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Conflitos: mata-se mais no Brasil do que em guerras

Números chocantes sobre a violência no Brasil foram “vedetes” do painel Guerras e Violência numa Escala Global, apresentado na manhã do quarto dia do 11º Congresso Mundial de Saúde Pública. Nem os dados da guerra civil na Irlanda, os chamados Troubles, entre protestantes pró-Reino Unido e católicos republicanos que racharam o país ao meio em 1921 e prosseguiu com a luta armada do Exército Republicano Irlandês, o Ira, até o final dos anos 90, nem a Guerra dos Bálcãs superaram o Brasil, em números de homicídios e mortes por projétil de arma de fogo (PAF), contabilizados pelo Instituto Superior de Estudos da Religião (Iser). A mesa foi composta pela psicóloga britânica Helen Murphy, da Universidade de East London (Reino Unido), falando sobre os distúrbios e sequelas na população afetada pelo conflito norte-irlandês (Civil Conflict in Northern Ireland and the Prevalence of Psichiatric Disturbance Across United Kingdom), por Luciana Phebo, do Iser/Viva Rio, e mediada pelo professor Samir N. Banoob, da Escola de Desenvolvimento Humano Global, da Universidade das Nações Unidas pela Paz, especializado no conflito étnico dos Bálcãs (Health Impact of Wars and Political Unrest – A Call From a Balkan Region).

Tiros que matam e lesionam

Enquanto na Irlanda do Norte e outras partes do Reino Unido os traumatizados de guerra civil, que não vitimou mais de 5 mil pessoas, apresentam problemas crônicos de saúde, como alcoolismo, vício em barbitúricos e antidepressivos e ainda distúrbios do sono, no Brasil, somente em 2000, cerca de 38 mil pessoas morreram por ataque com armas de fogo – a principal causa dos óbitos incluídos no Sistema de Informação de Mortalidade, que serve de base para o trabalho do Iser. “É mais que as mortes em acidentes de trânsito e mais que muitos conflitos oficialmente declarados pelo mundo afora”, ressalta Phebo. De 1979 a 2000 triplicou o número de mortes por armas de fogo. “Aqui matamos mais os outros que nos suicidamos”, comenta Luciana Phebo, mostrando que 90% das chamadas mortes por PAF são por homicídios. “As altas taxas não estão concentradas somente nas capitais, mas seguem expressivas em alguns municípios da Tríplice Fronteira e no Polígono da Maconha, devido ao combate com armas do tráfico.

Referendo

O curioso é que, de acordo com o Sistema de Informação de Hospitalização, a maioria das internações no Sistema Único de Saúde (SUS) por lesões por PAF são resultado de acidentes: 54%. “As armas não apenas matam, mas oneram e sobrecarregam os hospitais públicos por estas lesões que, geralmente, exigem um tempo maior de tratamento”, diz Phebo, defensora da proibição incondicional do comércio de armas de fogo no Brasil. Mesmo vigorando o Estatuto do Desarmamento, que proibe o porte de armas para civis, a gravidade da violência armada é tanta no Brasil, que homens de 20 a 29 anos são os mais atingidos. No Rio, em 2002, 56% de jovens de 15 a 19 anos morreram por PAF. Neste mar de sangue – “diretamente relacionado à pobreza”, sentencia o professor Samir N. Banoob -, Luciana Phebo vê luz no fim do túnel, lembrando que, durante a Campanha do Desarmamento, em 2004 e 2005, cerca de 450 mil armas de fogo foram entregues somente no Rio. “Neste período, pela primeira vez em 20 anos, houve uma redução de 8% em mortes por PAF”. Quanto ao Não dos brasileiros no Referendo sobre a proibição de comércio de armas de fogo, Phebo também é otimista: “Perdemos ganhando, porque a discussão serviu para conscientizar o povo de que armas de fogo são, além de fonte de sofrimento, um problema de saúde pública”. Já Banoob acredita que o Não foi “resultado do fortíssimo lobby da indústria armamentista, cujos tentáculos estão infiltrados até nas instituições que trabalham pela paz”.

 

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