O primeiro dia oficial do 5º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão da Saúde (5º PPGS), nesta segunda-feira (4), contou com grandes debates, mesas-redondas, comunicações coordenadas, rodas de conversa e ações culturais. As atividades, das 10h15 às 18h50, movimentaram o Centro de Eventos do Ceará (CEC), em Fortaleza.
Além disso, esta segunda-feira (4) também marcou o início das atividades da “Tenda Paulo Freire” no evento. O espaço, montado na Área de Exposição do CEC, é voltado para o que se pensa e se produz sobre saúde, a partir de sabedorias que vão além do modelo convencional.
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Grande Debate – “Formas de luta pelo SUS na democracia atual”
Na Plenária Preta Tia Simoa, das 10h15 às 12h30, o Grande Debate “Formas de luta pelo SUS na democracia atual” reuniu 1.500 pessoas. A professora adjunta da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) Ana Lesnovski e o sanitarista, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ex-presidente da Abrasco, Gastão Wagner, foram os convidados especiais. A mediação da conversa ficou por conta da presidente do Congresso, Carmem Leitão.
Ana Lesnovski é uma das criadoras do canal Meteoro Brasil, que aborda, com caráter informativo e jornalístico, cultura pop, ciência e filosofia de forma inovadora. A pesquisadora e criadora de conteúdo indicou em sua fala a necessidade de repensar a linguagem e a comunicação diante do atual cenário de desinformação, que atravessa diretamente a saúde – um dos grandes desafios do momento.
“Nós pensamos em duas estratégias – uma que envolve a linguagem e a outra a noção de comunidade. Fazemos um esforço para quebrar a estética tradicional do jornalismo, com algo fora do padrão e comunicação não violenta. Trabalhamos também para construir uma relação de confiança com as pessoas, a partir da subjetividade. Isso nos coloca não numa posição de autoridade, mas numa posição de confiança”, detalhou.
O professor Gastão Wagner deu continuidade ao debate lembrando que o Sistema Único de Saúde (SUS) existe há 34 anos e que o contexto e as formas de luta mudaram. De acordo com o pesquisador, a maioria dos brasileiros experimenta o SUS diariamente e, dessa forma, é preciso abrir um processo de escuta ativa com o usuário do sistema, de forma horizontal.
“O que a gente propõe é muito na linha de Paulo Freire. É aumentar a capacidade de reflexão, de problematização das pessoas sobre sua própria vida, sobre a sua própria saúde, sobre o SUS. Um trabalho clínico ampliado, que considera o ser humano, com escuta, diálogo e que os usuários do sistema falem primeiro. É formação de cidadania”, declarou.
Grande Debate – Decifra-me ou te devoro: a crise climático-ambiental, territórios e povos vulnerabilizados
Na sala MST Ceará, mais de 500 pessoas se reuniram para participar do debate sobre a crise climática e seus impactos nos territórios e nos povos historicamente vulnerabilizados. O debate contou com a participação do Coordenador-Geral de Preparação para as Emergências em Saúde Pública do Ministério da Saúde, Edenilo Filho; da vice-presidente da Abrasco, Liane Righi, especialista em Gestão Municipal e Regional do SUS; e do sociólogo e sanitarista Victor de Jesus. A mediação foi conduzida por Guilherme Franco, da Coordenação de Saúde e Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
No debate, a desigualdade e as iniquidades em saúde foram destacadas como aspectos agravados pela crise climática. Para Edenilo, a crise climática não afeta todos de forma igual. “Nenhuma emergência afeta a população da mesma forma, as pessoas vulnerabilizadas serão as mais atingidas. E isso estamos discutindo em nossos planos de contingência”, afirmou.
Edenilo também apresentou um panorama das ações do Ministério da Saúde durante a tragédia que assolou o sul do país este ano, mencionando o envio de mais de 32 toneladas de insumos e medicamentos para as cidades afetadas pelas enchentes.
Liane Righi, vice-presidente da Abrasco, destacou que, durante crises como a enfrentada pelo Rio Grande do Sul, há uma paralisia da rede local. Ela questionou o que pode ser feito para que o sistema tenha capacidade de responder de maneira diferente. Segundo Liane, a emergência expõe e amplia as vulnerabilidades e fragilidades, mas também revela as características que podem contribuir para o enfrentamento da crise. “Não basta dizer ‘eu planejo’; é preciso incorporar e retomar o conceito de planejamento estratégico, aquilo que se antecipa e organiza previamente. Com isso, surge a pergunta: qual estratégia deixa a equipe mais preparada para as rápidas mudanças que os eventos exigem? Ao discutir temas como crise climática e o enfrentamento de emergências em saúde pública, é essencial reafirmar a importância de lutar pela desprecarização do trabalho em saúde”, declarou.
Com uma fala que mobilizou a plenária, Victor de Jesus abordou o racismo estrutural e ambiental no Brasil, que, para ele, teve início com o processo de colonização. Segundo Victor, a falta de acesso ao saneamento básico começou nos navios tumbeiros. “Essa metáfora de que estamos no mesmo barco apaga as desigualdades que o racismo ambiental impõe às populações vulnerabilizadas”, afirmou.
“Fomos bombardeados de informações e notícias sobre a catástrofe climática que assolou o Rio Grande do Sul, e pouco se falou sobre os povos quilombolas e indígenas que foram afetados. Muito se mencionou esse ‘Sul Branco’, mas existem camadas e grupos sobrepostos que precisam ser considerados. Estamos falando de grupos que, ao invés de ascender socialmente, precisam constantemente se reconstruir do zero”, concluiu.
O pesquisador ressaltou a importância da efetivação dos princípios de Equidade e Universalidade no SUS e da inclusão da saúde ambiental e da interseccionalidade nas agendas de debate e na elaboração de políticas públicas.