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Altissonantes, controversos e silenciados. Não são apenas ovos e larvas que o Aedes aegypti dissemina em poças d’água. Na reprodução do seu ciclo de vida e de vetor, o mosquito espalha os mais diversos sentidos em “poças” midiáticas, como páginas da internet, capas de jornais e imagens televisivas que compõem a imprensa brasileiras e que estiveram em análise por pesquisadores de diversos campos do conhecimento na aula inaugural do curso de especialização em Comunicação e Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (ICICT/Fiocruz), realizada na última quinta-feira, 10 de março, na Biblioteca de Manguinhos, no campus-sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro.

+ Assista a aula na íntegra, registrada pela VídeoSaúde Distribuidora

Composta por com um time de especialistas ao invés de um único palestrante, a aula foi conduzida por Rodrigo Murtinho, vice-diretor da unidade e docente do curso de especialização, e contou com a participação de Inesita Araújo, pesquisadora do Laboratório de Comunicação e Saúde (Laces/ICICT/Fiocruz); Raquel Aguiar, doutoranda do ICICT/Fiocruz e coordenadora de comunicação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz); Luis Castiel, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), e Guilherme Franco Netto, pesquisador da Fundação lotado na Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAS/Fiocruz) e membro da diretoria da Abrasco.

Inesita e Raquel apresentaram a pesquisa A mídia em meio às ‘emergências’ do vírus Zika: questões para o campo da Comunicação e Saúde. O estudo, submetido para publicação em revistas científicas, debruçou-se sobre as capas e os sentidos produzidos nas manchetes de nove veículos impressos: os seis jornais de maior tiragem nacional, segundo dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ/2014) e outros três veículos representativos dos estados do Nordeste.

A emergência na linha do tempo e da imprensa: Os primeiros registros de sintomas diferentes dos comumente observados nos atendimentos de saúde em municípios da Bahia e do Rio Grande do Norte chegaram à imprensa regional em março de 2015. Em abril, no mesmo período que a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) anunciou o monitoramento na região, pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) comunicaram a circulação e presença do vírus Zika em território brasileiro. Do reconhecimento do Zika pelo MS, em maio, até a explosão dos casos de microcefalia, o assunto passa a compor cotidianamente as manchetes que desfilam nas capas dos jornais estudados. “É quando a gente percebe o que o tema se torna pela primeira vez uma mancha gráfica, ou seja, quando passa a ser grande a incidência dos termos Zika e, posteriormente, microcefalia, nas capas dos veículos impressos”, destacou Raquel Aguiar, apontando não haver diferença entre os “picos” de cobertura entre veículos nacionais e regionais na cobertura do “fenômeno Zika”. A pesquisa abarcou as edições publicadas até dezembro do ano passado.

Nas considerações, Inesita Araújo teceu questionamentos e provocações aos presentes nos quais abordou os mecanismos de silenciamento e de visibilidade das iniquidades sociais em sua relação com a saúde e as diversas práticas discursivas que estão comunicando a emergência sanitária em questão: os mecanismos de responsabilização e de estigmatização das mulheres e a exploração e espetacularização das narrativas de sofrimento das crianças com microcefalia, entre outras faces e particularidades da atual cobertura expressas nas manchetes e nas imagens pesquisadas.

Mudanças na forma como a ciência e as fontes científicas são tratadas na imprensa também estiveram em foco. “Importante notar que o noticiário da ciência sempre foi muito pautado pela fonte; ele dá destaque à informação que a fonte traz, sem maiores questionamentos. Na atual cobertura, vemos uma inversão, uma constante contraposição de fontes. Interessa ao campo científico abrir espaço ao contraditório?”, questionou Inesita, ressaltando que essa característica incute e amplifica a sensação de risco na comunicação e valoriza todo o tipo de boato, seja provocado pela ignorância, pelo medo ou por interesses atrelados a grupos econômicos e/ou de poder. “Num cenário de crise sanitária com essa grande disseminação de informações, aproveitada por muitos como oportunidade para os mais variados negócios, é importante pensarmos a capacidade crítica do jornalismo frente a este cenário”, reforçou a pesquisadora, uma das fundadoras do Grupo Temático Comunicação & Saúde (GTCOM/Abrasco).

A imagem da Zika como um personagem dos filmes de Frederico Fellini que chega no meio da história para mudar os caminhos da trama foi utilizado por Inesita e também por Luis Castiel, que apresentou a comunicação Repelente? A vida como ela é!. O pesquisador da ENSP/Fiocruz relacionou elementos da teoria do risco, da comunicação e da política para articular a ideia de que o atual momento do discurso da saúde feito em torno da emergência sanitária serve de argumento alegórico para o quadro geral da sociedade brasileira.

Comunicação para o perigo: Ao apresentar noções básicas da discussão epidemiológica sobre o risco, como análise, gerenciamento e comunicação, Castiel destacou que, ao contrário de outras situações, o atual momento contém um grande número de cenários hipotéticos ainda não confirmados que dificultam um tratamento mais claro da emergência. “Sem dados concretos, a comunicação de risco transforma-se numa comunicação de perigo” brincou ele, que se valeu de bem-humorados e provocativos cartuns para mostrar o quão movediço se encontra o cenário tanto no debate científico como social, sem as garantias que os arautos do risco tanto defendem e numa avalanche de sentidos sociais marcados pelo excesso e pela quebra de fronteiras. “A ideia de estabilização dada por uma certa ideia de comunicação de risco não está funcionando como imaginado, pois o quadro que até agora temos da Zika provoca um transbordamento da ideia de controle”, sentenciou o pesquisador.

Nesse transbordo jorram juntos a boataria, os interesses escusos, a ignorância e a confusa e renhida disputa pelo discurso da autoridade entre os mais diversos atores sociais, científicos e políticos, o que faz ampliar ainda mais a própria ideia de imprevisibilidade dos dias atuais. “Não existe uma determinação ótima, um ponto ótimo para a informação. E se não temos uma comunicação de risco no sentido ótimo per si, que explique e aponte os cenários dados, temos então essa comunicação do alarme, do perigo”, reforçou Castiel, que encerrou sua participação ressaltando a nova norma funâmbula – que se movimenta sobre as cordas bambas – da sociedade contemporânea frente a uma vida com cada vez mais riscos e menos certezas.

Integrante do gabinete formado pela Fiocruz para dar respostas à sociedade sobre a emergência sanitária, Guilherme Franco Netto pontuou sua visão sobre as disputas em curso nos espaços sociais, em destaque nos da comunicação, onde estratégias de falas tuteladas e de responsabilização dos segmentos vulneráveis ainda são maiores e de maior relevância do que processos participativos e emancipatórios de comunicação e de produção da informação.

Nesse sentido, Franco Netto apresentou os preceitos que a Fundação vem trabalhando no gabinete da Zika para a comunicação com a sociedade, como a integração das mensagens entre as assessorias e coordenadorias de comunicação das unidades, sedes regionais e presidência; a análise crítica e a validação sistemática das informações, sempre de acordo com os valores e missões da Fiocruz. Listou também a produção de tecnologias em saúde, como kits diagnósticos e armadilhas, ambos aguardando fase final de estudo para o início do processo de produção.

Tensões na comunicação científica: A nota técnica lançada em 02 de fevereiro em conjunto pelos Grupos Temáticos Saúde e Ambiente; Saúde do Trabalhador; Vigilância Sanitária; Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável e Educação Popular em Saúde da Abrasco foi um temas do debate entre plateia e convidados após as exposições.

Também membro da diretoria da Associação e integrante do Grupo Temático Saúde e Ambiente, Guilherme Franco Netto ressaltou que o documento não aponta em nenhum momento a afirmação de causalidade entre os casos de má formação congênita e o uso do composto piriproxifeno. “Destacamos que a interação das pessoas com esses químicos deve ser levada a cabo nos estudos desenvolvidos”, ressaltou o pesquisador, apontando que a comunicação científica precisa se preservar e ser preservada nos contextos da comunicação de risco e de cenários emergenciais. Como exemplo, citou a divulgação da descoberta de cargas do Zika vírus nos mosquitos do gênero Culex¸ainda mais comum e disseminado nas áreas urbanas e rurais do que a espécie Aedes aegypti, reforçando a ideia que, em épocas de crise, descobertas como esta exigem atenção e responsabilidade antes da divulgação na grande mídia.

Inesita frisou que os poderes instituídos correram para silenciar o questionamento apontado pela nota da Abrasco, numa clara defesa dos interesses de mercado, o que foi muito repercutido pela imprensa brasileira. “No entanto, mesmo que o contraditório esteja nos veículos, é divulgado de maneira desigual”, disse a docente, relembrando que as vozes das autoridades científicas também sofrem com as pressões da mídia, o que reforça os jogos de autoridade e silenciamento das práticas narrativas. Já Rodrigo Murtinho reiterou que o papel da Fiocruz nesta emergência passa também pela comunicação. “Se temos essa visão crítica de como a mídia está tratando o fato, temos o desafio de fazer essa comunicação direta de outra forma, algo que está na missão da Fundação com a sociedade”.

Criado no início da década de 1990 como uma iniciativa que articulou e envolveu pessoas e preocupações comuns ao então recém-criado Grupo Temático Comunicação e Saúde (GTCOM/Abrasco), o curso Comunicação e Saúde atualmente é oferecido como especialização latu sensu pelo ICICT/Fiocruz. Abrasquianos como Aurea Pitta, Eduardo Stotz, Inesita Araújo e Homero Teixeira coordenaram edições anteriores. “Essa é a 14ª edição do curso e algumas coisas permanecem, como o compromisso de repensar a comunicação e contribuir com o pensamento da saúde no Brasil”, explicou Janine, coordenadora da especialização junto com Igor Sacramento (ambos do Laces) e também integrante do GTCOM/Abrasco.

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