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“É preciso fortalecer o SUS”, aponta Gulnar Azevedo em entrevista à Revista Radis

Pedro Martins, com informações da Revista Radis

Gulnar Azevedo e Silva – Foto: Sergio Amazalak/Abrasco

Os impactos da pandemia de Covid-19 são grandes e vão muito além dos óbitos diretos, indiretos e casos confirmados e devem deixar marcas, ainda não estão totalmente claras, no sistema de saúde e na sociedade. A dificuldade de atendimento e o medo de buscar as unidade básicas, por indicação do Ministério da Saúde, durante os períodos mais graves da pandemia geraram problemas em pacientes que seguiam tratamentos e necessitavam de assistência do SUS. Essas questões e a importância do fortalecimento do SUS em todos os níveis de atenção e atuação foram abordadas por Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco e professora titular do IMS/Uerj, em entrevista concedida à revista Radis, programa de Comunicação e Saúde da ENSP/Fiocruz.

A publicação produziu também uma matéria sobre doenças que ficaram ainda mais invisibilizadas por conta da pandemia; e a desassistência sofrida pelos pacientes. Ao longo da reportagem, depoimentos de especialistas apresentam diversas dimensões da questão – entre elas, uma sobrecarga ainda maior sobre o SUS, que exige desde já aumento do financiamento ao invés de uma redução em R$ 35 milhões para o orçamento da pasta em 2021, como pretende o governo federal. “Tudo isso já vem aparecendo e vai aparecer mais ainda, sobrecarregando o sistema de saúde”, ressaltou Gulnar. Confira abaixo a entrevista na íntegra, concedida à jornalista Liseane Morosini:

Radis: Por que a Covid-19 levou a tantas mortes indiretas?

Gulnar: Publicamos um artigo falando do excesso de mortes nos meses da Covid-19 que compara todas as mortes em 2020 e 2019, por regiões, capital e interior. Se fizermos uma comparação direta, dá para perceber que a covid foi mais forte entre homens e que ocorre um excesso de mortalidade, primeiro nas capitais e depois vai se deslocando para o interior. Foi bem pesado em Manaus, Rio e São Paulo, no início, e notamos que, até o final de julho, 30% das mortes em homens não estavam diretamente associadas aos números de mortes por covid. Provavelmente, foram aquelas pessoas que interromperam ou adiaram os seus tratamentos, que pararam de fazer a medicação de uso contínuo. Isso é um problema.

Radis: É preciso pensar agora no efeito da crise?

Gulnar: Os serviços estão começando a voltar, e na hora em que a gente tiver mais condição de atender de forma mais plena, essa demanda vai sobrecarregar o sistema. Precisaremos tratar o efeito da crise com tudo que foi paralisado, postergado e agudizado. Algumas pessoas evoluíram para pior por falta de tratamento. E as condições também pioraram nesse intervalo. A saúde mental também sofreu impacto, sem falar de consequências diretas das pessoas que perderam familiares. Pioraram suas condições clínicas, mentais, emocionais. Esse sofrimento impactado pela pandemia pesa muito. E temos que considerar os agravos em quem teve a doença. A gente não sabe se quem teve a forma mais leve depois vai ter alguma consequência.

Radis: Qual a sua avaliação sobre o SUS na pandemia?

Gulnar: A sociedade começou a entender a existência do SUS. O SUS apareceu com suas fortalezas e fraquezas, mas apareceu. Ele conseguiu atender pessoas que em outras circunstâncias não teriam atendimento numa situação dessa. E temos uma oportunidade importante de brigar e mostrar o que ele pode ser capaz de fazer. O SUS pode dar o atendimento à população de forma universal, é público, é o maior sistema do mundo. Só está subfinanciado, como temos denunciado, dentro de um governo que exerce uma austeridade fiscal altíssima e com a Emenda Constitucional 95 (EC/95), que congelou recursos por 20 anos. É o momento para a gente dizer que não podemos aceitar e lutar para reverter esse quadro. Mas a sociedade tem que vir junto, tem que entender a importância de brigar por isso.

Radis: De que forma o SUS pode ser estruturado para atender o fluxo?

Gulnar: Primeiro, temos que fortalecer a atenção primária, que é por onde conseguimos normatizar e organizar todo o cuidado. Políticas importantes foram destruídas e as que foram colocadas no lugar, como Médicos pelo Brasil ou Previne Brasil, não saíram do papel. Precisa ter financiamento efetivo, entendendo que a atenção primária tem que se recompor com as redes, garantindo o trabalho dos agentes comunitários de saúde, que é quem vai visitar a família, entender o problema e organizar o teleatendimento. Temos que investir muito nisso, porque é uma forma de atender sem fazer com que a transmissão do vírus aconteça.

Radis: O que é fundamental nesse momento no processo de conter a pandemia?

Gulnar: É preciso apresentar um plano articulado em nível federal, estadual e municipal onde estejam elencadas as prioridades. O que vai ser feito em relação à vigilância epidemiológica, atenção primária, o que vai ser fortalecido e qual o investimento que será feito para fortalecer as equipes. Quando a vacina chegar, tem que ter um plano de prioridades e aos poucos vai escalonando até chegar a toda população-alvo que precisa ser vacinada. Esse plano tem que estar claro. Se a vigilância epidemiológica identificar que tem pessoas com covid que necessitam de isolamento deve estar previsto para onde elas vão se o isolamento em casa não for possível. A Abrasco e 13 entidades e o Conselho Nacional de Saúde construíram um plano de enfrentamento onde fazemos 70 recomendações. Isso tem que aparecer dentro da atual necessidade que é continuar diminuindo a curva e evitar novos surtos.

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