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Docentes e pesquisadores debatem desafios da produção científica

Publish or perish. Cada vez mais pesquisadores questionam esse lema, que virou quase um mantra entre a comunidade científica internacional. O cenário dos periódicos e publicações esteve em debate na mesa Produção Científica na Saúde Coletiva: Desafios atuais, realizada no terceiro dia do 9º Congresso Brasileiro de Epidemiologia. O número de participantes para o reduzido tempo da sessão especial, realizado na hora do almoço, traduziu a centralidade desse debate nos encontros da área. No debate, participaram os professores Rita Barradas Barata, professora do programa de Pós-Graduação da Santa Casa de Saúde de São Paulo e membro do comitê de área da Saúde Coletiva do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Marília Sá Carvalho, editora da Cadernos de Saúde Pública, publicação da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP-Fiocruz); Antônio Augusto Moura, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e Kenneth Camargo, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-Uerj). A coordenação foi da professora Maria Amélia Veras.

Rita Barradas apresentou a situação da produção brasileira em comparação com o exterior. O primeiro critério utilizado foi o Scopus, do site SJR, que tem suas médias balizadas pela área da revista no qual está classificada. Para a comparação, a professora comparou com a produção com o volume de trabalhos produzidos nos EUA, Grã-Bretanha, Espanha e Alemanha. “Somos os primeiros na América Latina, mas na comparação mundial estamos em 15º na produção científica, 17º em epidemiologia, 6º nas áreas de políticas e saúde pública e 7º na área de Ciências Sociais e Humanas em Saúde.

Outro dado utilizado na apresentação foi o Índice H, que tenta determinar o grau de impacto das publicações. Houve crescimento das publicações brasileiras nos periódicos internacionais. Ao mesmo tempo, foi sentida uma redução nos artigos redigidos em cooperação internacional. “Isso pode ser bom, devido à capacidade de publicar sozinho e ruim por evidenciar um possível isolamento”, comentou Rita, que destacou também o alto índice de citações em revistas do próprio país.

Marília Sá Carvalho abordou os processos de indução e internacionalização na produção científica. A disputa por espaço em publicação é grande. “Recebemos cerca de dois mil artigos por ano e só conseguimos publicar 200”, comentou a editora. Ela destacou como as publicações ajudam a induzir os temas e abordagens publicações no cenário científico, seja pela indução indireta, devido às recusas diretas, por estarem fora dos temas centrais das publicações, pelas recusas dos pareceristas, ou por indução direta, pela redação dos editoriais que definem os escopos de cada periódico.  “A novidade do tema, o método aplicado nas pesquisas e a qualidade do texto serão sempre critérios de destaque. Ao contrário, a quantidade de artigos mais do mesmo, trabalhando os temas à exaustão e com um mesmo método e a repetição de validações já dadas e conhecidas vão descredenciar os artigos”, explicou.

Lógica produtivista: Marília apontou problemas sérios encontrados no dia a dia da edição da Cadernos e que já são analisados como uma verdadeira “epidemia” no cenário científico. “Estamos vivenciando o plágio cínico em escala cada vez maior, além do auto-plágio, do fatiamento da produção e dos roubos de autoria”. A pesquisadora acredita que a orientação dos pareceristas é um importante espaço de educação para a cessão dessa deformação, e que números temáticos mais flexíveis possam ao menos ajudar a solucionar os entraves de demanda e ampliar o impacto social das publicações. “Há também a necessidade de maior diálogo entre os pesquisadores. Comumente, conversamos mais com a produção científica de países Portugal e Espanha do que com as pesquisas realizadas na América Latina. Queremos ter participação mais integrada e um olhar de métrica não apenas baseada no que é feito no hemisfério Norte”, ressaltou.

Antônio Augusto Moura iniciou sua apresentação apontando que a necessidade de uma “bibliometria” gerou efeito colateral do “”mantra” publish or perish, o que deu maior destaque a métricas muitas vezes questionáveis. “Vemos que o que garante altos índices no fator de impacto são poucos artigos muito citados, o que faz do Fator H um índice de longa duração”, explicitou.

Ele crê que a produção brasileira caminha para um ponto de saturação, o que agrava ainda mais o cenário das pós-graduações, já que agências de fomento como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) utilizam a participação dos pesquisadores do quadro permanente como elemento de ranqueamento dos programas . “As consequências são claras: perda de qualidade e queda no rendimento dos cursos, uma vez que uma maior dedicação ao trabalho de publicar incidirá em menos tempo para dar aulas.

Para Moura, é necessária uma revisão nos processos de determinação desses índices e a Iincorporação de indicadores qualitativos, como aponta um estudo publicado no periódico da PLOS Biology, que investigou a real inovação ao conhecimento na avaliação de seus artigos. Outra forma de melhorar esse cenário é a inclusão da produção técnica na avaliação dos programas e cursos de pós-graduação.

Kenneth Camargo foi ainda mais direto nas críticas. “Vemos deslizamentos sutis, que antes apontavam que um bom cientista publicava sua produção e que hoje indica que só é bom se publicar muito e nas melhores revistas. Há graves problemas epistemológicos, principalmente pela hierarquia do quantitativo sobre o qualitativo e o enaltecimento do que é chamado de objetivo, qualificação esta alcançada pelo expurgo da subjetividade, tornando o cenário da produção científica suscetível à manipulação”.

Em sua apresentação, Camargo destacou problemas de abrangência desse ranqueamento, que não inclui livros e capítulos, mas que pontuam elementos sem ligação com a qualidade, como o excessivo número de reimpressões, muitas vezes bancados por interesses econômicos e a estratégia das múltiplas autorias. Apontou também preconceitos de gênero, da localização do autor e do uso da língua, uma reprodução da lógica colonial, na qual cientistas homens oriundos dos centros de pesquisa do hemisfério Norte e que publicam em inglês têm maior projeção do que cientistas mulheres de países do hemisfério Sul que publicam em seus idiomas natais.

“Num mundo que deveria prezar pela internacionalização e abertura do conhecimento vemos justamente ao contrário. É grande a mercantilização da produção científica, tendo atualmente três conglomerados respondendo por 40% do total dos periódicos. Isso significa aumento de custos, como os registrados pelas bibliotecas, que tiveram em média seus gastos crescidos em 273% nos últimos anos com assinaturas. São esses grupos que têm a mania do fator de impacto, benéfico apenas aos editores científicos dessas publicações. Ao mesmo tempo, são justamente as revistas com maior impacto que apresentam maior número de retratações”, ressaltou Camargo, indicando que esse debate deve e precisa continuar a ser reproduzido em todos os programas de pós-graduação e cursos do país.

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