O óleo ainda se espalha pelas praias do litoral nordestino, e pesquisadores da saúde continuam em estado de alerta: o petróleo pode causar intoxicação aguda nas pessoas que contactarem a substância – seja por ingestão, inalação ou absorção da pele. O portal Drauzio Varella repercutiu a nota dos docentes do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da Bahia (PPGSAT/UFBA), assinada pela Abrasco, que solicita declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública no país.
Mônica Angelim – professora do PPGSAT e coordenadora do Fórum de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Abrasco – afirmou que o intuito do alarme não é gerar pânico, e sim “alinhar ações e fornecer informações fidedignas para a população que frequenta as praias e depende da pesca para viver”. Lia Giraldo, do GT Saúde e Ambiente da Abrasco, é pioneira nos estudos sobre benzeno, um dos componentes do petróleo, e também foi entrevistada pelo portal: “O benzeno pode causar problemas agudos, subagudos e crônicos em pessoas expostas à substância. Não há limite seguro de exposição”, declarou. Leia trechos da matéria, abaixo:
O vazamento de óleo que atingiu mais de 260 praias do Nordeste brasileiro em 30/08/2019 causa preocupação não apenas em ambientalistas, mas também em pesquisadores da área da saúde. Isso porque o petróleo cru que chegou a mais de 90 municípios nordestinos é composto de produtos químicos que podem causar danos à saúde no curto e no longo prazo.
Muitos voluntários se expuseram ao óleo, que pode ocasionar sintomas de intoxicação aguda, como náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, dor de cabeça, distúrbios de visão, problemas respiratórios e na pele. Mulheres grávidas ainda têm risco de abortamento e de má-formação fetal, portanto, devem ficar longe do óleo. Em longo prazo, os componentes químicos do petróleo podem provocar leucemia e câncer de pulmão, entre outros.
O derramamento de óleo foi o maior desastre ambiental ocorrido em litoral brasileiro em termos de extensão, segundo o Ministério Público Federal (MPF). O órgão entrou, em 18/10/2019, com uma ação contra a União por omissão no desastre ambiental, solicitando que seja colocado em ação o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC).
O Plano, assinado em 22/10/2013 pela então presidente Dilma Rousseff, estabelece que, diante de acidente com óleo de procedência desconhecida, o governo federal instale um gabinete de crise imediatamente, para organizar a atuação coordenada de órgãos, minimizando possíveis danos ambientais e de saúde pública. Além do MPF, pesquisadores também afirmam que houve demora na resposta do Governo, o que deixou a população vulnerável aos efeitos nocivos do óleo.
A médica e pesquisadora aposentada da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Lia Giraldo, especialista em toxicologia ambiental, estuda os efeitos tóxicos do benzeno, substância presente no petróleo, e se diz muito preocupada com os resultados que a exposição ao petróleo pode trazer à população. “O benzeno pode causar problemas agudos, subagudos e crônicos em pessoas expostas à substância. Não há limite seguro de exposição.”
De fato, o óleo, como explica a presidente do Conselho Regional de Química de Pernambuco (PE) Sheylane Luz, é formado por uma mistura complexa de hidrocarbonetos que agrupa principalmente os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, conhecidos como HPAs, como benzeno, xileno, tolueno, entre outros. Essas substâncias podem causar toxicidade em curto e longo prazo. “Pessoas expostas aos HPAs precisam de acompanhamento por um longo período de tempo, tanto as que entraram em contato direto com a substância quanto as que a inalaram”, ressalta Luz.
A presidente do CRQ de Pernambuco alerta, ainda, para o risco de contaminação do solo: “O mar tem enorme capacidade de renovação graças à maré, mas a areia, a fauna e a flora marinhas precisam de atenção, pois os HPAs podem se acumular no solo. Quando molhamos a areia ela absorve a água, certo? Pois ela faz a mesma coisa com o óleo”, alerta Luz.
Estado de Emergência em Saúde Pública
O Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho (PPGSAT) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) pediu, em 23/10/2019, que seja declarado estado de emergência em saúde pública para controle dos riscos decorrentes da contaminação da região.
O Laboratório de Saúde, Ambiente e Trabalho (Lasat) do Instituto Aggeu Magalhães (IAM), entidade ligada à Fiocruz de Pernambuco, também lançou, no dia 27/10/2019, uma carta aberta solicitando que o governo declare estado de emergência.
De acordo com a carta assinada pelo PPGSAT/UFBA e pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), milhões de pessoas frequentam as praias e consomem pescados e outras milhares (incluindo gestantes e crianças) se ocupam da pesca, em longas jornadas de trabalho, sem proteção individual. É preciso oferecer “equipamentos de proteção individual e acesso aos serviços de saúde para realizar exames periódicos quando há exposição crônica aos agentes químicos”, além de auxílio econômico, destaca o documento.
“São pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social, que correm risco de intoxicação aguda diante de um desastre inédito no país”, diz Mônica Angelim Gomes de Lima, professora de saúde pública do PPGSAT-UBA. Para a professora, se fosse declarado estado de emergência em saúde pública o governo priorizaria recursos e apoio aos governos municipais e estaduais. “Nosso intuito não é gerar pânico, mas alinhar ações e fornecer informações fidedignas para a população que frequenta as praias e depende da pesca para viver.
A entidade alerta para o perigo que fauna e flora marinhas e a população costeira, incluindo pescadores, marisqueiras, banhistas, trabalhadores das praias, turistas e consumidores de frutos do mar correm diante da exposição aos solventes aromáticos e alifáticos presentes no óleo bruto de petróleo.
A carta assinada pelo Lasat solicita, também, que sejam tomadas medidas de manuseamento e armazenamento do material retirado da água, que além de tóxico é inflamável.
De acordo com a dra. Giraldo, os efeitos da intoxicação crônica, c, que podem ocorrer com a exposição aos HPAs, são mais difíceis de identificar e levam muito tempo para manifestar sintomas clínicos. Por isso, pessoas expostas têm de ser acompanhadas durante anos. “É importante acompanhar não apenas as pessoas expostas, como voluntários e trabalhadores, mas também a fauna e a flora marinhas das regiões afetadas, pois toda a cadeia alimentar pode estar contaminada”, alerta a médica.
O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cabes) também fez nota na mesma linha, pedindo “a adoção de todas medidas possíveis para evitar danos futuros na saúde e no meio ambiente”, incluindo a declaração de emergência em saúde pública.