NOTA ABRASCO SOBRE OS VETOS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA À LEI 14.214/2021, QUE PREVÊ A DISTRUBUIÇÃO GRATUITA DE ABSORVENTES INTÍMOS A ESTUDANTES DE ESCOLAS PÚBLICAS, MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE E EM SITUAÇÃO DE RUA.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO – repudia com veemência os vetos do presidente da república à lei 14.214/2021, fruto do PL 4968/2019, de autoria da deputada Marília Arraes, e aprovada pela Câmara de Deputados em 06/10/2021, que beneficia mais de 5.6 milhões de mulheres em situação de vulnerabilidade social, com a distribuição gratuita de absorventes íntimos. O veto é uma agressão à dignidade humana das mulheres e viola os seus direitos sexuais e direitos reprodutivos, coloca em risco a saúde de muitas mulheres, em especial jovens e adolescentes. Além da saúde, a falta de absorventes interfere na frequência à escola e ao trabalho de adolescentes e jovens mulheres.
Menstruar é um evento natural na vida das mulheres. Contudo, lidar com a menstruação, que ocorre, na maior parte das vezes, mensalmente, não é. A menstruação é um tema e um fato que uma cultura misógina sempre colocou à margem, sendo objeto de repulsa e estigma, sendo assunto tabu em muitas famílias, serviços de saúde, escolas, poderes públicos e mídia. Por isso, muitas mulheres vivem essa dimensão de seus corpos em situação de solidão, desconhecimento e vergonha. A menstruação que “vaza” é situação que constrange a mulher e que a expõe a comentários ridicularizadores.
O absorvente higiênico descartável é a principal estratégia utilizada pelas mulheres para lidar com os ciclos menstruais no cotidiano. Contudo, as desigualdades entre as mulheres se manifestam fortemente no acesso delas aos insumos de higiene e cuidado, particularmente os absorventes. O custo dos absorventes não cabe nos gastos das famílias pobres e muito menos entre as mulheres em extrema pobreza; e as desigualdades foram agravadas na pandemia. A oferta de absorventes se justifica, pois além do direito a condições dignas de vida, o provimento de absorventes garante que mulheres se mantenham ativas e presentes na escola, no trabalho, no seu cotidiano.
No Brasil, segundo dados da UNICEF e do UNFPA (2021) , “713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. Além da privação de chuveiros em suas residências, 4 milhões de meninas sofrem com pelo menos uma privação de higiene nas escolas. Isso inclui falta de acesso a absorventes e instalações básicas […], como banheiros e sabonetes. Dessas, quase 200 mil alunas estão privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação na escola”.
A dignidade menstrual é uma condição a ser defendida para todas as mulheres que menstruam e está associada à garantia de condições higiênicas adequadas e necessárias ao período menstrual. Essa pauta deve incluir as questões trabalhistas, preservando o respeito dos empregadores às necessidades das mulheres de uso mais frequente de banheiros durante o período menstrual.
O Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual representa um passo importante para restaurar a dignidade e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres brasileiras e para a garantia das melhores condições de sua saúde sexual e reprodutiva. O veto presidencial aos artigos da lei 14.214/21, que preveem a distribuição gratuita de absorventes higiênicos a mulheres particularmente ameaçadas em sua dignidade menstrual – jovens de baixa renda, mulheres em situação de reclusão ou em situação de rua – é um atentado aos direitos humanos das mulheres.
Em face do exposto, a Abrasco se manifesta publicamente exigindo do Estado brasileiro a garantia ao acesso gratuito a absorventes higiênicos para estudantes da rede pública de educação, mulheres em situação de rua e em privação de liberdade.