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Dia dos trabalhadores: Abrasco entrevista Heleno Côrrea

Foto: Unsplash

Em 2022, segundo dados do Mapeamento do trabalho no Brasil, do Fundo Brasil, o número de trabalhadores informais superou o de trabalhadores com algum vínculo empregatício. Para entender os impactos das mudanças na sociedade e nas relações de trabalho, ouvimos Heleno Côrrea, coordenador do GT Saúde do Trabalho, para o dia do trabalhador.

Confira abaixo: 

Comunicação Abrasco: Tivemos muitas mudanças recentes nas relações de trabalho, com um crescimento grande de pessoas em situação de informalidade, regime que hoje já supera em número o regime de trabalho formal. Quais seriam as principais mudanças sociais que esse novo regime de trabalho impõe?

Heleno Côrrea: O Professor Ricardo Antunes, da UNICAMP, já tinha apontado a destruição do mundo do trabalho com a chegada das formas de trabalho subjugadas e descontratualizadas em plataformas. A organização do mundo do trabalho, como nós conhecemos nos anos do pós-guerra de 1945 aos anos 1980 foram apontados por Zygmunt Baumann como de liquefação das regras coletivas sociais, seja de padrões de costumes e ética, seja de padrões sociais de direitos e deveres. Tudo se liquefez em decisões individuais, como se o comportamento social derivasse de ‘escolhas momentâneas e conjunturais’ por indivíduos. A vertente acadêmica desta modernidade líquida é a descrença de que a classe trabalhadora seja o motor da história. Tudo passa a ser questão comportamental e individual. Dessa forma o capitalismo do início do século XXI se apropriou de regras, desfez as regras, retirou garantias e aplicou a crueldade como forma de resolver o caminho do lucro. Concentrou tudo e deixou mais pobres os trabalhadores. No Brasil a reforma sindical do golpista Michel Temer atingiu leis que garantiam direitos mínimos que existiam desde 1947. Sem o imposto sindical, os sindicatos e as Centrais Sindicais ficaram 90% mais fracos e do ponto de vista social é isso que permite a maioria de Senadores e Deputados agirem como lobistas de empresas de plataforma, mirando agora na destruição da Justiça do Trabalho. Se a derrota concentradora de dinheiro e poder continuar, a mudança que aparece no horizonte é a escravização por sujeição de indivíduos que não têm nenhuma esperança no coletivo, pessoas que não se organizam, e trabalhadores que veem seus iguais como adversários. Estamos na esquina em que a estrada social apresenta esta divisão em dois rumos, que os antigos cientistas sociais chamavam de “disjuntiva”.

Comunicação Abrasco: Para muitos trabalhadores, os trabalhos via plataformas e aplicativos é uma alternativa ao desemprego. Então vemos toda uma questão de sobrevivência atrelada à produtividade que essas novas relações de trabalho, mediadas por tecnologias, propõem. Você acredita que a longo ou médio prazo, esse modelo de trabalho se sustenta?

Heleno Côrrea: Esse modelo de produtividade acima das condições de trabalho e apesar da impossibilidade de atingir metas patronais agrediu profundamente todas as formas de trabalho e de produção. Atingiu inclusive o trabalho imaterial dos professores, cientistas, pesquisadores e pensadores. Todo trabalho realizado é medido pela sua aparência e não pelo fundamento que foi necessário para preparar, montar, organizar, produzir, aferir qualidade e levar ao consumo público. Assim como o entregador de comida em motofrete tem de correr para ganhar centavos, o acadêmico tem de publicar recortes e relatos de meio termo que não levam a uma totalidade. O engenheiro que virou Pessoa Jurídica (MEI, Ltda., etc.) e o entregador do Ifood estão na mesma corrida. Suspeita-se que nenhum dos dois atingirá o objetivo exigido a médio prazo. A longo prazo…estaremos todos mortos. Só a utopia do trabalho em um mundo socialista planificado poderia reverter essa imagem.

Comunicação Abrasco: E quais seriam os impactos de uma naturalização da exploração do trabalho na saúde da população?

Heleno Côrrea: Quanto mais a população se acostuma com a medida do trabalho inseguro e metas inatingíveis, mais ela aceita ser culpada pelo modelo que a sociedade não construiu. Esse modelo está por cima de tudo, mas não foi escolhido pela população que trabalha e vive de vender sua força de vida. Deve haver um limite para tudo, que parece ter surgido em formas incipientes de organização rebelde entre os trabalhadores precarizados que não foram engolidos pelo fascismo. Se os trabalhadores não aceitarem ser o lumpesinato e se organizarem, haverá futuro para as novas gerações em solidariedade, que um dia realize o sonho de ter as cidades, o campo e as águas em festa, trabalho e pão.

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