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Ciência & Saúde Coletiva – Março 2022

Foto: Unsplash

Doenças infecciosas têm em comum um agente biológico envolvido em sua ocorrência. Esse agente comumente, ainda que nem sempre, é microscópico e inclui príons, vírus, fungos, bactérias, parasitas ou alguns artrópodes. A tuberculose foi a primeira doença que se demonstrou associada a um agente infeccioso, o Micobacterium tuberculosis. Sua descoberta por Robert Koch, ao final do século XIX, revolucionou os conhecimentos da época, mudando o paradigma causal das doenças, que passou dos miasmas para os micróbios, e tornou possíveis avanços subsequentes, como o aparecimento da imunologia e a descoberta dos antibióticos e das vacinas1.

Na década de 1960, a queda na ocorrência das doenças infecciosas, que ocorria desde os primórdios do século XX nos países hoje desenvolvidos, induziu a que muitos imaginassem um mundo livre delas2 e sua substituição pelas doenças crônicas3. Nos países pobres, isso aconteceria quando alcançassem o estágio de desenvolvimento dos países ricos! Nessa visão, a pandemia de gripe espanhola de 1918-1920, que se estima ter matado 50 milhões de pessoas, era considerada um ponto fora dessa inexorável tendência.

A partir dos anos 1970, observou-se o aparecimento ou reconhecimento de uma série de doenças infecciosas antes não conhecidas. O mais importante deles foi o HIV/Aids, cuja doença e respectivo agente foram descritos nos primeiros anos da década de 1980. Assim, as infecções e doenças emergentes voltaram a assombrar o mundo, inclusive os países desenvolvidos4. Após uma série desses eventos, eclodiu a COVID-19, que, em pleno século XXI, parece nos fazer retornar ao tempo das pestilências.

O percurso errático que trilhou o conhecimento das doenças infecciosas e a incapacidade de prever os eventos futuros gerou consequências cujos efeitos continuam a repercutir no presente e, se não corrigidos, se desdobrarão no futuro. A reafirmação da teoria microbiana estimulou a negação das ideias vigorosas nos primórdios do século XIX, na Europa, em torno da determinação social das doenças1. Sob a égide da teoria microbiana, sanitaristas e higienistas desenvolveram e aplicaram modelos de prevenção e proteção que se centraram na ideia de que os micróbios estão sempre prontos a atacar, portanto devem ser permanentemente combatidos. Em consequência, a proteção humana centra-se em ambientes limpos e assépticos, fechando-se às possíveis rotas de contato. Esse modelo também foi estimulado pela então emergente e lucrativa indústria da limpeza e continua sendo aplicado até os dias atuais5.

Desde as últimas décadas do século XX, vêm se consolidando novas evidências que desafiam o modelo anterior: (a) agentes não-patogênicos circulando na natureza, por pressões antropogênicas, podem se transformar em agentes patogênicos; (b) excessiva higiene e consequente falta de contato com os “velhos amigos” podem se relacionar à ocorrência de diversas doenças que se manifestam por desequilíbrios do nosso sistema imunológico6; (c) pele e mucosas são habitadas por complexa flora microbiana com funções importantes na nossa vida e saúde7; (d) esse microbioma, para florescer em sua plenitude, precisa estar embebido em ambientes com alto grau de biodiversidade8.

Em resumo, os patógenos são apenas uma mínima parte do complexo de micróbios que existem na natureza. E se, por um lado, a guerra centenária contra eles teve grandes sucessos, por outro nos isolou da necessária biodiversidade microbiana. Além disso, ações humanas predatórias sobre a natureza estimulam a emergência de novos patógenos. Portanto, o estudo das doenças infecciosas e seus agentes deve se pautar em um amplo referencial, que as entenda nas suas complexas relações com a natureza e a sociedade e as retire em definitivo do domínio exclusivo das ciências biomédicas e clínicas.

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