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Controle vetorial no Brasil é caro e de pouco impacto, diz Gustavo Bretas

Vilma Reis

Ao participar do 2 º Seminário Dengue, Chikungunya e Zika: Desafios na Atenção à Saúde na Chikungunya, no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em Manguinhos, no Rio, o diretor regional da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Mato Grosso do Sul, Rivaldo Venâncio, disse que epidemias das doenças zika e chikungunya, ambas transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, serão ainda maiores no verão de 2016/2017 do que foram na última temporada. De acordo com o pesquisador o número de casos este ano já subiu significativamente em relação ao ano passado. “Em 2015, foram identificados 38 mil casos de zika e de chikunguya. Neste ano, o número subiu impressionantemente para 255 mil. Só o estado do Rio já teve mais de 15 mil casos da doença até o mês de outubro. Não há solução para zika sem financiar ciência: é preciso diminuir a burocracia e aumentar os incentivos financeiros que poderiam reduzir pela metade o tempo de desenvolvimento de uma vacina contra o vírus”.

Diante destes números e prestes a entrar no verão brasileiro, a Abrasco conversou com o pesquisador abrasquiano Gustavo Bretas sobre a possibilidade de controlar a tríplice epidemia. Bretas é médico, formado na UFRJ, foi residente de Doenças Infecciosas e Parasitárias na UFRJ, Mestrado de Epidemiologia na Escola Nacional de Saude Publica, Mestrado de Medicina Tropical na London School of Higiene and Tropical Medicine, ex-professor do Instituto de Medicina Social da Uerj, consultor de doenças transmissíveis da Organização Panamericana de Saúde (OPAS/OMS) no Equador e Suriname.

Abrasco – será preciso uma nova maneira de lidar com o problema?
Gustavo Bretas – Cada vez é mais evidente que as atuais estratégias de controle vetorial não funcionam. Têm um custo elevado e nenhum impacto sobre a ocorrência das doenças virais transmitidas pelo Aedes aegypti, Dengue, Chikungunya, Zika. Países pobres gastam quantias consideráveis em inseticidas e controle vetorial de pouco impacto, o dinheiro que poderia ser melhor aplicado. Uma nova onda epidêmica se anuncia para o atual verão quando o centro sul do pais deverá ser atingido em cheio. Tenho dito em várias entrevistas que é a imunidade das pessoas o que determina o tamanho das epidemias quando as condições para a reprodução do Aedes são adequadas, como no verão brasileiro.

Abrasco – o Butantan espera testar vacina de zika em humanos em dois meses, esta seria uma ação efetiva de controle?
Gustavo Bretas – Finalmente já temos uma vacina para a Dengue que possivelmente será capaz de deter a disseminação da doença. O seu uso deveria ser uma prioridade. Também prioritário seria o suporte das pessoas que têm que lidar com as consequências, seja da Zika nos recém-nascidos ou do CHK nas pessoas com artrite crônica. As vacinas são a unica alternativa racional frente a inexistência de métodos efetivos contra o vetor. É importante lembrar que temos ainda a possibilidade de ter Febre Amarela transmitida também pelo Aedes. Angola teve uma epidemia importante este ano. E preciso estar com a população vacinada nas áreas de risco e ter um estoque estratégico de vacinas para conter epidemias em áreas urbanas.

Abrasco – Oito de cada dez bebês nascidos com microcefalia e outras alterações cerebrais ligadas ao vírus da zika são filhos de mulheres negras, você acha que as ações deveriam se voltar com prioridade a este grupo?
Gustavo Bretas – A distribuição das consequências da Zika tem uma distribuição peculiar: não por causa do vírus, o vírus não discrimina; sim pela desigualdade extrema da sociedade brasileira. Alguns podem proteger-se do Aedes com ar condicionado, viagem ao exterior durante a gravidez, e até mesmo recorrendo ao aborto quando confirmadas alterações no desenvolvimento do feto. Outros não. E por isso precisam de apoio.

Abrasco – Na sua opinião, existe risco na doação de sangue que ainda não faz triagem clínica para o zika?
Gustavo Bretas – Existe sempre um risco, especialmente porque a Zika pode ser pouco ou asimtomática. O risco maior seria em transfusões para mulheres grávidas, que deveriam ser melhor avaliadas.

Abrasco – O Brasil terá novos prefeitos em janeiro, e a falta de saneamento novamente não se faz presente na agenda dos municípios, é possível pontuar a tríplice epidemia nestas novas gestões?
Gustavo Bretas – A falta de saneamento, que reflete a falta de uma política nacional, séria, racional de Saúde Pública foi, é e será um problema a ser resolvido dentro do espectro absurdo da desigualdade na sociedade brasileira. Não é possível ter saúde para todos com um modelo de saúde para alguns.

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