
A Comissão de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco está construindo, pela primeira vez em sua história, um Plano Diretor para a área. A proposta, em desenvolvimento desde 2022, busca consolidar uma agenda estratégica para o fortalecimento da área na Saúde Coletiva brasileira e no SUS.
Estruturado em quatro eixos: ensino e formação; pesquisa e desenvolvimento teórico-metodológico; políticas estratégicas e reconstrução do SUS; e articulação com a sociedade, o plano vem sendo elaborado de forma coletiva e participativa, com envolvimento de pesquisadores, gestores, estudantes, instituições de ensino, fóruns e movimentos sociais.
Em entrevista ao site da Abrasco, Tatiana Wargas (IFF/Fiocruz) e Dario Pasche (UFGRS), integrantes do Grupo de Trabalho que coordena o processo, detalham as motivações da Comissão, as etapas de elaboração, os desafios enfrentados e a importância política e simbólica do plano neste momento da vida nacional.
Entrevista
Comunicação Abrasco: O que motivou a Comissão a retomar, em 2022, a construção do primeiro Plano Diretor da área de PPGS, depois de tantas tentativas anteriores? Como está sendo esse processo de elaboração? Quais são as etapas, pessoas e instituições envolvidas?
Tatiana e Dario: A Comissão de PPGS foi renovada no ano de 2021. Em novembro de 2022, numa oficina de trabalho proposta pela Comissão no contexto do 13º Congresso da Abrasco, iniciamos a mobilização em torno da formulação do primeiro Plano Diretor da área. Assumimos essa tarefa como fundamental para compreender a área e estabelecer, coletivamente, estratégias e ações para uma atuação política implicada na melhoria do SUS.
Um dos entendimentos da Comissão era que o Plano poderia servir como um dispositivo para a promoção de diálogos que contribuíssem para o aprimoramento das atividades de ensino e de pesquisa em PPGS. Isso inclui a formação de quadros em Saúde Coletiva – desde graduandos e pós-graduandos stricto e lato sensu, até trabalhadores do sistema de saúde.
Após a oficina do Congresso, a Comissão constituiu um Grupo de Trabalho para desenvolver as atividades de elaboração do Plano. O GT detalhou o processo e elaborou um Termo de Referência para captação de recursos, que foi apresentado à Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde. Durante mais de um ano e meio (2023/2024), com apoio de bolsistas financiados pela ENSP/Fiocruz, iniciamos a análise da situação da área a partir de quatro eixos definidos em 2022: ensino e formação em PPGS; pesquisa, desenvolvimento teórico-metodológico e iniciativas editoriais; políticas estratégicas e reconstrução do SUS; e atuação política e relações com movimentos sociais.
A partir de agosto de 2024, com o apoio financeiro da SGTES/MS, novas mobilizações foram empreendidas. Realizamos encontros ampliados da Comissão com convidados de outras áreas da Abrasco, como os fóruns de coordenadores da pós-graduação, da graduação e das residências. Em novembro de 2024, promovemos uma segunda oficina, no contexto do III Congresso de PPGS, para discutir os problemas e estratégias identificados nos eixos.
Em 2025, retomamos os trabalhos com novos grupos, buscando aproximações com os GTs da Abrasco, com a Redescola, e reativando o contato com parceiros da primeira etapa. Definimos como estratégia uma metodologia participativa, com um movimento voltado “para dentro e para fora” da Abrasco, envolvendo outras instâncias da sociedade civil e representantes institucionais da Comissão. Nessa perspectiva, entendemos a construção do Plano como um processo pedagógico, que contribui tanto para a formação coletiva quanto para o diálogo com os trabalhadores e trabalhadoras da saúde.
Comunicação Abrasco: Quais têm sido os principais desafios enfrentados durante esses quase três anos de construção coletiva do Plano?
Tatiana e Dario: O principal desafio tem sido manter a Comissão engajada nos processos de discussão. Há uma sobrecarga de trabalho nas universidades e institutos e, mesmo com interesse e reconhecimento da importância do Plano, nem sempre há tempo disponível para o engajamento. Não se trata apenas da redação de um texto, mas de um esforço coletivo de reconhecimento de questões que precisam ser enfrentadas e de construção de estratégias e ações concretas.
Também enfrentamos o desafio de engajar parceiros de outros espaços da Abrasco. Um Plano da área precisa estar permeado pelas discussões que GTs, fóruns, redes e outros espaços da associação produzem. Mas esse diálogo exige ainda mais tempo, escuta e mediações – que nem sempre são triviais ou consensuais.
Comunicação Abrasco: Quais foram os critérios para a definição dos quatro eixos do Plano?
Tatiana e Dario: Os eixos foram definidos na oficina realizada durante o Abrascão de 2022. Partimos do entendimento de que eles deveriam refletir tanto a atuação da área de PPGS quanto a importância estratégica da Abrasco no ensino, na pesquisa, no posicionamento político e na articulação com movimentos sociais.
Comunicação Abrasco: Que cuidados vocês estão tendo na elaboração do Plano para garantir que ele contribua para o enfrentamento dos desafios estruturais do SUS, como a precarização do trabalho, a fragmentação do cuidado e o avanço da privatização?
Tatiana e Dario: Assumimos que o Plano deve explicitar compromissos ético-políticos com a defesa do SUS, o combate às desigualdades e injustiças sociorraciais e a garantia do trabalho digno. São três eixos centrais que nos colocam frente a frente com os desafios estruturais da política pública de saúde no país. Para cada eixo, buscamos localizar problemas e definir estratégias para ações de curto, médio e longo prazo.
Comunicação Abrasco: Como o Plano lida com a intersecção entre desigualdades sociais, racismo, gênero, território e as práticas de planejamento e gestão em saúde?
Tatiana e Dario: As desigualdades sociais e os marcadores sociais que se interseccionam impactam, de forma muito diferenciada, a vida das pessoas e os territórios. Isso é um ponto central do Plano. Não há como avançarmos se não enfrentarmos o racismo, a transfobia, o machismo, o capacitismo e outras formas de discriminação.
O Plano precisa se posicionar de forma explícita nesse debate e construir meios e ações que potencializem novas práticas no campo da saúde – nos serviços, na gestão e na formação.
Comunicação Abrasco: Há também uma ênfase em aproximar o conhecimento acadêmico dos movimentos sociais. Como isso foi incorporado de forma prática no Plano?
Tatiana e Dario: Esse ainda é um desafio grande para o grupo. Mas também entendemos que não é um desafio só da nossa área, e sim de todo o campo da Saúde Coletiva. O diálogo com movimentos sociais e a aproximação com os territórios é algo que precisamos fortalecer como instituição.
Ainda estamos distantes de uma prática verdadeiramente participativa na formulação e implementação de políticas de saúde, mas precisamos insistir. Uma estratégia que vislumbramos é estreitar os laços da Comissão com os Grupos de Trabalho da Abrasco, que nos parecem espaços com maior capilaridade e articulação com a sociedade civil.
Comunicação Abrasco: Qual a importância simbólica e política de lançar este Plano agora, neste momento específico do país, do mundo e da saúde coletiva?
Tatiana e Dario: Lançar um Plano Diretor em 2026, um ano eleitoral, é absolutamente estratégico. Precisamos, como Associação, construir um posicionamento mais coeso e explícito sobre o que defendemos para a política pública de saúde. A área de PPGS tem expertise para contribuir nesse debate.
Além disso, o Plano também cumpre um papel importante de articulação entre pesquisadores, docentes, estudantes e movimentos. Pode gerar processos de compartilhamento, troca de experiências e fortalecimento de diálogos. Somos mais fortes juntos.
Comunicação Abrasco: Qual a previsão para o lançamento do Plano e como vocês pretendem trabalhar esse lançamento?
Tatiana e Dario: A previsão é novembro de 2025, durante o 14º Congresso da Abrasco. Até lá, realizaremos duas oficinas (uma já agendada para 5 de agosto e outra em setembro), um seminário e reuniões ampliadas da Comissão.
O lançamento será apenas um momento de síntese. Nossa expectativa é que, de agosto a novembro, possamos ampliar ainda mais os diálogos e atrair colegas para o debate. O Plano só fará sentido se as pessoas se virem refletidas nas questões e estratégias propostas. Nossa intenção é que, a partir de 2026, ele seja o guia para as atividades da Comissão e um instrumento de apoio às instituições em todas as regiões do país.
Integrantes do GT Plano Diretor (2023-2025)
Membros do GT Plano Diretor (2023-2025)
Adelyne Pereira – ENSP/Fiocruz
Alberto Novaes Ramos Jr – UFC
Alcides Miranda – UFRGS
Ana Ligia Passos Meira – Santa Casa SP
Aylene Bousquat – FSP/USP
Bibiana Nunes – ISC/UFF
Cristian Fabiano Guimarães – Unifesp
Carlos Eduardo Menezes de Rezende (USP/RP)
Carmen Leitão – UFC
Catharina Matos – ISC/UFBA
Dário Frederico Pasche – UFRGS
Elizabeth Artmann -ENSP/Fiocruz
Helena Shimizu – UNB
Isabela Soares Santos – ENSP/Fiocruz
José Patrício Bispo Jr – IMS/UFBA
Leonardo Castro – ENSP/Fiocruz
Leo Heller – IRR/Fiocruz
Luiza Jane Eyre Souza – UNIFOR
Marília Cristina Prado Louvison – FSP/USP
Monique Esperidião – ISC/UFBA
Nêmora T Barcellos – Unisinos
Nivaldo Carneiro Junior – Santa Casa/SP
Regimarina Soares Reis – EPSJV/Fiocruz
Rodrigo Tobias – Fiocruz Amazônia
Ronald Pereira Cavalcanti – UFPE
Ronaldo Teodoro – IMS/UERJ
Sydia Oliveira – Fiocruz PE
Tatiana Wargas de Faria Baptista – IFF/Fiocruz
Thaís Regis Aranha Rossi – UNEB

14° Abrascão acontece em Brasília!
Criado em 1986, o Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva é um dos mais importantes fóruns científicos da área da Saúde Coletiva. Carinhosamente conhecido como Abrascão, acontece a cada três anos. Inscrições abertas pelo site, acesse aqui.