Apesar de o 11º Congresso Brasileiro de Epidemiologia ter sido adiado para novembro de 2021 por conta dos cuidados necessários diante da pandemia de Covid-19, os debates a serem realizados sobre tema se tornaram ainda mais necessários esse ano. Nesse sentido, a Comissão de Epidemiologia da Abrasco promoveu entre os dias 24 e 27 de novembro o Ciclo de Debates Pré-EPI 2021 trazendo elementos para aprofundar os diversos impactos do coronavírus em nossa sociedade, especialmente na Saúde Pública/Saúde Coletiva. Os painéis trouxeram os desafios da Saúde Pública, as desigualdades sociais agravadas pela pandemia, os avanços metodológicos e as perspectivas na área da epidemiologia. Além dos convidados nacionais, também foram trazidas experiências internacionais para enriquecer os diálogos, incluindo a presença do Diretor Geral da Organização Mundial De Saúde (OMS), Thedros Adhanom no primeiro dia de debates.
A fala de abertura de Thedros Adhanom permeou boa parte dos painéis do ciclo de debates. Ao trazer uma visão global, o diretor-geral da OMS destacou a importância do fortalecimento dos sistemas públicos de saúde, assim como a necessidade de solidariedade em um mundo interconectado e teceu elogio ao Sistema Único de Saúde brasileiro. A importância da vacinação em massa em todos os países também foi trazida por Adhanom como fundamental para cortar a transmissão do Sars-CoV-2 e, assim, promover a retomada da economia. Se Thedros já afirmara anteriormente que só estaremos seguros quando todos estiverem seguros, ele agora enfatiza que o caminho para se chegar a tal segurança é com investimento: “Saúde pública não é custo, mas sim investimento em estabilidade social, política e econômica”.
Realidades locais do Brasil e do exterior são abordadas
No campo internacional, as experiências das respostas à pandemia na Itália e nos Estados Unidos foram trazidas por Walter Ricciardi (presidente Wafpha) e George Rutherford (University of California San Francisco) respectivamente. Ricciardi falou sobre o avanço da pandemia na Itália desde o primeiro caso, passando pelo drama do crescimento rápido no país até a necessidade de medidas como o lock down no país, que segundo ele funcionou com grande adesão da população. O italiano destacou que as medidas de isolamento foram fundamentais para salvar milhares de vidas. Já George Rutherford apontou: “Temos uma bagunça gigantesca nos Estados Unidos. Os casos continuam aumentando e explodindo em grande parte do país e não há sinais de alívio”. Rutherford focou especialmente sua fala na situaçãoda Califórnia, região com maior número de casos no país.
O posicionamento de Thedros Adhanom também dialogou diretamente com o painel realizado no segundo dia de debates do Ciclo. Intitulado “As desigualdades sociais e a pandemia de Covid-19”, as falas apontaram o aprofundamento das iniquidades e das desigualdades com o cenário da pandemia, especialmente entre mulheres e na população negra. No painel também foi abordada a situação da precarização das relações de trabalho, que expõe ainda mais aqueles que atuam em atividades como serviços de entrega de comida por aplicativo, e que não possuem garantias trabalhistas para poder fazer o desejado isolamento social. Além disso, foi a tratada também a realidade de diversos lares no país, onde a condição precária da moradia em muitos casos impossibilita o “fique em casa” para muitos moradores de favelas e periferias do país. Edna Araújo, apontou que as principais vítimas nesse caso são pessoas negras, que, por conta da construção histórica do país são a maioria entre pessoas em situação de rua e também entre aqueles com moradias precárias e afetadas pela falta de serviços essenciais.
Avanços teóricos metodológicos e a necessidade de apontar para o futuro
As questões acerca das respostas à pandemia e a necessidade de tratamento de dados de forma qualificada para auxiliar nas tomadas de decisões também foram analisadas como parte fundamental a ser fortalecida nos sistemas de saúde. Ao abordar os avanços metodológicos e teóricos que a área da epidemiologia teve de forma rápida durante a pandemia, o debate do terceiro dia apontou a necessidade da boa governança dos mesmos para as pesquisas e estudos. Como destacou o coordenador do painel e presidente da Comissão de Epidemiologia, Fernando Boing (UFSC): “O nosso Sistema Único de Saúde, nossos centros de pesquisa, os profissionais e as ferramentas de vigilância têm sido fundamentais no combate à pandemia. Mas há aspectos conceituais na forma como conduzimos nossos estudos e como produzimos informações que precisam de reflexão para que a gente possa ainda mais qualificar a nossa gestão de dados, a produção e disseminação de informação e, sobretudo, a aplicação desses conhecimentos em políticas públicas”.
Por fim, com a necessidade de apontar para o futuro, o ciclo de debates trouxe em seu último debate reflexões que a pandemia de Covid-19 deixa para toda a humanidade. Vale ressaltar que o evento da pandemia não o primeiro deste porte pelo qual passa a humanidade, como lembrou Rômulo Paes de Sousa (Fiocruz/MG), pois a peste negra dizimou um terço da população europeia, a gripe espanhola matou mais de 2 milhões de pessoas e os vírus trazidos pelos europeus dizimaram parte significativa de populações indígenas. Além disso, como toda crise, as oportunidades também precisam ser vistas. Não de um ponto de vista mercadológico ou para a acumulação do capital, mas como os seis pontos trazidos por Maurício Barreto: fortalecimento das políticas e práticas de saúde pública; valorização da descrição precisa de eventos de saúde para produção de dados; expor os efeitos das desigualdades sobre a saúde; entender e praticar o pluralismo metodológico; abordagem rigorosa, porém ampla e prática para extrair evidências sobre relações causais das análises epidemiológicas; e o estímulo ao desenvolvimento teórico e de uma filosofia da epidemiologia. São muitas lições que envolvem em todas elas um solidário para construir soluções.