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Desmonte das políticas públicas em debate no Abrascão 2018

Cobertura Colaborativa Abrascão 2018

Na manhã do sábado que antecedeu o encerramento do 12º Abrascão, três mulheres de formações e trajetórias distintas levaram ao delírio um auditório superlotado. Tereza Campello, economista, assessora da Fiocruz Brasília e ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Jurema Werneck, médica e diretora da Anistia Internacional no Brasil, e Ana Maria Costa, médica e integrante da diretoria do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde), foram muitas vezes interrompidas por aplausos entusiasmados.

O título da mesa dava mostras do teor acalorado das falas: “Desmonte das políticas de igualdade e estratégias de resistência: implicações para a ação política”.

Tereza Campello apresentou uma série de estudos segundo os quais as políticas públicas implementadas no país a partir de 2003 trouxeram diversos avanços sociais e econômicos para o Brasil. Como exemplo, ela citou o aumento da renda (especialmente entre os mais pobres), do acesso a bens de consumo e serviços (como a água) e avanços nos anos de estudos – também mais significativos entre os mais pobres e os negros

Ela fez questão de enfatizar que, ao contrário do que algumas pessoas destacam, esses avanços não se deram em detrimento das classes média e alta. “Pelo contrário: todos tiveram aumentos, mas os avanços mais significativos se deram para aqueles mais necessitados”, disse a expositora.

A desigualdade, tema central de sua fala, é um fenômeno não apenas social, mas político, disse a pesquisadora. Por isso, não se pode prescindir de investimentos em políticas sociais.  De acordo com ela, quando as pessoas têm mais condições de acesso a bens e serviços, consequentemente fazem com que a economia do país também avance. Tereza refutou a corrente de pensamento segundo a qual a desigualdade é um motor do desenvolvimento econômico. “A desigualdade esgarça o tecido social e o tecido econômico, e impede a sociedade de avançar”, disse.

A discussão sobre o tema, segundo ela, é fundamental porque, de acordo com estudos do pesquisador francês Thomas Piketty, a desigualdade no mundo nunca foi tão grande quanto agora, em especial a partir dos anos 90. Por isso, é importante “discutir o conceito para além da questão da justiça social, mas também do desenvolvimento econômico e de saúde da população.”

A batalha que se impõe para o Brasil, de acordo com Tereza, é de como não se interromper o processo de implementação de políticas sociais no país. “Sem estado, não se consegue superar o nível de desigualdade no Brasil. E se os  pobre têm direitos, alguém tem dever, e o dever é do estado”, disse a pesquisadora, concluindo que é preciso discutir quanto custa não se investir no social.

Resistência negra

Muito aplaudida mesmo antes de iniciar sua fala, a médica Jurema Werneck, diretora da anistia internacional no Brasil, percorreu seu tempo de fala discorrendo sobre as injustiças sociais presentes no Brasil e a importante contribuição dos movimentos negros para inúmeras conquistas sociais no país, dentre elas, o próprio Sistema Único de Saúde (SUS). “As populações negras, negligenciadas pelos sistemas de saúde, precisaram se organizar e criar seus próprios sistemas de saúde, reunindo suas práticas e saberes”.

Jurema enumerou os passos dos movimentos negros ao longo da história. De acordo com ela, se os primeiros movimentos de resistência negra buscavam promover a inclusão social, o passo seguinte (entre as décadas de 30 a 50) foi lutar por emprego, renda, organização politica e educação.

Jurema alertou para o contexto ainda fortemente racista que impera no Brasil, um país que, de acordo com ela, lidera os assassinatos de mulheres trans (de maioria negra), com 60 mil homicídios por ano. “O México, que aparece em segundo lugar, tem um terço desse número”, disse a pesquisadora.

Ana Maria Costa enfatizou que o movimento de desmonte das politicas públicas em vigor neste momento está focado na manutenção dos privilégios da elite nacional, que segundo ela, “é associada à cultura escravagista e de exploração do trabalho”.

De acordo com ela, embora a Constituição Federal tenha se direcionado a um estado bem-estar social, isso até o momento não se concretizou, e o sub-financiamento para a área da saúde boicota a consolidação do SUS. Disse que o sistema de saúde, que deveria ser único, na verdade não o é, especialmente porque o sistema privado, que deveria ser complementar, é na verdade suplementar. Assim, o Brasil esbarra nos interesses do mercado, “que rompem com bandeiras da reforma sanitária, como a da não mercantilização da saúde”, alertou a pesquisadora.

O acirramento das desigualdades sociais e da retração das políticas sociais, segundo Ana Maria, estão postas como realidade concreta. Por isso, alertou para a importância de se recuperar a saúde como direito social. Também chamou a atenção para as limitações da Emenda Constitucional 95 (que limita por 20 anos os investimentos públicos), que, de acordo com ela, apresenta marcas graves como a brusca redução das equipes de saúde da família, queda de indicadores importantes e de programas de vacinação consolidados até então.

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