
Entre 2001 e 2015, o Brasil deu uma aula sobre o que significa organizar uma rede de cuidados em saúde mental: fechou manicômios, criou uma rede de mais de 3000 serviços de saúde mental próximos onde as pessoas moram, os Centros de Atenção Psicossocial, os CAPS. Além de contratar milhares de especialistas para atuarem nos postinhos de saúde. Criou ações de geração de renda, unidades de acolhimento 24h para pessoas em crise, residências terapêuticas, incentivo financeiro para egressos de manicômios, além de inúmeras outras ações de promoção de Saúde Mental.
O Brasil foi destaque internacional, exatamente, pois estruturou uma rede de atenção não focada em diagnósticos e sim focada nas pessoas.
Os serviços e estratégias criadas eram sempre generalistas e tinham como diretrizes um olhar sobre contexto das pessoas que se apresentavam em sofrimento mental, atuando não apenas nos sintomas, mas também nas causas do sofrimento.
Entretanto, entre 2015-2022 vivemos um apagão de formulação de políticas de saúde. Houve um retorno explícito ao financiamento de hospitais psiquiátricos e de novos manicômios, as Comunidades Terapêuticas. Novas demandas surgiram: sofrimento relacionado à COVID-19, aumento do diagnóstico de autismo e a explosão de problemas relacionados a sites de apostas e o impacto das transformações no mundo do trabalho com avanço do empreendedorismo e do gerencialismo, que têm sido identificados como produtores de adoecimento.
Infelizmente, perdemos a capacidade inventiva do início dos anos 2000, e as respostas para esses problemas complexos tem sido simplista. Temos apostado em ampliações de serviços especializados com enfoque meramente clínico. Criamos ambulatórios para ludopatias, mas esquecemos esta questão inexistia no Brasil até pouco tempo e explodiu com a liberação das bets. Fomentamos ambulatórios para atender trabalhadores estafados e esquecemos de promover ambientes saudáveis e processos de trabalhos menos precarizados. Criamos diversos ambulatórios para crianças autistas submetendo-as a horas e horas de condicionamentos e nos omitimos em trabalhar para que escolas e famílias sejam mais acolhedoras e adaptadas para pessoas neurodivergentes.
Por isso fazemos um chamado: precisamos retomar a tradição brasileira de não pensar a atenção em saúde mental focada na dimensão curativa para voltarmos a propor ações de promoção que dialoguem com outras políticas intersetoriais.


