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Sobre subfinanciamento e desfinanciamento – por Francisco Funcia

Vilma Reis

A 16ª (8ª+8) Conferência Nacional de Saúde será realizada em Brasília de 04 a 07 de agosto de 2019

O Economista Francisco Funcia, integrante do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), publicou na Domingueira da Saúde Gilson Carvalho, boletim semanal da instituição, o artigo Do subfinanciamento que temos para o desfinanciamento que não queremos: rumo à 16ª (8ª+8) Conferência Nacional de Saúde onde aborda a expectativa para a aprovação – nesta etapa nacional da Conferência – da proposta de revogação da EC 95/2016, dentre outras aprovadas nas Conferências Estaduais e Municipais de Saúde para o eixo “Financiamento”. Leia abaixo na íntegra.

A 16ª (8ª+8) Conferência Nacional de Saúde será realizada em Brasília de 04 a 07 de agosto de 2019. As conferências de saúde são instâncias máximas de deliberação do Sistema Único de Saúde (SUS) nas três esferas de governo, assim como os conselhos de saúde, nos termos da Lei 8142/90, em obediência ao princípio constitucional de participação da comunidade na saúde. É o momento máximo do processo de planejamento ascendente do SUS (conforme estabelece a Lei Complementar 141/2012), porque recepciona para análise e deliberação do(a)s delegado(a)s desta etapa nacional as propostas de diretrizes para as políticas e ações de saúde aprovadas nas Conferências Municipais e Estaduais realizadas durante o primeiro semestre de ano.

Trata-se de um momento decisivo nesses mais de trinta anos de criação e implementação do SUS, porque esse sistema nunca esteve tão ameaçado quanto agora, sob o falso argumento da “busca da eficiência do setor público”.

O SUS é eficiente: nenhum modelo de gestão privado existente no Brasil e no mundo consegue entregar para a população os serviços que a gestão pública do SUS entrega a R$ 3,60 per capita/dia. Isso por si só é um exemplo de eficiência produzida pela ação conjunta de usuários, trabalhadores e gestores do SUS – nenhum empresário da saúde privada conseguiria gerir com esse valor um empreendimento para ofertar ações e serviços de saúde – que envolvem, dentre outros, vacinas para seres humanos e animais, fiscalização e vigilância sanitária de diferentes estabelecimentos (agrícolas, industriais, comerciais e de serviços), consultas simples e especializadas, exames de sangue e de imagem, cirurgias com diversos graus de complexidade, inclusive transplantes – para um mercado superior a 200 milhões de pessoas e em todo território nacional (nos 5570 municípios espalhados nos 8,5 milhões de quilômetros quadrados de extensão).

Não se pode confundir a necessidade de aprimoramento da gestão pública com “falta de eficiência” e, muito menos, comparar situações muito diferentes – conforme ensinamentos dos juristas, no setor público, os gestores executam ações e serviços somente na forma e nos termos em que a lei autoriza, sob a ótica do interesse público ou coletivo, enquanto que, no setor privado, os gestores executam ações que não sejam proibidas por lei e voltadas para a obtenção de lucro dos acionistas/proprietários da empresa/capital ou, se forem organizações sem fins lucrativos, para os interesses específicos definidos pelos participantes dessas entidades no ato de formação.

Esta “Era da Agenda Negativa” tem se caracterizado pelas políticas públicas federais que priorizam primeiramente o desmonte do que existe, mediante o rompimento dos direitos de cidadania assegurados pela Constituição Federal e o anúncio “messiânico” que um “futuro novo está por vir”, para propor a redução de ações e serviços públicos como meio de ampliar as oportunidades lucrativas de investimento para o setor privado – transformar em mercadoria, a ser comprada no mercado, uma parte dos serviços públicos.

Essa “Era” começou em meados de 2016, com o encaminhamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto das despesas primárias (que tramitou na Câmara dos Deputados como PEC 241 e no Senado como PEC 55) que resultou na promulgação da Emenda Constitucional 95/2016, e foi mantida e ampliada nos últimos seis meses (a partir de janeiro de 2019), considerando, dentre outras, a Reforma da Previdência, as ameaças de desvinculação total dos pisos (aplicação mínima) da saúde e educação, anúncios preliminares de medidas que pretendem cobrar mensalidades nas universidades públicas e ameaçam a universalidade e a integralidade da ações e serviços de saúde.

À guisa de exemplo, as notícias recentemente divulgadas pela imprensa sobre a intenção do Ministério da Saúde em suspender as “parcerias para o desenvolvimento produtivo” (PDP) e em “mudar o financiamento da atenção primária” não podem ser analisadas sem a devida associação com a redução do piso federal do SUS (caiu para em torno de 14% da receita corrente líquida da União, mas projetado para próximo de 11% em 2036) e da limitação financeira para as despesas de saúde condicionadas pelo teto geral das despesas primárias federais da EC 95/2016 (que guardam relação direta com o recente grande aumento dos restos a pagar).

No caso dessa “mudança de financiamento da atenção primária”, na verdade, trata-se da redefinição da forma de alocar os recursos orçamentários e financeiros atualmente existentes no Ministério da Saúde, isto é, o subfinanciamento histórico do SUS está sendo substituído pelo desfinanciamento decorrente da EC 95/2016, em que o “fortalecimento do financiamento” das ações de atenção primária em saúde, talvez, seja caracterizada pela redução de atendimento e/ou remanejamento dos recursos em queda mediante a redução dos alocados anteriormente para outras ações como vigilância em saúde, assistência farmacêutica e/ou média e alta complexidade.

Para superar esse clima de incerteza em relação ao futuro, fica a expectativa de que o Ministério da Saúde apresente com urgência os detalhes dessas e de outras propostas que o novo governo pretende implementar, para que seja possível concretamente analisar e avaliar o alcance e impacto das novas medidas para o SUS sob a ótica dos princípios constitucionais.

Quanto à 16ª (8ª+8) Conferência Nacional de Saúde, fica a expectativa de que a proposta de revogação da EC 95/2016, dentre outras aprovadas nas Conferências Estaduais e Municipais de Saúde para o eixo “Financiamento”, seja também aprovada nesta etapa nacional.

É preciso que fique claro: ser contra a EC 95/2016 não é a mesma coisa de falta de controle dos gastos públicos; ser contra a EC 95/2016 é ser contra controlar as despesas que não incluam os juros da dívida pública e que retiram anualmente recursos para atender às necessidades da população – afinal, se as despesas primárias estão “congeladas” nos valores reais (atualizados somente pela variação do IPCA) de 2016 e se o piso federal do SUS e da educação nos níveis de 2017, enquanto a população cresce anualmente, as despesas per capita (por habitante) caem ano após ano, independentemente das necessidades a serem atendidas.

Além disso, a aprovação da PEC 01-D em segundo turno na Câmara dos Deputados e em dois turnos no Senado aumentaria o financiamento do SUS em sete anos, para chegar a 19,4% da receita corrente líquida da União (equivalente a 10% da Receita Corrente Bruta e oriunda da campanha vitoriosa do “Saúde +10”) – cujas fontes poderiam ser: tributação sobre dividendos, grandes fortunas e grandes transações financeiras, aumento da tributação sobre tabaco, bebidas alcoólicas e bebidas açucaradas, reforma tributária para desonerar produção e consumo e aumentar a tributação sobre patrimônio, renda e riqueza (a maioria dessas propostas já foi objeto de análise e aprovação do Conselho Nacional de Saúde).

Por fim, por que mais recursos para o SUS? Não basta aumentar os recursos se não houver mudança de modelo – mais recursos para priorizar a atenção básica como a ordenadora da rede pública de atenção à saúde e para valorizar os trabalhadores da rede pública do SUS – proposta já aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde.

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