Leia abaixo na íntegra o artigo de Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente da Abrasco, ou confira aqui na publicação original.
“O governo interino de Michel Temer não apresentou sequer uma ideia nova para reverter a ruína do Sistema Único de Saúde (SUS), acelerada nos últimos anos pelo baixíssimo financiamento público.
No capítulo sobre saúde do documento Travessia Social, divulgado em abril pelo PMDB, o que se lê são platitudes de segunda mão. Cópia da plataforma eleitoral de 2014 do então candidato a presidente Aécio Neves, apresenta o SUS como “uma das grandes políticas de inclusão social”.
Promete, entre outros pontos, expandir para toda a população a estratégia saúde da família, instituir o cartão de saúde, ampliar leitos de UTI e redes de urgência, melhorar a gestão e cobrar desempenho de prestadores hospitalares.
Ao cardápio requentado, mas que exigiria muito dinheiro para ser servido, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, acrescentou suas “prioridades”, como combater o Aedes aegypti, inaugurar unidades de pronto atendimento e capacitar pessoal da saúde. Tratou também de adular aliados, falou em agilizar a liberação de medicamentos -como exige a indústria farmacêutica-, abrandar o controle sobre os planos de saúde -que obtiveram em maio o maior reajuste dos últimos 15 anos- e manter o programa Mais Médicos, porém com mais brasileiros e menos cubanos.
De resto, o governo interino copia e cola do PSDB um tripé nada original, o mesmo que embalou as gestões do PT na saúde: subfinanciamento, privatização e programas fragmentados. Em 2015, alteração na Constituição (emenda 86) retirou mais um naco do montante federal da saúde. A recessão corroeu impostos e contribuições que sustentam o setor e levou à maior utilização de serviços, pois foi para a fila do SUS a multidão que perdeu o plano de saúde junto com o emprego.
Agora a possível limitação dos gastos obrigatórios dos governos com saúde poderá aprofundar a crise sanitária instalada e levar ao colapso serviços que já diminuíram equipes, consultas, internações e até atendimentos de urgência. Decidido a minguar o custeio do SUS, o governo interino vê solução nas parcerias público-privadas e no maior consumo de planos de saúde.
O que mais poderá ser entregue ao setor privado? Com Dilma Rousseff, houve abertura da rede assistencial privada ao capital estrangeiro, hospitais privados cinco estrelas (ditos “filantrópicos”) se esbaldaram em renúncias fiscais, o BNDES concedeu empréstimos generosos ao setor, planos de saúde ganharam novas desonerações e assumiram o controle da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A escalada do número de ações judiciais contra planos privados, por exclusões de coberturas e reajustes abusivos de mensalidades, e a perda de mais de 1 milhão de clientes, só em 2015, demonstram que não é o SUS que deve diminuir seu tamanho, como bradou o ministro, mas é o mercado suplementar que segue anabolizado, sem entregar aquilo que vende.
Já a gestão privada dos serviços, que inovação mais antiga seria essa? As organizações sociais e similares estão aí há 20 anos e não há evidências de melhorias no uso do dinheiro escasso ou no atendimento.
A salvação do SUS não virá dos empresários da saúde, que se manterão em nichos, na venda de leitos, atos médicos, exames e procedimentos rentáveis. Por certo se assanharão por mais subsídios e acesso a fundos públicos, tendo o Estado como fiador de seus negócios.
No entanto, nunca irão apostar suas fichas em redes universais, na atenção primária, no cuidado aos idosos, na saúde mental, no tratamento da Aids, no controle de epidemias… O SUS para todos e de qualidade, conforme quer e tem direito o povo brasileiro, não irá sobreviver com um simples comando “Crtl+C, Crtl+V” de ideias do passado.”