Nota de Repúdio
Nós, entidades e grupos abaixo assinados, repudiamos o evento intitulado Congresso Brasileiro de TRANSsexualidade divulgado para acontecer de 22 a 25 de setembro em Belo Horizonte/MG*. Embora tenha sido divulgado como um evento científico, o dito congresso propôs mesas que se contrapõem a concepções bem consolidadas pelas ciências médicas e humanas atualmente, apoiando-se na depreciação do conceito de gênero e fazendo menção sobre haver uma epidemia de transexualidade.
O referido evento desrespeita e violenta a história de acúmulo de conhecimento construída entre profissionais, pesquisadores/as, ativistas e a comunidade trans nos últimos trinta anos no Brasil, história essa que resultou nas principais políticas de acesso à saúde trans específicas, buscando a construção democrática de diálogo entre o conhecimento científico e as experiências e ativismos trans.
O evento, organizado por entidades cujo modo de experiência médica no atendimento e cuidado da população trans têm sido fortemente questionado, posiciona o conhecimento e a prática médica numa perspectiva preconceituosa, anticientífica e descolada das evidências, produzindo só o alarmismo terrorista e propagando a desinformação. Sua programação possui nomes que merecem todo nosso repúdio: médicos e médicas brasileiras sem nenhuma experiência no campo temático da saúde integral LGBTIA+ e médicos de outros países que representam práticas em desuso e questionadas, as terapias violentas de reversão bem como o desconhecimento total da realidade brasileira no que diz respeito ao Sistema Único de Saúde-SUS, seus princípios e sua política de saúde integral para população
LGBTIA+.
As práticas diagnósticas de identidade de gênero já foram abolidas inclusive pela Organização Mundial de Saúde em sua última revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), portanto não se justifica que um evento como esse propague mais uma vez esse tipo de ação violenta e violadora dos direitos humanos, trazendo médicos já condenados pela justiça em seus próprios países por práticas de violação aos direitos da população trans
Profissionais e instituições de saúde devem cumprir seu dever ético e científico, principalmente dentro de instituições comprometidas com formação e pesquisa acadêmica, zelando pelas práticas baseadas em evidências, pela defesa de direitos humanos vinculados às práticas de cuidados à saúde e contrapondo-se a visões anticientíficas, patologizadoras e preconceituosas.
*A instituição propositora do evento não será mencionada nesta nota para que não seja divulgada.
Assinam essa nota:
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
ABMMD – Associação Brasileira de Médicos pela Democracia
ABRASITTI – Associação Brasileira Profissional para a Saúde Integral de Pessoas Travestis, Transexuais e Intersexo
Coletivo Mães pela Liberdade
Coletivo BIL – Coletivo de Mulheres Bissexuais e Lésbicas Cis e Trans
CES/MG – Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais
Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão (CDEI) da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
DENEM – Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina
GT de Gênero, Sexualidade, Diversidade e Direitos da SBMFC – Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
GT em Psicologia, Política e Sexualidade da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Psicologia/ANPEPP
PQDCL – Movimento Psiquiatria, Democracia e Cuidado em Liberdade
NUH/UFMG – Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT+ da Universidade Federal de Minas Gerais.
NÚCLEO TRANS UNIFESP – Núcleo de Estudos, Pesquisa, Extensão e Assistência à Pessoa Trans Professor Roberto Farina
Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares
SBRASH – Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana