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Dabate do filme ‘Martírio’ mobilizou pesquisadores e abrasquianos

Em duas horas de exibição, a trajetória do grupo indígena Guarani-Kaiowá, nação que ocupou toda a região pampeira e do cerrado sul-americano e que tem sido invisibilizada e dizimada desde que os europeus começaram a desbravar a região, a partir do século XVIII, é contada com força e riqueza de imagens e histórias pelo cineasta Vincent Carelli no filme “Martírio”. A exibição fez parte das atividades do evento #DemarcaçãoJá, promovido pela Abrasco, Fundação Oswaldo Cruz e Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) ao longo da terça-feira, 30 de maio. Mesmo a extensa duração do filme não fez esmorecer o público, composto por pesquisadores e estudantes da ENSP/Fiocruz e do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ), além de jornalistas e demais interessados.

+ Saiba mais sobre “Martírio” na matéria da revista Radis desde mês

O longa mostra o calvário vivido pelos indígenas remanescentes com imagens de despejos, apagamentos de direitos e de memórias e disputas de terra em mais de 30 áreas reclamadas pela população indígena nos últimos 30 anos, desde as primeiras incursões do diretor à região, além de traçar um paralelo com a dinâmica da região, dominada pelo agronegócio e por donos de terras e empresas de segurança, sob a negligência do Estado.

Ao final, o sentimento de resistência transmitido pelo filme pontuou a fala de docentes e abrasquianos presentes ao debate. Confira abaixo algumas das declarações:

Elvira Seixas Maciel – pesquisadora da ENSP/Fiocruz: “É difícil falar depois de ver um filme tão forte. Queria sugerir a todos a leitura do texto “Involuntários da Pátria”, de Eduardo Viveiros de Castro, que deve ser espalhado. É duro ver esse documentário, pois nos obriga a ver o genocídio dos Kawuá-Guarani e o genocídio de crianças na Varginha, aqui ao lado da nossa Escola. Nos obriga a pensar na Reforma Trabalhista e no número de indígenas e demais trabalhadores rurais que perdem as vidas nos canaviais e demais plantações. Ser minoria está ficando cada vez mais difícil, pois há um grande desejo das instituições por dominar e catequizar as pessoas, o que vemos muitas vezes também no meio acadêmico. Escolas não são para criar pessoas para reproduzirem e repetirem, mas para pensarem e terem suas próprias histórias. Temos de criar o movimento de resistência das histórias das minorias”.

Adriano De Lavor – jornalista do programa RADIS: “Temos a preocupação de estarmos sempre caminhando junto com os movimentos de resistência. A pauta indígena é muito cara ao programa Radis e sempre que possível está nas páginas de nossa revista. É nosso papel estar nessa linha de frente desse debate”.

Maria Helena Mendonça– pesquisadora da ENSP/Fiocruz e integrante da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde (CCSHS/Abrasco): “O documentário é extenso, duro, porém muito belo. A construção do filme mostra que a relação do indígena com a terra não passa pelo apego, pela posse, mas pela memória. A memória, a história oral são as grandes referências, pois traz o outro, traz a resistência. Nosso papel como professores de Saúde Coletiva é pensar como pautar e trazer esses temas para a formação e para o debate multiprofissional. Há muitas lacunas nas políticas públicas, tanto para os indígenas como para demais minorias. Isso nos leva a pensar porque tanto ódio a grupos tão pequenos. É justamente porque resistem, porque persistem e sua existência é um confronto aos poderes instituídos”.

Gabriel Schütz – professor do IESC/UFRJ e integrante do Grupo Temático Saúde e Ambiente (GTSA/Abrasco): “A Constituição Federal é clara na definição dos direitos indígenas e diz o que deve ser feito no caso de índios nas terras demarcadas e ocupadas. Entretanto, o que se viu no filme e se vê nas estradas que cruzam seus antigos territórios é que os indígenas são invisibilizados à bala. Nós, docentes de Saúde Coletiva, que gostamos de trabalhar com evidências deveríamos nos questionar mais sobre a situação de saúde desses povos. Qual a qualidade da água que eles consomem? Nessa região mostrada no filme é campeã no uso de agrotóxico. Então nosso trabalho é dar visibilidade a isso. Esse debate de hoje foi muito importante. Temos de construir com maior capilaridade em outros espaços, para desvelar hipocrisias e pensamentos arraigados em matrizes eurocêntricas e exclusivistas”.

Ana Lúcia Pontes – pesquisadora da ENSP/Fiocruz e integrante do Grupo Temático Saúde Indígena (GTSI/Abrasco): “Muitas das ameaças apresentadas no filme já foram concretizadas. Hoje (30/05), o relatório da CPI Incra/Funai2 foi aprovado na íntegra, levando ao indiciamento de mais de 60 lideranças indígenas, trabalhadores da temática e antropólogos. A bancada ruralista mudou de estratégia e vem fragmentando suas ações, ao invés de brigar pela aprovação da PEC 215, que passa para o Legislativo a decisão sobre a demarcação das terras. Com a atual situação do Esxecutivo, a tomada do poder por essa bancada é muito clara e tais vitórias são um recado. Não irá demorar muito para que nosso trabalho com Saúde Indígena, que foi meio deixado de lado, volte a ser questionado”.

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