É comum que se associe o 2 de janeiro a Oswaldo Cruz, confundindo a data com o seu nascimento. Mas o dia do sanitarista marca uma conquista que neste 2020 celebra cem anos e foi fruto da militância de outro famoso sanitarista, como nos relembra Paulo Capel Narvai em artigo publicado originalmente pela Abrasco no ano de 2018.
Motivada por articulações lideradas por Carlos Chagas, a Câmara dos Deputados aprovou em 2 de janeiro de 1920 a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), subordinado ao então Ministério da Justiça e Negócios Interiores por meio do Decreto Legislativo nº 3.987. Ou seja, faz 100 anos que o Brasil republicano instituiu oficialmente sua primeira estrutura de planejamento em Saúde Pública.
Profissional inter, multi, poli-valente: Mas quem é o profissional sanitarista? O vice-presidente José Ivo Pedrosa é certeiro na definição. “Sanitarista é o profissional de saúde com formação interprofissional, interdisciplinar que desenvolve capacidade de gerenciar recursos e processos institucionais, comunitários e individuais para a produção de saúde nos territórios”.
Na opinião de Marília Louvison, dirigente da Abrasco e da Associação Paulista de Saúde Pública (APSP), passado e presente devem caminhar lado a lado nesta celebração. “Parabéns para nós sanitaristas, de todos os lugares, de todas as profissões, especialistas, pós-graduados e bacharéis em saúde coletiva e saúde pública. Parabéns a todos que nos sentimos sanitaristas porque abraçamos esse fazer como história e como vida, e que, desde Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, contribuímos para a melhoria das condições de vida e saúde para todas e todos os brasileiros”.
Já para Rosana Onocko Campos, também vice-presidente da Abrasco, o dia do sanitarista serve para lembrar que o principal desafio desse profissional deve ser a defesa radical da vida e da dignidade. “A saúde encontra-se cada vez mais vinculada às questões urbanas, ao combate à violência e ao cuidado com as questões climáticas e ambientais e na luta contra as desigualdades. Toda política de saúde e suas estratégias assistências deveriam ser sinérgicas com essas agendas”.
Integrante do Conselho Consultivo da Abrasco, pesquisadora da ENSP/Fiocruz e vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira Machado ressalta a valorização do legado dos precursores da saúde pública, dos lutadores da Saúde Coletiva e do Sistema Único de Saúde (SUS) nas últimas décadas, e o papel dos jovens sanitaristas.
“Eles formaram-se ou estão se formando na graduação e na pós-graduação em um período adverso para o SUS, questionando-se cotidianamente sobre seus desafios e contradições. A mensagem é de esperança e de persistência, porque defender o direito à saúde e trabalhar todos os dias pelo fortalecimento dos sistemas públicos de saúde como condição para a efetivação desse direito é parte da luta por uma sociedade mais democrática e igualitária”
E o que pensam alguns desses jovens? Allan Gomes de Lorena é sanitarista da primeira turma de graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), especialista em gestão de redes de atenção à saúde pela Fiocruz e mestrando em saúde coletiva na Faculdade de Medicina da USP. . Para ele, que já refletiu sobre o tema no livro “Uma ou Várias? Identidades para o Sanitarista”, o sanitarista do século XXI deve ser um profissional com olhar múltiplo e saber lidar com as questões políticas da saúde e da vida, cada vez mais tensionadas pelas engrenagens ideológicas do capitalismo em sua forma neoliberal.
“O sanitarista é um profissional da saúde essencialmente político no que tange as tensões sobre o individual/coletivo; o biológico/social; o público/privado. Em particular, a tensão sobre o que é público ou privado é típica do neoliberalismo, que coloca os sujeitos como empreendedores da sua própria saúde como um “bem” precioso, forjando práticas individualizantes. Cabe a nós como sanitaristas disputarmos para o campo da saúde coletiva outras compreensões sobre o fenômeno saúde, abrindo novas possibilidades de intervenção”.
Também formado bacharel em Saúde Pública pela FSP/USP e atualmente trabalhando na Secretaria Municipal de Saúde de Santo André, Marcos Dompieri acredita que ser sanitarista é uma tarefa complexa, sendo uma atividade cada vez mais além de uma visão técnica de análise dos indicadores de saúde. Nessa perspectiva, busca alinhar a formação e conhecimento adquiridos e transmiti-los por meio de plataformas digitais. Foi ele quem fez a arte que ilustra e adorna o avatar da Abrasco nesta matéria (acesse e utilize na foto das suas mídias sociais clicando aqui), e produz com demais colegas o podcast AvanSUS.
“Para que a ação seja eficaz é necessário conversar, orientar e ajudar na conscientização da população, explicando assuntos que ultrapassam as questões de saúde, como a garantia de direitos, a importância do SUS, como e porquê devemos lutar para garantir, melhorar e ampliar um sistema público que cada vez mais corre sofre com a má gestão de nossos governantes”.
A luta pela maior política social brasileira segue movendo esses jovens não apenas nos bancos das faculdades e no dia a dia dos serviços, como também em fóruns maiores do que a saúde coletiva, como faz Manu Matias. Ela é doutoranda pelo Instituto de Medicina Social (IMS/Uerj), vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e Conselheira Nacional de Saúde.
“Nosso principal desafio hoje como sanitaristas do século XXI segue sendo afirmar o SUS – universal, público, de qualidade e com financiamento adequado, uma política de estado viável e exitosa. É urgente o esforço de renovar nossas lutas, abrir caminho para as próximas gerações para que o SUS se torne uma bandeira de todas e todos” diz exultante.
Com essa mesma alegria que a presidente da Abrasco convida as novas gerações a se somarem na construção de um saber e prática profissionais que unam as duas pontas dessa história. “Não é simples a opção de ser sanitarista, mas com certeza vale a pena. Para os jovens que hoje se questionam, convido-os a conhecer um pouco a nossa história e as nossas conquistas. Foi a coragem e determinação de grandes sanitaristas como Ernani Braga, Frederico Simões Barbosa, Guilherme Rodrigues da Silva – os primeiros a assumir a primeira diretoria da Abrasco, além da dedicação de muitos outros colegas – que fizeram o campo da saúde coletiva no Brasil seja reconhecido e valorizado”, diz Gulnar Azevedo e Silva, completando a saudação com votos que sintetizam os desejos do conjunto da diretoria da Associação.
“Nesse dia tão especial, nosso sincero agradecimento a todas e todos que dedicam e dedicaram a vida profissional à saúde pública e que puderam, com a força de seu trabalho, construir coletivamente o SUS e o campo da saúde coletiva no Brasil. Em 2020 a Abrasco continuará, com a firme determinação de sempre, na defesa do direito universal à saúde! Viva os e as sanitaristas!”