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Do corte que o governo admite na saúde, o rombo é ainda maior

Bruno C. Dias

A arte de Caco Xavier, de 2016, continua atual, e o congelamento do SUS é ainda mais maquiado, aprofundando ainda mais a cova onde insistem colocá-lo.

Numa semana espremida pelo fim do carnaval e em meio a arroubos autoritários vindos do Palácio do Planalto, o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) voltou à baila na imprensa nacional por conta da apresentação do Relatório resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal, pela Secretaria do Tesouro Nacional, ligada ao Ministério da Economia. Nas entrevistas concedidas por Mansueto Almeida e nos desdobramentos do relatório, a imprensa deu destaque à perda acima de R$ 9 bilhões da pasta da Saúde, motivada pela Emenda Constitucional nº 95.  No entanto, Eli Iola Gurgel, economista, professora da Faculdade de Medicina da UFMG e integrante do Conselho Deliberativo da Abrasco, ressalta que isso é apenas uma meia verdade “É muito importante que o atual governo reconheça as perdas que o Ministério da Saúde e o SUS como um todo vem sofrendo. Porém, esse reconhecimento é parcial e parte de cálculos incompletos”.

Eli Iola relembra que em 2015  foi aprovada a Emenda Constitucional 86, uma resposta conservadora à proposição popular batizada de “Saúde + 10“, que propunha 10% da Receita Corrente Bruta nacional para a área da Saúde. Em março daquele ano, a EC 86 amarrou a revisão do orçamento da saúde a partir de um escalonamento em percentuais definidos sobre a Receita Corrente Líquida (RCL), de 13,2% da RCL em 2016, no seu primeiro ano de vigência, até 15% da RCL em 2020. Em 2017, o ajuste  seria de 14,5%. É justamente dessa parte da conta a origem do erro da Secretaria do Tesouro.

“Em 2017, quando começa a aplicação da EC-95, o governo teve de elevar a dotação da saúde acima de um valor equivalente a 15,77% da receita líquida corrente daquele ano. Por que ele teve de fazer isso? Porque se fosse menos do que isso, a dotação federal para a saúde já largaria com um piso inferior ao de 2016, que já tinha atingido 14,96% da RCL. Esse piso foi então congelado, e passou a ser apenas reajustado pelas perdas da inflação calculadas pelo Índice de Preços ao Consumidor (Ipca). É aí que está o erro da conta pois, se os mesmos 15,77%  fossem aplicados sobre a RCL do ano passado, 2019, o orçamento da saúde deveria ser de R$ 142.822 bilhões, logo, uma perda de R$ 20 bilhões, e não os R$ 131,32 bilhões que eles alegam para justificar essa perda recuada de R$ 9,05 bilhões. Moral da história: a secretaria do Tesouro Nacional utiliza a alíquota da EC-86 para fazer a comparação, sendo que essa foi uma emenda que mal foi aplicada e atropelada pela EC 95”.

Iola apoia-se e corrobora os dados produzidos por Francisco Funcia, também economista e assessor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Dias antes, Funcia já havia conversado com o jornal Brasil de Fato sobre a distorção desse mecanismo. “Quando eu comparo o quanto da receita está sendo alocada para a saúde eu percebo que cada ano que passa está alocando menos. Eu estou, inclusive, voltando aos percentuais do fim da década passada”, explicou Funcia à reportagem.

A abrasquiana destaca que o gasto total em saúde de 2019, de R$ 122,6 bilhões, representa 13,54% da RCL do mesmo ano. “Ou seja, nós caímos 2 pontos percentuais do montante aplicado no setor saúde para uma população que vive uma transição demográfica acelerada”.

Outra forma de se perceber como o tamanho do rombo da saúde só aumenta é pelo investimento por pessoa ao ano. “Olhando desde 2017, quando esse mecanismo começou a ser aplicado, é possível perceber que o financiamento per capita caiu de R$ 595/ano, maior valor alcançado em 2014 e que se manteve até a aplicação da EC95, para os atuais R$ 558/ano, valor este que sabemos ser muito abaixo do que demais países com sistemas universais de saúde aplicam” detalha Eli Iola. Além disso, a professora destacou em entrevista à Agência Radioweb, disponível no áudio abaixo, que “apenas 43% do gasto em saúde no Brasil é público, enquanto em todos os países da OCDE, mais de 75% desses gastos são públicos”.

 

Para ela, é fundamental o movimento sanitário e demais organizações da sociedade civil e movimentos sociais provocarem a Secretaria do Tesouro Nacional para que as contas sejam refeitas utilizando as referências corretas. “Precisamos chamar a atenção para que esse importante órgão governamental reconheça essa perda e a corrija para o valor real. Se na história do SUS sempre falamos em subfinanciamento, a partir da EC 95 estamos submetidos a um grave e brutal desfinanciamento da saúde; e isso precisa ser contrastado com o cenário sanitário em que vivemos, num momento de emergência de novos e velhos vírus, que só aumentam a insegurança e incerteza da população, e o agravamento da desigualdade social, com quase 12 milhões de desempregados no país e com necessidades de saúde cada vez mais urgentes” conclui Iola.

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