Nesta edição defende-se que os conceitos e propostas das ciências humanas e sociais (CHS) contribuem tanto para analisar as repercussões sociais e humanitárias das emergências sanitárias como para sua superação. Geralmente o aporte das CHS fica subsumido, como se cumprisse um papel coadjuvante ou fosse senso comum, frente ao foco nos dados epidemiológicos e biomédicos, dominante nas narrativas sobre as emergências em saúde pública. Porém, nunca as ciências sociais e humanas foram tão necessárias para compreensão da realidade como numa pandemia como a de COVID-19, particularmente foi um momento em que o comportamento humano e social teve papel preponderante. Por isso, o tema central desta edição são as repercussões sociais e humanitárias das emergências sanitárias relacionadas à vida biológica, social e cultural das populações da América Latina.
Os eventos emergentes são aqui concebidos em três dimensões complementares: ontológica, temporal e ética. Consideram-se as emergências sanitárias como um fenômeno social total, no sentido dado pelo antropólogo Marcel Mauss, pois elas atingem a vida do indivíduo (em sua complexidade biológica, emocional e relacional) e da sociedade, incluindo seus aspectos organizacionais. Em simultâneo, estruturas e processos sociais precedem a origem e o desenvolvimento dos acontecimentos que se transformam em problemas. Na dimensão temporal, os eventos sanitários apresentam repercussões imediatas de média ou longa duração. Os textos apresentados nesta edição ressaltam a importância de ações e estratégias de contenção de agravos e de proteção de populações e territórios, levando em conta as perspectivas do presente e do futuro. Na dimensão ética, são analisados os benefícios de determinadas intervenções que vinculam direitos individuais e coletivos, e iniciativas do Estado que incluem participação social.
Defende-se aqui um trabalho integrado, pois é fundamental compreender as emergências sanitárias dentro do universo biomédico e também em suas raízes históricas e de forma contextualizada. Portanto, é preciso que entre os profissionais do campo se cultive uma ciência humana e social ativa e atuante, capaz de compreender o sofrimento das pessoas e de contribuir com respostas efetivas, numa abordagem integrada com a epidemiologia, a clínica e com as áreas dedicadas às doenças infecciosas e crônicas.