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DIA DA MULHER – HOMENAGEM ABRASCO. Entrevista Ana Costa

Ana Maria Costa 'Os serviços de saúde segmentam as demandas de acordo com uma lógica que não é a das usuárias'

ABRASCO: A política de saúde da mulher, atualmente, pode ser assim chamada ou está fragmentada em programas, ações e planos para públicos específicos dentro do universo feminino?

ANA COSTA – Apesar da Politica Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres –PNAISM estar presente na retórica dos gestores do SUS na prática o que se observa é uma fragmentação de ações dispostas e em outros programas ou estratégias especificas com pactuações e recursos apartados. Isso não favorece as mulheres como pessoas inteiras, inseridas em contextos sociais e com necessidades complexas. Elas chegam aos serviços com todo tipo de necessidades… e nós a fragmentamos. Os serviços repetem o modo de operar a gestão, segmentando as demandas de acordo a uma logica que não é a das usuárias.
A integralidade nessa perspectiva é um grande desafio, uma revolução nas culturas institucionais do SUS por um modo de operar matricial, convergente e sem os nichos de poder que são tão confortáveis às instituições e aos servidores e dirigentes.
As Redes de Atenção à Saúde tem potencial de provocar esta convergência por que esta baseada na população e no território. Mas já foram fragmentadas em redes de patologia ou problema sanitário.
Este problema não é simples, pois consta de uma cultura hegemônica que envolve dentre outras, as questões ligadas à formação dos profissionais, a produção do conhecimento e ao trabalho em saúde.

ABRASCO: Quais são as principais demandas das mulheres dentro do Sistema Único de Saúde e do setor privado hoje? As necessidades são homogêneas em todo o território nacional?

ANA COSTA: Os problemas de saúde das mulheres, independente se elas são usuárias do SUS ou de planos privados de saúde são os mesmos, guardadas as desigualdades relacionadas à condição econômica e de classe social, que interferem na determinação social da saúde. O nível de saúde nas diversas regiões e sub regiões geográficas espelham desigualdades de acesso aos serviços de saúde e de condições de vida. Há um conjunto de velhas demandas das mulheres envolvendo as doenças crônico-degenerativas, a reprodução, a saúde mental, os problemas decorrentes da inserção das mulheres no mundo do trabalho, etc. Cada um desses problemas sanitários deverão ser analisados a partir das especificidades dos distintos grupos de mulheres: classe social, etnia e cor, orientação sexual, local de moradia, etc. Tudo de forma a capturar as necessidades e organizar serviços condizentes.
O setor saúde não dá conta sozinho de por meio de ação isolada impactar problemas complexos como é o caso das violências contra as mulheres. Por isso, é fundamental que todos os setores de políticas sociais se juntem em ação intersetorial.
É importante chamar atenção sobre os problemas relacionados à atenção à saúde das mulheres nos planos privados. A aquisição destes planos, particularmente os de baixo custo, não garante acesso e nem qualidade da atenção. As iniciativas recentes do órgão regulador em punir prestadoras poderão ter efeitos positivos, mas são ineficientes para romper o problema básico da abdicação do direito à saúde que emerge da busca por planos. Por diversas razoes e interesses, o SUS tem tido dificuldades de se instituir como um sistema universal de confiança de todos, mesmo que seus serviços e logicas de operar sejam muito melhores e aproximados aos princípios éticos necessários à saúde. Prevalece um valor social de desqualificação do sistema publico.
O conjunto dos que defendem o SUS precisa considerar isto e os governos precisam investir não apenas mais recursos, mas, especialmente, decisões e estratégias concretas para a garantia do direito à saúde pública.


ABRASCO: As ações governamentais dão conta de enfrentar os principais problemas relacionados à saúde da mulher no Brasil?

ANA COSTA: As prioridades atuais do governo para a saúde das mulheres são os assuntos reprodutivos vinculados à Rede Cegonha . É certo que, tensionados pelos movimentos feministas e acadêmicos, o governo cedeu e ampliou o que antes era um cardápio restrito de cuidados estritamente maternos. Acrescentou a atenção aos casos legais de abortamento e as violências contra mulheres. Mas estas ações não eram novas, elas já vinham sendo implementadas nos governos anteriores, talvez até com maior ênfase.
De qualquer sobre, o sentido da integralidade na saúde da mulher está esvaziado e isso precisa ser recuperado. Este conceito que o Brasil desenvolveu é muito importante e não pode ser abandonado aos lamentos. A integralidade é complexa, mas factível.

ABRASCO: Como avançar? A questão do financiamento é fundamental?

ANA COSTA:  Para avançar rumo às melhorias e integralidade da saúde das mulheres é imprescindível o fortalecimento do SUS, com mais financiamento público para a sua consolidação como sistema universal. Mas tudo isso é imprescindível, mas não será suficiente. É preciso mudar a cultura, retomar as bases éticas, políticas e de organização de serviços contidas na politica de atenção integral traduzindo esta política para a rede de serviços de forma a provocar de fato uma mudança na atenção e no cuidados das mulheres.
É preciso decisão, qualificar as equipes responsáveis por esta área, desobstruir os nichos de poder e de verticalismo das instituições do SUS e inverter as lógicas operacionais, a partir do reconhecimento das necessidades das usuárias dos serviços.

ABRASCO: Quais são os passos a serem dados pelo governo para ampliar e promover a saúde da mulher de forma mais abrangente e que dê conta da realidade nacional atual?

ANA COSTA: O governo tem o seu legitimo estilo e, naturalmente, definiu seus passos. Particularmente, vejo com apreensão a escolha dos caminhos adotados. Entretanto, no momento, o governo iniciou um debate com a sociedade para a revisão da politica de saúde para as mulheres. Esse passo deveria ser mais acelerado, pois já foram cumpridos mais da metade do tempo de gestão. As mudanças não podem esperar mais. As mulheres precisam e reclamam e esperamos sensibilidade dos dirigentes. Para isso, todas as integrantes deste GT (Gênero e Saúde) estamos disponíveis para ajudar.

 

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