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DIA DA MULHER – HOMENAGEM ABRASCO. Entrevista Eli Iola

Eli Iola, 'Enquanto o financiamento estiver atrelado ao crescimento do PIB, o gasto com saúde nunca será ditado pelas reais necessidades'


ABRASCO: O financiamento da saúde pública brasileira é um dos temas centrais e mais atuais a ser tratado pela sociedade e governo. Tem impacto em todas as áreas e, no caso específico da saúde da mulher, assim como é com todo o SUS, a falta de recursos impede a construção de um Sistema Único de Saúde conforme defendido pela nossa constituição. Existem saídas já pensadas para resolver ou minimizar o problema da falta de recursos? De onde podem vir os recursos faltantes?


ELI IOLA: Desde a criação do SUS vemos aprofundar um grave paradoxo: ao mesmo tempo em que a sociedade brasileira decidiu, em 1988, pôr fim a qualquer discriminação para acesso ao sistema de saúde, universalizando e instituindo a igualdade e a integralidade da atenção à saúde para todos, ampliou-se também a entrada de trabalhadores nos mais diversos planos privados de saúde no país. Os descontos sem limites para gastos com saúde nas declarações anuais de imposto de renda é um estímulo permanente para pessoas e famílias buscarem esse serviço, e do lado das empresas, o SUS nunca foi o sistema de referência para os empregados. Pelo contrário, depois da criação do SUS, as empresas passaram a receber incentivos governamentais para oferecer assistência médica aos empregados. Nos últimos trinta anos esse arranjo comprometeu definitivamente o financiamento da construção de um sistema público universal e de qualidade no Brasil.


ABRASCO:  Sabe-se que a falta de recursos precariza o atendimento, dificulta o acesso e perpetua o baixo índice de tecnologia no âmbito do sistema público de saúde. Esse tema tem sido adequadamente abordado e está na agenda do governo federal?


ELI IOLA: Os recursos para o financiamento da saúde estão previstos na Constituição Federal (CF). A saúde, a previdência e a assistência social ao conjunto da população brasileira devem ser financiadas pelo Orçamento da seguridade social, composto por diversas fontes e impostos. A aplicação desse orçamento exclusivamente nas despesas da seguridade social, no entanto, nunca foi respeitada por nenhum governo desde 1988. Por isso, passamos todo esse tempo discutindo a regulamentação da CF, por meio de uma emenda. Em 2012, o Congresso finalmente votou a Lei Complementar nº 141, mas o problema para o financiamento da saúde não foi resolvido. O maior problema é a diminuição dos gastos da esfera federal nos gastos em saúde em todo esse período. As recentes notícias sobre o interesse do governo federal em financiar uma alternativa de acesso a planos de saúde para as classes C e D, em detrimento de investimento decisivo na capacidade de atendimento do SUS, denuncia uma grave ruptura com as possibilidades de manutenção de um sistema público de saúde no país.

 

ABRASCO: Iniciativas da sociedade como o "Saúde+10"( que reivindica que 10% da receita bruta da união seja destinada à saúde) solucionariam o problema definitivamente? Ou a demanda por financiamento é perpétua, enquanto desejarmos um sistema público universal e igualitário?


ELI IOLA: A reivindicação do movimento Saúde+10 pretende justamente não deixar que o governo federal continue a se esquivar do financiamento do SUS. O SUS até hoje se mostrou um sistema muito barato: em 2011, o governo federal empenhou R$ 78.614,10 milhões em saúde, o que equivale a um gasto de pouco mais de R$ 400,00 por pessoa/ano.

 

ABRASCO: O Ministério da Saúde tem lançado programas/ações/planos para atacar os principais problemas do SUS. Entretanto, nada estrutural, quase sempre focalizado em um ou outro problema. Esse é um dos caminhos possíveis ou existe esgotamento se não houver aportes significativos no orçamento da saúde? Não é um paradoxo ampliar o número de programas/ações e planos sem aumentar as fontes de financiamento ou os recursos diretos?


ELI IOLA: Vivemos hoje uma situação em que o financiamento da Saúde está subordinado à imprevisibilidade do desempenho da economia brasileira, medido pela variação do Produto Interno Bruto (PIB). Pela LC 141/2012, o governo federal deve acrescentar ao orçamento para a saúde de cada ano, o equivalente à variação do PIB no ano anterior. Ou seja, nesse cenário, o gasto com a saúde nunca será ditado pelas reais necessidades de saúde da população. Pretensas ampliações de serviços não passam de ações pontuais, sem impacto sobre a qualidade e capacidade de atenção no sistema público de saúde.

 

ABRASCO: As recentes desonerações concedidas pelo governo a diversos setores da economia nacional podem retardar ainda mais a solução para a questão do financiamento, já que o governo abre mão de aproximadamente 45 bilhões de reais (2012). Essa medida pode ser entendida como uma tentativa de se fazer política econômica com recursos da saúde?


ELI IOLA: Exatamente. Tais recursos provêm de fontes que deveriam alimentar o Orçamento da seguridade social e financiar principalmente as políticas de saúde, previdência e assistência. Ao desonerar e financiar a ampliação de negócios privados e lucrativos nessas áreas, o governo não está fazendo política econômica… Está, na verdade, desfazendo as políticas sociais e transformando-as em commodities a preços subsidiados ao capital nacional e, agora também, ao capital internacional.

 


 

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