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“É um genocídio tardar a demarcação de territórios” diz Inara Tavares

Vilma Reis

O Especial Abrasco – ABA sobre a questão indígena no Brasil traz ilustrações do carioca Matheus Ribs

A antropóloga Inara do Nascimento Tavares, é amazonense, de origem do povo Sateré Mawé, antropóloga, professora do curso de Gestão em Saúde Coletiva Indígena, do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena – Universidade Federal de Roraima. Inara é coordenadora adjunta da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco e concedeu entrevista para o Especial Abrasco – ABA sobre a questão indígena no Brasil sobre os direitos dos povos indígenas, assegurados na Constituição Federal de 1988, e o mais recente “janeiro vermelho”, onde manifestações marcaram o primeiro mês de Jair Bolsonaro que transferiu a responsabilidade de demarcação de terras indígenas do Departamento de Assuntos Indígenas do Brasil, Funai, para o Ministério da Agricultura, abrindo as portas para indústrias que buscam acesso a áreas protegidas da Amazônia. Os povos indígenas no Brasil continuam morrendo para o agronegócio, corporações de mineração e madeireiros ilegais.

Abrasco – As mudanças nas políticas para os povos indígenas prejudicarão de que maneira a continuidade dos processos demarcatórios?

Inara Tavares – O cenário de processos demarcatórios já estava fragilizado com a desestruturação da Fundação Nacional do Índio – Funai, como órgão responsável pela demarcação e proteção de terras indígenas. Restrições orçamentárias, falta de funcionários e pressões políticas desmantelam ainda mais o órgão indigenista. O mais preocupante são as terras que estão em processo de demarcação, no aguardo da portaria declaratória do Ministro da Justiça e as terras à espera da homologação, etapa realizada por decreto presidencial. Nesses territórios, se acirram ainda mais os conflitos fundiários, uma vez que o órgão indigenista é destituído de suas atribuições.

Outra questão de destaque são as políticas indigenistas do Estado brasileiro, em especial as políticas de saúde e educação, que são direcionadas aos povos indígenas em suas terras. Como é possível executar essas políticas públicas para povos indígenas sem a garantia de seus territórios? A garantia dos territórios é garantia de vida aos povos indígenas. É um genocídio tardar a demarcação de territórios.

Abrasco – A política fundiária do Estado brasileiro vem priorizando o agronegócio exportador?

Inara Tavares – A política fundiária, como também as políticas econômicas brasileiras priorizam o agronegócio. Nesse cenário, a afirmação de que “as terras indígenas são terras improdutivas, não geram lucros e impedem o desenvolvimento” ganha força, uma vez que a produção agrícola indígena não é para o agronegócio, tampouco almeja cenários de exportação. A produção indígena sustenta a si própria, de forma comunitária, como também os mercados locais (municipais, estaduais). As terras indígenas garantem a manutenção dos recursos naturais, e impedem o avanço do agronegócio, com sementes transgênicas e veneno. E isso é uma afronta ao Estado brasileiro. No caso de Roraima, por exemplo, temos várias terras indígenas rodeadas de soja e agronegócio. Muitos projetos governamentais de “desenvolvimento” que vêem essa terra como uma grande fronteira de exportação para o agronegócio. Mas esse projeto de desenvolvimento não enxerga os outros modos de vida nos territórios.

Abrasco – Os povos da terra podem se integrar às cadeias de extração de valor sem morrer como povo?

Inara Tavares – Cada povo indígena tem uma experiência de contato com a sociedade envolvente muito distinta, e também de relação com o Estado e acesso as políticas públicas. Há povos indígenas na Amazônia que tem feito experiências exitosas em relação a venda de produtos oriundos de sua produção e da biodiversidade, como as experiências do povo Baniwa do Alto Rio Negro -Amazonas, com a pimenta jiquitaia, e mais recente, a experiência do povo Yanomami na venda de cogumelos. São formas de gestão territorial, de etnodesenvolvimento. São decisões comunitárias e do povo indígena. Nesse sentido, aos povos indígenas que vislumbram essa possibilidade como etnodesenvolvimento comunitário devem ter suas ações apoiadas. O que faz um povo morrer é a falta de acesso a terra, água, sementes. Outras ações baseadas nas decisões comunitárias, de autonomia dos povos nos seus territórios, de respeito ao meio ambiente e a terra são ações que fortalecem e garantem vida as comunidades e ao povo.

Abrasco – A questão indígena deveria ser tratada como alerta ao nosso futuro: indígenas e não indígenas?

Inara Tavares – A questão indígena é uma questão de toda a sociedade brasileira. Enquanto a sociedade brasileira não reconhecer a diversidade dos povos indígenas e respeitar seus modos de vida, sua organização social e cultura – direitos garantidos aos povos indígenas na Constituição Brasileira – continuaremos a ser uma nação genocida com esses povos, mas também com todas as populações tradicionais. Reconhecer que os povos indígenas hoje ocupam a universidade com sua produção de conhecimento, que fazem arte, música, literatura. Não reproduzir uma visão distorcida e cristalizada de uma “cultura indígena”, considerando que entre os povos indígenas há uma grande diversidade de culturas, histórias e conhecimentos. E que são culturas vivas, em fluxo, em trocas. São povos que resistem desde os processos coloniais; a sociedade brasileira tem que aprender com os povos indígenas.

 

O Especial Abrasco – ABA sobre a questão indígena no Brasil traz ilustrações do carioca Matheus Ribs. O ilustrador se descreve como um cientista político em formação, um ilustrador da luta política. Ribs constantemente questiona a política, religião, amor, racismo, entre outros polêmicos temas e gentilmente cedeu estas ilustrações sobre a questão indígena.

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