POSICIONAMENTO ABRASCO 

Pela revogação dos artigos do decreto presidencial 11.392/2023 que criam o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas

Comunicação Abrasco

A Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva vem por meio desta nota expressar seu repúdio à criação do Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas vinculado à Secretaria Executiva do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

A criação deste Departamento cria um conflito interno na gestão federal, prejudica a implantação de políticas já existentes e ameaça os princípios da reforma psiquiátrica e da defesa dos direitos humanos das pessoas em sofrimento mental, princípios que sustentam a frente ampla que elegeu o presidente Lula.

A existência de um Departamento no Governo Federal de apoio a uma tipologia específica de entidade privada inaugura uma anomalia na política pública. Inverte a relação entre o interesse público e privado, colocando a política pública a serviço de entidades privadas. Chama atenção que o Departamento responde diretamente à Secretaria-Executiva do Ministério. A medida estabelece dentro do próprio Governo Federal um polo concorrente ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS) na gestão das políticas de cuidado e desenvolvimento social para pessoas que usam drogas.

O status de Departamento dá ao “apoio” às comunidades terapêuticas (CTs) a mesma importância na estrutura de governo que o conjunto das políticas de Proteção Social Especializada do SUAS, que incluem todas as ações de CREAS, acolhimento institucional, dentre outras. Da mesma forma, equipara-se na hierarquia da gestão o “apoio” do governo federal às CTs ao conjunto das atribuições do recém-criado Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, que incluem a gestão da Rede de Atenção Psicossocial e tantas outras atribuições. Esse arranjo de gestão significa colocar para dentro do governo o lobby de entidades privadas que concorrem pelos recursos do SUS e do SUAS. Essas entidades, na história de sua relação com o poder público, esquivaram-se e atuaram sistematicamente contra repetidas iniciativas de regulação e adequação às diretrizes políticas e parâmetros técnicos das políticas de Estado no campo da saúde e do desenvolvimento social.

Vale ressaltar que o volumoso investimento financeiro nas comunidades terapêuticas configura também um movimento contrário à expansão e qualificação dos serviços de caráter residencial já existentes no SUS (Unidades de Acolhimento, Serviços Residenciais Terapêuticos) e no SUAS (Repúblicas, Casas Lares, Casas de Passagem), que foram desenhados como políticas de Estado justamente para atender a necessidade de moradia integrada a oferta de cuidado para pessoas em situação de vulnerabilidade e risco, incluindo o decorrente do uso de drogas.

Não por acaso, as comunidades terapêuticas ganharam destaque e cresceram em financiamento justamente durante o período de desmonte do Estado que corresponde aos anos Bolsonaro. O crescimento do financiamento público das CTs, seu lugar de frente no discurso bolsonarista e o acobertamento pelo mesmo governo das violações de direitos humanos repetidamente denunciadas, colocam em risco as conquistas da reforma psiquiátrica e a defesa dos direitos humanos das pessoas em sofrimento mental.

Durante o governo Bolsonaro, as CTs absorveram centenas de milhões de reais em financiamento público, retirados do SUS e do SUAS, fragilizando políticas sociais estruturantes do país. A expansão de sua atuação e a visibilidade social de seu discurso ameaçam o princípio do “Cuidar em Liberdade” defendido pela reforma psiquiátrica brasileira e ressuscitam práticas manicomiais no imaginário da população. As repetidas violações de direitos denunciadas em CTs não só colocam em risco a vida e a dignidade das pessoas em sofrimento mental, como solapam a própria defesa dos direitos humanos como princípio fundante de nossa democracia.

Ao criar o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social vai na contramão do movimento de revogações e reestruturações que o Governo Lula vem fazendo para devolver o país à normalidade democrática, resgatar o papel do Estado nas políticas sociais e garantir os direitos humanos de todas as vidas que existem e importam no Brasil.

A Abrasco posiciona-se pela revogação dos artigos do decreto presidencial 11.392 de 20/01/2023 que criam o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas e defende a revisão completa da política do Governo Federal para essas entidades.

Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 2023
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva

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