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Desmonte do SUS ganha espaço nas páginas do The Lancet

Bruno C. Dias com informações do The Lancet

Arte: Abrasco

A atual edição (Volume 388, No. 10047, p.867–868, com data de 27 de agosto de 2016) do The Lancet, periódico científico de maior prestígio na comunidade científica das ciências da saúde em todo o mundo, traz em sua seção Correspondence um quadro bem resumido do cenário da saúde pública brasileira dos últimos quatro meses. No artigo Austerity threatens universal health coverage in Brazil, os autores apontam os artifícios e as medidas implementadas e propostas por Ricardo Barros, deputado federal posto à frente do Ministério da Saúde pelo governo interino de Michel Temer, para acabar com o pilar constitucional da universalidade do sistema público de saúde brasileiro.

Em seu primeiro parágrafo, o texto recupera o DNA do atual momento vivido, expresso nas propostas  privatistas já conhecidas pelo setor saúde e que foram maquiadas no documento Ponte para o Futuro, como a criação de mecanismos para ampliar a participação privada, formatada na proposta dos planos ‘populares’, e o corte drástico nas rubricas institucionais, já aprovadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2017 com possibilidade de ampliação por mais 20 anos caso seja aprovada a PEC 241. “O corte na folha de pessoal entre os principais executivos do Departamento Nacional de Auditoria Interna do Sistema Único de Saúde (DENASUS), responsáveis pela monitorização e avaliação do SUS, também sugerem tentativas do governo para desregulamentar e diminuir o papel dos cuidados de saúde pública”, traz a correspondência, que depois ainda cita as tentativas de Barros em esvaziar o Programa Mais Médicos.

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Ao final, o artigo aponta que as medidas neoliberais de Barros e Temer têm aprovação do Congresso Nacional, e que é iminente o impeachment de Dilma Rousseff, o que pode derrubar por terra os avanços sociais conquistados no setor saúde na última década. No entanto, acredita que as manifestações populares dos meses de junho e julho ainda podem influenciar o quadro político. Análises e formulações de James Macinko, David Stuckler e de documentos do Ministério da Saúde fundamentam o texto, de autoria de Katarzyna Doniece, Lawrence King, ambos do departamento de sociologia da University of Cambridge, e de Rafael Dall’Alba, da Rede Governo Colaborativo em Saúde, vinculado à secretaria estadual de saúde do Rio Grande do Sul. Leia abaixo uma versão livremente traduzida ou clique e leia no original.

Austeridade ameaça a cobertura universal no Brasil

Michael Temer, o novo presidente interino do Brasil, do Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), agremiação de centro-direita, lançou uma agenda de medidas de austeridade para estimular o crescimento econômico. No manifesto batizado Uma Ponte Para Futuro, ele anunciou planos para reduzir gastos públicos, incluindo o setor da educação e da saúde. O orçamento mínimo garantido pela Constituição (3,8% do produto interno bruto, no momento) seria abolido. O novo ministro da Saúde, Ricardo Barros, revelou planos para acabar com a monitorização da qualidade dos cuidados de saúde privada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), incentivando os cidadãos brasileiros a procurar serviços de saúde privada em vez de contar com o sistema nacional de Saúde (o SUS). O corte na folha de pessoal de funcionários do Departamento Nacional de Auditoria Interna do Sistema Único de Saúde (DENASUS), responsáveis pela monitorização e avaliação do SUS, também sugerem tentativas do governo para desregulamentar e diminuir o papel dos cuidados de saúde pública.

Além disso, Barros anunciou em 21 de julho, 2016, uma redução da participação dos profissionais estrangeiros no Programa Mais Médicos, introduzido em 2013 pelo governo de Dilma Rousseff em resposta aos protestos realizados em todo o país por pessoas exigindo um melhor acesso aos cuidados em saúde. A participação de médicos estrangeiros no Brasil, principalmente de médicos cubanos, beneficiou os 63 milhões de brasileiros que vivem em áreas remotas e vulneráveis e que anteriormente sofriam com a escassez de profissionais de saúde. Em um país onde cerca de 80% da população depende exclusivamente do SUS, tais políticas pode causar consequências negativas generalizadas. Em meio a grave crise econômica, com a taxa de desemprego de mais de 11% e o produto interno bruto ter caído 5,4% em relação ao ano anterior, mais pessoas serão incapazes de pagar os cuidados de saúde privados e maior será o número de dependentes do cada vez mais estressado sistema público. Como resultado, as grandes realizações dos últimos 10 anos (aumento da cobertura dos cuidados de saúde universal, redução da mortalidade infantil e redução da mortalidade por doenças crônicas) são susceptíveis de serem revertidas.

A maioria dos membros do Congresso apoiou o impeachment da presidente Rousseff, de modo que as políticas neoliberais do governo interino poderão ser aprovadas. A ressurreição prevista da economia por meio de austeridade vai trazer desastres de saúde pública em alguns ou todos os aspectos acima mencionados. Os efeitos das recessões dependem principalmente da resposta dos políticos aos recentes indicadores. No entanto, protestos realizados em junho e julho de 2016 em defesa dos cuidados de saúde universal têm a capacidade de influenciar as políticas do governo.

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