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Ana Maria Malik: “diferenças entre as expectativas e os objetivos dos diferentes atores da saúde não retiram a legitimidade de nenhum deles”

Num país que comporta muitos Brasis, são necessárias diversas formas de prestação de serviços em saúde, todas devidamente regulamentadas e sujeitas ao controle público. Assim coloca Ana Maria Malik, coordenadora do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP/GVsaúde), que junto com a Abrasco promovem na próxima semana, nos dias 11 e 12 de março, em São Paulo, o seminário A Gestão da Saúde no Brasil.

Médica com mestrado em Administração de Empresas pela FGV-SP e doutorado em Medicina Preventiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Ana Maria possui vasta experiência na gestão tanto na área pública, tendo estado à frente de divisões e coordenadorias das secretarias de saúde do município e do estado de São Paulo, quanto na gestão privada, quando foi superintendente do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo. Conta também com passagens na docência em instituições internacionais, como professora visitante na Universidade de Paris VII – Groupe Hospitalier Lariboisière/Fernand Vidal (APHP) e na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, além da participação em programas da Johns Hopkins School of Public Health e Michigan University.

Em entrevista ao Portal Abrasco, a professora aborda alguns dos temas que estarão em debate no seminário, na importância da troca de olhares e de visões entre gestores e pesquisadores das áreas públicas e privadas e nos avanços e desafios de ambas formas de prestação de serviços.

Abrasco: Apesar de o Brasil constitucionalmente ter definido a cobertura universal em saúde, há diversos modelos de assistência e prestação de serviços em saúde em voga no país. Como a senhora vê essa coexistência?

Ana Maria Malik: Universalidade de direito é uma coisa, acesso e utilização é outra, bastante diferente. No Brasil a legislação fala no direito universal à saúde. No entanto, no âmbito do SUS, tanto no que diz respeito ao setor público quanto no privado, o acesso é diferenciado, condicionado por uma série de fatores que vão desde onde o cidadão mora e qual sua renda até qual seu estado de saúde e se ele dispõe ou não de cobertura suplementar (e por qual operadora é atendido).

Abrasco: A diversidade de modelos subentende diferentes formas de gerir os serviços de saúde. No entanto, a expectativa do público e o objetivo final pressupõem-se os mesmos: oferecer serviços de qualidade, efetivos e eficazes. O que os gestores e pesquisadores das gestões públicas e privadas podem aprender uns com os outros?

Ana Maria Malik: A diversidade de modelos subentende diferentes formas de gerir, de financiar e de prestar serviços. Não se trata apenas de gestão. Quando se fala em serviços de qualidade efetivos e eficazes pode-se estar falando de muitos aspectos diferentes. Os gestores, pesquisadores e prestadores da área de saúde precisariam começar a se dar conta de que há diferenças entre as expectativas e os objetivos dos diferentes atores, o que não retira a legitimidade de nenhum deles. A partir deste entendimento, pode-se começar o aprendizado.

Abrasco: A senhora possui grande experiência internacional. Como avalia o atual estado da prestação da assistência e oferta de serviços de saúde no Brasil contemporâneo, em comparação com os demais países?

Ana Maria Malik: Não existe algo que se possa chamar de assistência e oferta no Brasil como um todo. Há diversos Brasis e diversos serviços de saúde. Algumas partes do nosso sistema se comparam aos melhores do mundo e outras estão longe de apresentar qualquer tipo de brilhantismo. O mesmo ocorre nos diferentes países. Um aspecto que é comum, no entanto, a uma série de sistemas universais (ou de serviços nacionais, o que não significa exatamente a mesma coisa) é que gestão privada vem aumentando neles. Em alguns casos, financiamento privado também. O Brasil vem se esforçando para atingir patamares internacionais quando se compara os esforços em qualidade e segurança dos serviços de saúde. O mesmo ocorre com algumas políticas de distribuição de medicamentos.

Abrasco: No setor saúde, é presente o debate sobre a hegemonia do modelo hospitalocêntrico frente às demais formas de atendimento, em especial às relacionadas à Atenção Primária em Saúde. No entanto, quando olhamos para a formação dos recursos humanos no setor, todo o esforço governamental é voltado para a formação médica, seja pela ampliação de vagas nos cursos de graduação e nas residências, seja por instrumentos como o Programa Mais Médicos. Como entender essa contradição e quais seriam caminhos possíveis para um equilíbrio entre essas distintas visões de prestação de serviços?

Ana Maria Malik: Hoje em dia, nem mesmo os hospitais são dependentes só de médicos. O trabalho multiprofissional é considerado inclusive indicador de qualidade (sem contar seu lugar como afiançador da complexidade). Por outro lado, no Brasil há mais hospitais de atendimentos emergênciais, voltados para doenças e agravos agudos – estes sim, grandes usuários de médicos em comparação com outros tipos de serviço existentes em realidades diferentes – que outros tipos de estabelecimentos. Há poucas evidências de que de fato haja interesse em estimular a formação de profissionais competentes em todas as áreas de atuação.

Abrasco: Já o setor privado parece não questionar suas práticas e condutas, mantendo o mesmo modelo de atendimento, centrado nos hospitais e na gerência de consultórios, laboratórios e demais serviços conveniados. A senhora percebe ou apontaria alguma perspectiva de mudança do setor privado?

Ana Maria Malik: O setor privado tem estado mais avançado na tentativa de encontrar alternativas ao atendimento de pacientes crônicos ou de modalidade de assistência remota. Por mais que haja experiências bem sucedidas de teleassistência no setor público, o privado tem sido mais ousado em sua implantação. Ao mesmo tempo, centros diagnósticos e modelos ambulatoriais têm envidado esforços em trabalhar medidas de promoção de saúde e de “assisted living”.

Abrasco: Ainda ligado à pergunta anterior, a senhora acredita que, com a possível efetivação da entrada de empresas estrangeiras na gestão direta da assistência médica, possa haver alguma mudança na prestação de serviços?

Ana Maria Malik: A questão aqui não é certamente voltada à gestão, mas sim ao financiamento. O que faria a diferença seria um controle público eficaz, uma regulação verdadeira e uma análise de viabilidade de investimentos, pelo menos do setor público.

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