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Discurso de Antonio Boing na abertura do Epi2017

Vilma Reis

Antonio Fernando Boing, presidente do Epi2017 em fotografia de Rafael Venuto.

Prezados colegas congressistas, prezados membros da mesa,

Lá se vão 27 anos desde que Campinas abrigou o primeiro Congresso Brasileiro de Epidemiologia. Ao encerrar um evento que na época surpreendeu a todos pela sua vitalidade, magnitude e qualidade, nossa colega Marilisa Barros, presidente daquele evento, destacou que era preciso esforço continuado do conjunto dos profissionais da área para que se conseguisse manter a periodicidade do evento, consolidar os avanços da Epidemiologia e ampliar as conquistas teóricas, metodológicas e técnicas da área.

Colegas, quase três décadas depois, chegamos à décima edição do Congresso Brasileiro de Epidemiologia. Ao longo desse tempo, não apenas consolidamos o evento na agenda da ciência brasileira como também construímos uma epidemiologia em nosso país com forte qualidade metodológica, com sólidas bases teóricas e profundamente articulada com os serviços de saúde e com as necessidades da população. Participam agora duas vezes mais pessoas e são apresentados seis vezes mais trabalhos que no início, refletindo o crescimento desse campo do conhecimento no Brasil.

Nesse ano foram submetidos mais de 5.200 trabalhos, teremos 3.500 participantes, foram oferecidos 44 cursos totalizando mais de 1.000 inscrições e acontecerão cerca de 100 mesas, palestras e debates. Ainda mais importante que isso, o Congresso Brasileiro de Epidemiologia se consolidou como momento privilegiado para um debate altamente qualificado entre pesquisadores, docentes, estudantes, profissionais dos serviços de saúde e gestores.

A Comissão Científica, há pouco mais de um ano, escolheu como tema desse Congresso “A Epidemiologia em defesa do SUS: formação, pesquisa e intervenção”. Entendemos na época que nesse momento histórico nós, epidemiologistas, devemos ter posição firme na defesa de uma das mais importantes políticas públicas do nosso país. Sabíamos naquele momento que crescia e se fortalecia uma agenda política que busca a desarticulação do sistema público e o direcionamento das ações do Estado para poucos, levando à negação da cidadania.

Nessa agenda entende-se a saúde como mais um produto a ser consumido no mercado, fortalece-se o setor privado e nega-se a saúde como um direito. Desde então, ou seja, num período pouco superior a um ano, tivemos a desvinculação das receitas da união a um percentual recorde, o congelamento do gasto público pelas próximas duas décadas, o encaminhamento de propostas de desregulamentação do setor de planos de saúde e de alteração do financiamento do SUS, além da nova PNAB.

A isso somam-se várias iniciativas municipais e estaduais que têm terceirizado a assistência em saúde. Além disso, o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação dispõe atualmente de um terço do orçamento que tinha em 2010 e menos da metade do orçamento de 2005. Isso, num contexto de crise econômica e com a implementação de grande conjunto de políticas econômicas regressivas que irão aumentar as já profundas desigualdades sociais que marcam nosso país. Assim, não se trata apenas da desarticulação do sistema de saúde, mas sim do setor público e das políticas de inclusão social. Não são propostas isoladas, mas sim inciativas articuladas com profundos impactos negativos no futuro do país.

E para responder a esse momento, precisamos nos inspirar em nossa própria história. O SUS foi construído num momento histórico de busca pela democracia e pela participação popular. De fato, a reforma sanitária brasileira é a busca pela reforma da sociedade, não apenas do setor saúde. E digo é, porque ela está viva, ela está em todos os espaços, ela está aqui, está no fazer dos profissionais de saúde em cada espaço do SUS, na assistência social, na educação. Mas ela precisa ser fortalecida e esse é o momento histórico em que ela precisa avançar, que ela precisa inspirar e ela precisa mobilizar.

Nesse momento precisamos articular nossa prática teórica com a prática política. Não podemos ser indiferentes, pois como colocou Hebbel, viver significa tomar partido. E o lado da saúde coletiva e da epidemiologia brasileira é por um sistema de saúde universal, integral e equânime, nosso lado na história é por uma sociedade inclusiva, afinal só vale a pena construir um futuro que inclua a todos.

E esse é o chamamento que esse congresso faz: Epidemiologia em defesa do SUS: formação, pesquisa e intervenção. Em relação à formação, precisamos discutir o papel da educação no contexto em que o imaginário de sucesso ainda reside majoritariamente na prática liberal, em interesses corporativos, no prestígio pessoal e em atos técnicos. Temos avançado muito na área, mas precisamos reforçar em todos os espaços educacionais a importância de um compromisso com os ideais de uma sociedade inclusiva e justa e com práticas que busquem melhorar as condições e a qualidade de vida da população.

Também devemos apoiar nossos colegas que procuram inovar as universidades com modelos organizacionais e pedagógicos que buscam ampliar valores éticos e humanistas, como a experiência liderada pelo colega Abrasquiano Naomar de Almeida Filho. No campo da pesquisa, temos desde as origens da epidemiologia no Brasil organizado e desenvolvido sua racionalidade em consonância com a desafiadora situação econômica, social e epidemiológica do país. É extraordinário e entusiasmante o avanço que temos tido no desenvolvimento e aplicação de técnicas e métodos, mas jamais reduzimos nossa prática a elas.

Muito pelo contrário, incorporamos uma perspectiva transdisciplinar única, pois sabemos de nossa responsabilidade social. E nesse momento precisamos continuar colocando nossos esforços de pesquisa para produzir conhecimento transformador e que atenda às necessidades de nosso povo. Temos feito isso em nossa história, há um conjunto bastante sólido de pesquisas que temos produzido e que têm contribuído decisivamente para diversas estratégias exitosas que têm sido adotadas pelo Sistema Único de Saúde.

Nossos estudos contribuíram decisivamente para a redução da mortalidade infantil, para o aumento da expectativa de vida, para o controle e enfrentamento de diversas doenças e na resposta às emergências em saúde. Pesquisas epidemiológicas têm o potencial de transformar vidas para melhor. Temos uma história da qual nos orgulhar. Agora, é nossa responsabilidade ajudar a construir um futuro do qual também possamos ter orgulho.

A Comissão Local e a Comissão de Epidemiologia da ABRASCO construímos esse congresso num ambiente econômico restritivo às instituições públicas, e ainda assim trata-se do maior congresso brasileiro de epidemiologia em termos de trabalhos enviados e inscritos confirmados. Certamente esse fato reside no crescimento da área, mas acreditamos também que o momento político e social nos pede maior união, nos pede que estejamos juntos e compartilhemos e somemos nossas forças. Cada um de nós sentiu isso e decidiu contra as adversidades estar aqui em Florianópolis para o congresso.

Espanta que vozes da intolerância, da violência, do desprezo pelas minorias e da insensibilidade social estejam se erguendo com tamanha desenvoltura. Mas a elas vamos oferecer nossa oposição, reforçando que o caminho a ser trilhado é o da solidariedade, da construção coletiva e da luta por condições dignas de vida a todos. Nos oferecem austeridade e intolerância, nós respondemos com luta, respeito e alteridade. Não há outro caminho que não o do fortalecimento da democracia e não haveremos de permitir que destruam as políticas sociais pelas quais tantos lutaram e das quais tantos precisam.

Ao concluir essa mensagem, não poderia deixar de agradecer nossos importantes parceiros que lutaram para viabilizar o congresso. Uma incrível comissão local da UFSC, prefeitura de Florianópolis e Vigilância Epidemiológica Estadual; as extraordinárias comissões científica e de epidemiologia da Abrasco; a presidência, diretoria, secretaria-executiva e demais colegas da Abrasco; nossos apoiadores ANVISA, OPAS, CAPES, CNPq, FAPESC e Ministério da Saúde.

Bem, colegas, sejam bem-vindos a Florianópolis, aproveitem o Congresso e que ensinemos juntos, aprendamos juntos e construamos coletivamente a agenda da epidemiologia e da saúde coletiva brasileira para os próximos anos.

Assista aqui ao vídeo com a íntegra do discurso de Antonio Boing, na TV Abrasco.

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