Que lições podem ser aprendidas sobre o impacto das crises econômicas na saúde das pessoas? O uso de evidências científicas está sendo decisório no processo de construção de políticas públicas? Como mitigar os efeitos negativos das crises para a saúde? Estas e muitas outras questões foram colocadas pelo professor David Stuckler, na noite da segunda-feira, dia 9, no Epi2017 de Florianópolis.
Stuckler, professor de Economia Política na Universidade de Oxford e que mais recentemente passou a integrar o quadro docente do Departamento de Análise Política e Gestão Pública na italiana Universitá Bocconi – começou sua apresentação com uma fotografia da violência imposta pela polícia espanhola aos manifestantes pela independência da Catalunha: -“Este exemplo de ataque à democracia aconteceu esta semana”. Na imagem do slide seguinte, Stuckler mostrou um Donald Trump sorridente e explicou: – “No meu país (David é norte-americano) vimos a ascensão de um líder demagogo que não tem tolerância pelos direitos de gênero, igualdade e, claro, pelos pobres. Recentemente quando o furacão Maria arrasou Porto Rico, numa série de tuítes, Trump atacou a prefeita da capital San Juan, Carmen Yulin Cruz, por criticar o governo de Washington por sua falta de resposta aos estragos provocados pelo furacão. Cruz afirmou que o governo dos EUA ‘está nos matando com sua ineficiência’. Em sua réplica, Trump fustigou a ‘medíocre capacidade de liderança da prefeita de San Juan e outros em Porto Rico que não conseguem que seus trabalhadores ajudem’. E é aqui que a Epidemiologia é criticamente importante: os políticos estão atacando aqueles que ficam na linha de frente. Estão me atacando também. Trump teve coragem de culpar as vítimas de Porto Rico pelo déficit norte-americano e chegou a dizer ‘Porto Rico, vocês estão atrapalhando nosso orçamento’, explicou David.
O pesquisador pontuou que seu trabalho começa com os princípios fundamentais de que a saúde precisa acontecer nas comunidades e não nos consultórios médicos. Reforçou que a “boa saúde” deve acontecer onde vivemos, trabalhamos, brincamos e descansamos, para David, o CEP é um dos fatores mais poderosos para a saúde: – “Hoje, na voz dos epidemiologistas está a voz dos marginalizados, daqueles que sofrem pelas forças poderosas que vão muito além do seu controle. Estamos vivendo um momento da história em que esta voz da epidemiologia é mais necessária”, disse o pesquisador.
Soube então que o Brasil era agora a mãe de todos os planos de austeridade
O professor anunciou então que compartilharia na conferência o que tem aprendido com os números da austeridade da Europa e EUA, pois sabe que o Brasil está adentrando neste caminho. Ele mostrou um gráfico com os dados da recessão brasileira e ainda a capa de uma reportagem do Washington Post de dezembro passado – Brazil passes the mother of all austerity plans. “Soube então que o Brasil era agora a mãe de todos os planos de austeridade, com cortes gigantescos, numa escala que nunca tinha visto na Europa até agora: – “Acredito que uma das coisas mais importantes que podemos fazer é desmistificar e mostrar as mentiras que são ditas pelos governos. Tenham muita atenção aos constantes ‘Não há alternativa, só a austeridade”, pediu David.
Stuckler opinou sobre o atual posicionamento do FMI diante da austeridade, revelado na frase “We underestimated the negative effect of austerity on employment and spending power” que está no artigo Growth Forecast Errors and
Fiscal Multipliers, de Olivier Blanchard e Daniel Leigh. O Fundo Monetário Internacional já foi um dos maiores defensores da austeridade mas mudou bastante de opinião: – “Os economistas do FMI fizeram uma avaliação da situação da Grécia onde, imaginavam, após 8% de cortes em investimentos haveria um crescimento de 4%, entretanto tal crescimento não aconteceu. Então eles decidiram que o melhor seria cortar mais ainda: e cortaram, mas a economia continuou afundando. Foi então que se deram conta do erro no modelo e voltaram a examinar o multiplicador fiscal (que nos mostra qual o retorno econômico para cada dólar gasto). Constataram que na Grécia, durante a recessão, para cada dólar gasto o retorno era de 1,7 dólares! Então no final de 2013 o FMI declarou que na crise o importante é investir e demos um passo além, pois mesmo que os políticos decidam pelos cortes existem agora evidências que mostram qual é a melhor forma de fazer isso: diante de qualquer cenário, protejam o orçamento universal de saúde e educação”, explicou Stuckler.
No final destes números, está a vida das pessoas
Mas infelizmente não é isso o que tem acontecido, na verdade temos visto políticas com o oposto, e os slides da conferência começaram a mostrar o início dos cortes em saúde por toda a Europa: -“Nós, epidemiologistas, precisamos entender estes dados econômicos porque no final destes números, está a vida das pessoas. Pois mesmo que toda esta informação econômica pareça muito distante da Epidemiologia, é preciso e é urgente documentar todos estes danos causados pela austeridade. Ainda na Grécia, um jornalista perguntou ao ministro da Saúde se eles realmente teriam coragem de cortar em 40% o orçamento da saúde. É claro que as consequências foram previsíveis. Num artigo que publicamos no Lancet, documentamos um número muito alto da mortalidade infantil na Grécia. Um sinal que o acesso à saúde estava despencando – é como se a saúde pública na Grécia fosse um barco e de repente o governo começasse a enfiar várias lanças no casco e a começasse a afundar a embarcação”, comparou David.
Não basta só documentar, temos que buscar uma narrativa alternativa
O professor disse então que todos os números comprovam o sofrimento da Grécia: – “E diante disto começamos a documentar todo o impacto da austeridade. Sem os dados, os danos ficariam ocultos e o debate público não teria acontecido. Mas aviso: quando vocês começarem a documentar todos os danos que a austeridade causa na saúde da população, serão atacados, preparem-se. Também fizemos um mapa dos bancos de alimentos que existem no Reino Unido e que até pouco tempo não existiam. Estes bancos se proliferaram no Reino Unido e os ministros conservadores dizem que eles surgiram “Porque as pessoas não conseguem administrar suas finanças” – um padrão que temos observado nas políticas de cortes, as vítimas são sempre as culpadas. Precisamos, e devemos, enquanto epidemiologistas documentar esses dados. Mas não basta só documentar, temos que buscar uma narrativa alternativa , uma voz diferente para pintar esse quadro de alternativas verdadeiras, é uma das coisas mais importantes que nós, epidemiologistas, podemos fazer. Para o triunfo do mal só basta que homens e mulheres do bem não façam nada”, arrematou David.