Em reportagem da revista Galileu, índices acerca do adoecimento e óbitos causados pela Covid-19 no Brasil e nos Estados Unidos deixam evidente como o racismo estrutural é preponderante para o agravamento de casos e óbitos. As diferenças de mortalidade entre a população negra e branca, mostra que apesar de o vírus não fazer escolhas na hora de infectar, as ações de prevenção, saneamento e o atendimento dos serviços de saúde são fatores que colocam em risco a população negra, que, no Brasil, é tamém 75% da população pobre. O coordenador do Grupo Temático racismo e Saúde da Abrasco, professor Luís Eduardo Batista, participou da matéria e afirmou: “Entendemos que o racismo está estruturado na nossa sociedade, e por isso impacta a vida de todos de diferentes formas. Ele interfere no acesso aos serviços, na qualidade e até nas relações do usuário com o profissional”.
A demora do Ministério da Saúde em colocar o ítem sobre cor, gênero e bairros das pessoas com Covid-19 também prejudicou uma análise inicial sobre tal desigualdade e se deu graças à pressão da Coalizão Negra por Direitos. “A quantidade de notificação sem informação de cor só reforça o racismo institucional, que invisibiliza os negros”, diz a médica Rita Helena Espirito Santo Borret, coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) de Saúde da População Negra da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
Os dados mostram que há uma morte para cada três brasileiros negros hospitalizados por Covid-19, enquanto entre brancos a proporção é de uma morte a cada 4,4 internações. Em São Paulo, cidade com o maior número de casos, bairros com maior concentração de negros têm mais óbitos pela doença. Dos dez com o maior número absoluto de mortes por coronavírus, oito têm mais negros que a média municipal.
Nos Estados Unidos, o quadro é ainda mais perverso. Embora 18% da população do país seja negra, 52% dos casos e 58% das mortes por Covid-19 são de pacientes negros, segundo um relatório da amfAR publicado no início de maio. Em estados como Geórgia, Louisiana e Alabama, as disparidades são ainda maiores, conforme mostra o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC): na Geórgia, 83% dos internados são negros, que correspondem a 32% da população; em Louisiana, estado com 33% da população negra, as mortes afroamericanas equivalem a 70%; e, no Alabama, a proporção de mortes é de 44% em uma população de 26%.
Necropolítica
Mesmo com a predisposição às comorbidades, os principais fatores que deixam a população negra mais vulnerável ao novo coronavírus são sociais. “A população negra tem menos acesso a saneamento, vive mais concentrada, com mais trabalho informal ou desemprego”, diz Borret. “Falam ‘lave as mãos’, mas não tem saneamento básico e água encanada. Falam ‘vamos fazer isolamento’, mas que isolamento social é esse, se porteiros e cozinheiras continuam tendo que trabalhar?”, aponta Luis Eduardo.
A questão do acesso à saúde somente ao s que têm condições de pagar é um dos pontos abordados nesse debate e que configura a necropolítico nesse campo, numa situação em que a morte de determinados grupos sociais é autorizado. Batista aponta: “Para algumas pessoas, está tudo certo este pacto social que temos de que muitos vão morrer, mas estes muitos não serão os meus, porque minha família está aqui protegida”.
A história se repete
Tal realidade, entretanto, não é algo novo em situações de emergência. Pesquisas apontam que nas epidemias de pestes que assolaram a Europa nos séculos XIV e depois no XVI as desigualdades sociais e econômicas desenharam o rumo da pandemia. Quando a peste retornou em sua segunda onda nos século XVI, a classes ricas conseguiram se precaver com medidas que as protegeram, enquanto os mais pobres continuaram a morrer.
Um olhar atento às demais doenças infecciosas que assolam o país também traz algumas constatações, como aponta Borret “Se olhar para todas as doenças infecciosas que não conseguimos erradicar no nosso país, como tuberculose e hanseníase, elas são mais frequentes entre a população preta e pobre”. Ela ainda ainda afirma a razão para que as coisas se desenvolvam assim: “Porque a população que tem dinheiro e acesso consegue achar meios para diminuir a contaminação entre si, e aí isola o agente infeccioso entre a população que está autorizada a morrer. Isso, que está acontecendo agora com o coronavírus e pode ser que aconteça de novo mais para frente, não é nada novo, é o caminho natural que as doenças infecciosas seguem no nosso país.”.