Pela primeira vez desde 1990, houve aumento na taxa de mortalidade infantil do Brasil em 2016, e a tendência é que o índice de 2017 se mantenha acima do registrado em 2015. A Abrasco ouviu a opinião de Cesar Victora, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas que, na década de 1980, realizou o primeiro estudo que mostra a importância da amamentação exclusiva para prevenir a mortalidade infantil.
Abrasco – O Ministério da Saúde (MS) atribui a alta mortalidade à emergência do vírus da zika e à crise econômica. Desde 2015, o Brasil teve 351 mortes de fetos, bebês e crianças associadas ao vírus da zika, como mostrou o último boletim da pasta, com dados coletados até 14 de abril de 2018. Você concorda com o diagnóstico do governo?
Cesar – Recentemente, o MS relatou um aumento real na mortalidade infantil em 2016 e 2017, que não seria explicado pela epidemia de zika. Causas de morte como a diarreia estão mostrando um aumento, e colegas do MS estão convocando um grupo de especialistas, do qual eu faço parte, para investigar os motivos do aumento.
Abrasco – Os cortes nos investimentos sociais e no Sistema Único de Saúde poderiam ser fatores para o aumento da mortalidade?
Cesar – Sem dúvida alguma, a pobreza cresceu recentemente, o que foi refletido na evolução do índice de Gini para concentração de renda, o qual apresenta um aumento após muitos anos seguidos de redução. O subfinanciamento do SUS é cada vez mais crítico, particularmente agora com a contenção dos gastos públicos. Em todo o mundo, gastos de saúde crescem mais rapidamente do que a inflação, devido à incorporação de novas tecnologias. A situação do SUS tende a piorar ainda mais se não forem tomadas medidas urgentes para a recomposição de seu orçamento.
Abrasco – É possível dizer que estudos epidemiológicos mostram a correlação entre diminuição do salário mínimo e o crescimento da mortalidade infantil, e entre destruição das políticas de assistência social e o aumento da mortalidade infantil?
Cesar – É interessante lembrar que durante a década de 1970, com as perdas no valor do salário mínimo durante a ditadura militar, foi realizado um estudo clássico por Walter Leser mostrando o aumento na mortalidade infantil que coincidiu com a desvalorização do salário mínimo. Sem dúvida, o valor do salário mínimo e dos benefícios sociais (como o Bolsa Família) influenciam a saúde e a mortalidade. Creio que ainda é cedo para identificar exatamente quais os fatores responsáveis pelo aumento na mortalidade infantil, mas as pioras observadas para alguns dos determinantes sociais certamente têm um papel importante. Preciso salientar que, assim como a mortalidade infantil, há evidências de aumento recente na mortalidade materna. Além dos determinantes sociais, é importante mostrar aqui a questão da ilegalidade do aborto, do excesso de cesarianas desnecessárias, e da má qualidade do atendimento durante a gestação e o parto.
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