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Democracia e Vigilância Sanitária num grande encontro

Maria Cristina Marques apresentou Geraldo Lucchese e Ana Figueiredo, os debatedores do Grande Encontro deste 8º Simbravisa e leu a mensagem da terceira convidada que justificou sua ausência: “Ao preparar minha participação, fui muito mobilizada pelas vidas mutiladas de cidadãos desrespeitados… fiquei repensando as especificidades da VISA, o desmonte do Estado que se redesenha numa feição neofascista onde a vida não vale nada. A vocês todos deste Simbravisa, viva o amor que está acima de tudo, a democracia e a esperança de dias melhores ao nosso país, com saúde igual para todos!” escreveu Ediná Alves Costa.

Confira aqui todas as fotografias deste Grande Encontro.

O Grande Encontro foi pensado pela comissão científica como atividade em que estudiosos das questões de VISA abordassem os determinantes desses “descaminhos” representados por todos os percalços inerentes à ação da VISA, que se encontram também no âmbito das políticas de saúde e no modelo de desenvolvimento que se pretende para o país: “Fizemos um exercício de olhar nossos descaminhos ao longo deste primeiro dia do simpósio, falamos de nossas tragédias sanitárias e nos perguntamos quais caminhos para enfrenta-las”, explicou a moderadora Maria Cristina.

VISA é inclusão

Lucchese apresentou alguns elementos comuns nos 8 problemas apresentados durante toda a manhã (Rede Cegonha; Mutirão de Catarata; Comunicação do Início de Fabricação; Doença de Chagas; Farmácias Magistrais ; Saneantes; Agrotóxicos e Vigiagua): – “Vários de vocês participaram das discussões sobre estes 8 problemas, numa dinâmica não convencional que nos deu mais oportunidades de entendimento. Todos esses problemas são fragmentos de uma essência que os poduzem. A questão da Doença de Chagas e o açaí, por exemplo, não é apenas problema do SUS mas sim de todo o governo, da educação, saneamento, habitação, agricultura, é muito mais complexo e preciamos nos capacitar, nós, trabalhadores e pesquisadores de VISA, para atuar nos problemas mais complexos. A saúde é uma mistura de conhecimento científico com ação política, e considero política todos os nossos atos”, disse Geraldo.

O pesquisador, que é integrante do Grupo Temático Vigilância Sanitária da Abrasco, chamou atenção para o acirramento, entre os trabalhadores e gestores da vigilância sanitária, do debate em torno de temas como a preservação das culinárias regionais; a manipulação de medicamentos (que já resultou em mortes aqui em Minas Gerais) e ainda a pulverização aérea de agrotóxicos: – “O modelo produtivo de alimentos, que é hegemônico no Brasil, é um modelo que derrama chuva de agrotóxicos em escolas e faço a vocês duas perguntas – como existe uma escola tão perto de lavoura e como existe lavoura tão perto de escola? Já o modelo de farmácia magistral no Brasil cresce a cada dia pois oferece acesso a medicamento com preços mais módicos que os preços industrializados nas farmácias. Como nosso objetivo é proteger a saúde, pergunto: se vamos proteger os mais vulneráveis primeiro, deveria ser prioridade da VISA entender este modelo, que já não é magistral pois já produzem em lotes, e saber, ele terá mesmo benefícios para a população?” questiona.

Lucchese finalizou com um chamado: – “A determinação de todos esses problemas é mais estrutural, é alguma coisa que está na essência da nossa sociedade e nos deixa limitados, decepcionados e inconformados porque não conseguimos atuar com mais eficiência. Quero encaminhar uma travessia, devemos penetrar mais na essência desses problemas. Falemos mais de política, mas não esta que nos tem dividido as famílias, estou falando de outra política, aquela que nos aperfeiçoa para termos respostas mais totais. Não aceitem respostas simples para problemas complexos, é preciso observar a miséria, a desesperança. Como a democracia (ou a falta dela) afeta o cotidiano da VISA? Sem democracia
os critérios de alocação de recursos públicos beneficiam os que menos precisam, não contemplando a diversidade e a desigualdade e então muito dificilmente reduziremos as condições que geram doenças, danos e fraudes. Só o ambiente democrático permite espaço para pensar a diversidade, a desigualdade, a formulação de políticas com participação de todos, VISA precisa ser inclusão”.

Agora vejo melhor, como Miguilim

A sanitarista Ana Maria Figueiredo começou sua fala com Guimarães Rosa: – “Preciso ler esse trecho do livro Corpo de baile para vocês, antes de começar minha comunicação: Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessôas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de um distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo… O senhor tinha retirado dele os óculos, e Miguilim ainda apontava, falava, contava tudo como era, como tinha visto. Mãe estava assim assustada; mas o senhor dizia que aquilo era do modo mesmo, só que Miguilim também carecia de usar óculos (…) O doutor entendeu e achou graça. Tirou os óculos, pôs na cara de Miguilim. E Miguilim olhou para todos, com tanta força. Saiu lá fora. Olhou os matos escuros de cima do morro, aqui em casa, a cerca de feijão-bravo e são-caetano; o céu, o curral, o quintal; os olhos redondos e os vidros altos da manhã. Olhou mais longe, o gado pastando perto do brejo, florido de são-josés, como um algodão. O verde dos buritis, na primeira vereda. O Mutum era bonito! Agora ele sabia. Como Miguilim com os óculos por empréstimo do doutor, eu com os óculos trazidos ou traduzidos nas palavras de vocês ao longo de todo o dia de hoje, o dia do descaminho, pelas conversas, pelas reflexões, nas ponderações, nas afirmações, advindas pela provocação ou a propósito dos 8 “descaminhos” consigo agora vê-los melhor, os vejo de perto, os reconheço pelo nosso mais importante legado comum, da Saúde Pública brasileira, resistentes e resilientes. E outra vez como Miguilim, busco olhar para todos com força e na busca de vê-los de longe” disse Ana, emocionada.

Ana pediu aos participantes que imaginassem a vigilância sanitária como uma cachoeira, correndo no fluxo de um barranco no chão do SUS: – “A água se caindo por ele, encantando a paisagem, as cachoeiras das vigilâncias sanitárias em cada uma das regiões de saúde no percurso longo de nosso SUS, protegia a saúde das pessoas e elas compreendiam que não se pode consumir toda a água, ou poluí-la, ou desfazer o barranco e retificar tudo, porque no reto, na naturalização dos riscos, na banalização da vida, não há fluxo. Não há movimento, a vida pode até parar”

Depois de ter criado esta imagem, que explicou também ter tirado do ideário roseano, Ana traduziu a tecnologia do streaming, que envia informações através da transferência de dados, e que em inglês, a palavra significa córrego ou riacho: – “Será que ainda precisamos de sistema, ou poderíamos pensar em processos de comunicação tipo streaming de outras formas? De cima pra baixo não está rolando o fluxo para o sistema nacional de vigilância sanitária. E se o pensássemos de baixo para cima, das regiões irradiando aos municípios, irrigando os Estados e estes “confederando” um âmbito nacional. O governo federal quer acabar com as políticas públicas de proteção, a resistência talvez possa ser empurrando pra cima ao em vez de tentar segurar pelo alto. As gentes das direções da Anvisa e do Ministério da Saúde pouca interação quiseram com este Simbravisa… As gentes trabalhadores de saúde pública, e das vigilâncias sanitárias, também podem ser agentes para resistir”, finalizou, ouvindo fortes aplausos de um auditório todo em pé.

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