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Cortes no orçamento das universidades colocam pesquisas em risco

Vilma Reis com informações do Correio Braziliense

Universidade de Brasília enfrenta sérias dificuldades, por conta do corte no orçamento. Foto Brasil 247

O corte no orçamento das universidades federais e em instituições de fomento à pesquisa chegou aos laboratórios da Universidade de Brasília – UnB. Pesquisas em andamento sofrem com atrasos em pagamentos de bolsas, poucos recursos e falta de material, como reagentes e equipamentos. Novas pesquisas estão estagnadas pela redução das verbas e insegurança na continuidade do repasse de dinheiro. O Programa de Iniciação Científica (Pibic) não conseguiu crescer a quantidade de bolsas oferecidas – manteve em 2017 praticamente o mesmo número de 2016 e ainda há incerteza de como ficará o projeto a partir de julho de 2018.

Investimentos em estrutura – como ampliação de laboratórios e aquisição de novos equipamentos – estão lentos. Isso porque a UnB estuda a possibilidade de transferir a verba destinada ao investimento para pagar contas do dia a dia, como os terceirizados, água e luz. Até mesmo a aquisição das passagens aéreas para vinda de professores convidados de outras instituições está restrita. A universidade está também com dificuldades em oferecer as contrapartidas exigidas em certos tipos de editais. O resultado é um ambiente de incertezas entre pesquisadores e alunos sobre o futuro da produção acadêmica.

A pesquisa na UnB vem sofrendo diferentes pressões financeiras, como diminuição de editais de fomento, atrasos em pagamentos de bolsas, cortes no orçamento da universidade e a impossibilidade de usar recursos próprios. Assim como outras instituições de ensino brasileiras, a UnB sofreu com o corte de verba vindo do Ministério da Educação (MEC). No entanto, o caso da UnB tem mais peculiaridades causados por “equívocos técnicos”, conforme descreveu o MEC. Em 2017, a universidade convive com um corte de recursos de 43,8% – são R$ 82,3 milhões a menos do que em 2016. De acordo com a UnB, o resultado é um deficit anual de R$ 105,6 milhões, quantia que a universidade teria que ter para se manter. De dívida existente com contratos já firmados, são R$ 9 milhões.

Por isso, a universidade estuda remanejar o valor destinado ao investimento para custeio. “A gente está deixando de fazer obra, de comprar equipamento para pagar conta do dia a dia. Já temos fornecedores sem receber”, comunica Paulo César Marques, chefe de gabinete da Reitoria. De acordo com o MEC, o dinheiro a menos em 2017 em relação a 2016 ocorreu por causa de um erro da gestão anterior do MEC, que elevou o valor da despesa da UnB e, em 2016, passou a quantia equivocada para a universidade.

Outra questão é o teto para os gastos com recursos próprios. O orçamento de 2017 previu que a UnB receberia apenas R$ 87,8 milhões de dividendos vindos de aluguéis, convênios e outras rendas como a dos concursos públicos feitos pelo Cebraspe. Mas, em circular enviada aos professores em agosto de 2017, a Reitoria afirmava já ter R$ 88,8 milhões em caixa e mais R$ 29,5 milhões até o fim do ano. Dessa forma, a UnB arrecadou mais que o previsto e, o excedente, deve ir para o Tesouro Nacional porque a universidade não pode receber mais dinheiro do que o previsto no orçamento.

“Esse dinheiro de fonte própria não pode ser usado pela UnB mesmo ela tendo um deficit. Estamos pedindo ao MEC que reveja esses números”, diz Paulo César. Segundo a UnB, esse pedido já foi negado uma vez. O MEC informou que tem se esforçado para garantir a ampliação dos limites orçamentários junto aos ministérios responsáveis pelas políticas orçamentária e financeira do governo federal. O MEC explicou que essa diferença se deu porque a UnB não sabia se, em 2017, receberia os lucros vindos do Cebraspe.

Sem a UnB poder usar o dinheiro arrecadado, muitos pesquisadores estão receosos de tentar o convênio de pesquisa via universidade porque o dinheiro do financiamento da pesquisa pode entrar como excedente e ficar congelado, uma vez que a conta da UnB é única. Por isso, estão procurando outras fundações de apoio como a Finatec – alvo de operação contra corrupção – e Finep.

Cortes nos editais

As pesquisas nas universidades brasileiras são feitas, em sua maioria, via convênios de órgãos e fundações públicas, como a Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência e Tecnologia. É com esse dinheiro que pesquisadores se mantêm com bolsas e adquirem os suprimentos necessários para o estudo. Por isso, quando há corte de orçamento nestas pastas, a pesquisa é afetada.

Na Capes, uma dos principais instituições de fomento à produção acadêmica brasileira, a quantidade de bolsas para UnB caiu 12,8% entre 2015 e 2016 (de 2.604 para 2.269). No site da fundação não há informações sobre 2017. À reportagem, a Capes negou a queda e afirmou que o número de bolsas se mantém “estável”. Segundo o órgão, a sazonalidade nos benefícios deve-se ao fim de programas como o Jovens Talentos. O órgão informou ainda que houve supressão de bolsas que não estavam sendo utilizadas. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) não informou a quantidade de bolsas disponíveis, nem o comparativo.

A professora Aldira Guimarães, do curso de saúde coletiva, no câmpus de Ceilândia, conta que sentiu o baque do corte de recursos. O número de editais de fomento caiu, assim como suspensões e atrasos de pagamento passaram a ocorrer. Aldira faz parte de um projeto chamado Rapha, que desenvolve um dispositivo médico portátil, que associa o uso do látex e emissão de luzes de led para ajudar, com a fototerapia, na cicatrização de feridas em pés de diabéticos. O estudo está em fase avançada, com testes em pacientes. Aldira é responsável por tentar encaixar o produto na rotina dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo ela, no começo do ano, o grupo passou um susto de ameaça de corte nos recursos que vêm do Ministério da Saúde, em parceria com o Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da UnB. “Alguns colegas ficaram com bolsas suspensas por dois meses. A desmotivação é generalizada. Você está no meio de um processo, em uma pesquisa que tem um impacto social imenso. Nunca ficou claro o motivo do atraso”, comenta. Ela lamenta também a falta de recursos para outro estudo que media a quantidade de agrotóxicos nos alimentos. Esse projeto é de uma mestranda orientada por Aldira.

O movimento Conhecimento Sem Corte, da qual a Associação de Professores da UnB faz parte, estima que, por hora, R$ 500 mil deixam de ser investidos na ciência do país. Desde 2015, a redução do orçamento na educação superior e na ciência e tecnologia ultrapassa 12 bilhões. “Os cortes estão impactando na manutenção dos estudantes nas universidades e em pesquisas importantes como as de novos medicamentos e tratamentos, inclusive de temas como o Zika. Muitos pesquisadores estão indo pra fora do Brasil”, explica Tatiana Roque, coordenadora da Campanha e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Professor do Departamento de Engenharia Elétrica, José Camargo também convive com os cortes de recursos. O pesquisador comenta que, de 2002 a 2015, ele foi coordenador, no DF, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (Namitec), uma rede de pesquisa envolvendo grupos de 14 universidades brasileiras, entre elas, a UnB. O financiamento da pesquisa vinha de fundações de apoio à pesquisa e CNPq. “Na última seleção de propostas, cerca de 252 foram aprovadas, entre 400 submetidas a avaliação. Mas apenas 100 estão sendo apoiadas pelo governo. O Namitec foi classificado na posição 107 e não está sendo financiado, por isso, não foi possível mantê-lo em funcionamento pleno”, explica o professor.

(Reportagem de Flavia Maia no Correio Braziliense)

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