
A saúde dos povos Indígenas no Brasil segue marcada por contradições profundas. Embora o direito à saúde esteja assegurado na Constituição Federal e regulamentado por normas específicas como a Lei Orgânica da Saúde (nº 8.080 de 1990) e a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), de 2002, a realidade vivida cotidianamente pelas populações indígenas revela um cenário de desassistência, racismo institucional e violações sistemáticas de direitos.
A Abrasco, através do GT Saúde Indígena, tem reiterado que não se trata apenas de melhorar a gestão ou otimizar recursos, mas sim de enfrentar os determinantes estruturais que condicionam a produção do adoecimento entre os povos Indígenas, tais como a violência contra os territórios e as comunidades que vivem nas terras Indígenas e em outros contextos, o avanço do garimpo e do agronegócio e a fragilização dos mecanismos de participação e controle social.
Dessa maneira, neste 19 de abril, o GT Saúde Indígena da Abrasco listou três grandes desafios estruturais para a efetivação da PNASPI.
- Racismo institucional e negação da diversidade étnico-cultural: a atuação do Estado brasileiro na saúde Indígena ainda é marcada por uma lógica assistencialista e tutelar. Isso impede a consolidação de práticas de cuidado baseadas na troca de saberes e no protagonismo Indígena. A marginalização dos conhecimentos Indígenas e o desrespeito às formas próprias de organização social dos povos ferem diretamente os princípios da PNASPI.
- Território como categoria central é negligenciada: a luta pelo território não é apenas política, mas também sanitária. Sem território, não há saúde. A intensificação de ataques a terras Indígenas – com invasões, contaminação por mercúrio, desmatamento e conflitos armados – tem gerado crises humanitárias, como a enfrentada pelo povo Yanomami, que não é um caso isolado, mas expressão de um projeto de destruição.
- Esvaziamento da participação Indígena nos espaços de decisão: a redução do protagonismo Indígena nos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISIs), nos processos de planejamento e gestão dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) e nas deliberações nacionais enfraquece a participação e o controle social, deslegitimando o princípio de autonomia dos povos. A saúde Indígena deve ser pensada com os povos, não apenas para eles.
Ao dispor em perspectiva essas questões, o GT Saúde Indígena da Abrasco elaborou três proposições para uma política Indígena de saúde verdadeiramente transformadora.
- Protagonismo Indígena: garantir o protagonismo Indígena na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de saúde, com respeito às suas formas próprias de organização política e social, assegurando estruturas permanentes de consulta e deliberação com ampla representação dos povos e territórios;
- Fortalecimento da SESAI: reconstruir e fortalecer a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) como política de Estado, com orçamento adequado, gestão descentralizada e articulação intersetorial com outras políticas públicas (educação, saneamento, meio ambiente, demarcação de terras), sob controle social Indígena;
- Proteção territorial: reconhecer a centralidade dos territórios Indígenas na produção do cuidado, incorporando ações de vigilância, monitoramento e promoção da saúde que dialoguem com os modos de vida Indígenas e que protejam os biomas dos quais dependem suas existências físicas e culturais.