, antes de ressaltar, mais para o final, a vontade de manter-se em diálogo com os movimentos sociais da saúde. “A sociedade não logrará êxito se não fizer uma fusão entre a democracia representativa com a participação social. Sou um fervoroso defensor de nosso sistema, e estarei do lado da sua construção. Quero também, humildemente, conquistar vocês defendendo o SUS e seu justo financiamento […] está aberta a 15ª Conferência Nacional de Saúde”, disse Castro, imediatamente abafado pelos tambores do Batalá, que animou o ânimo de gente que, quase às 23 horas, ainda vibrava com o histórico dia.