O Brasil espera há 8 anos a conclusão do julgamento retomado neste 2 de agosto pelo Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade do crime de porte de drogas ilícitas. Que fique claro, não está em discussão a legalização de drogas atualmente ilícitas. Elas continuarão sendo apreendidas e sua produção e venda seguirão ilegais.
O argumento em debate é antes de tudo jurídico – por que criminalizar um ato que não prejudica diretamente terceiros? – mas as implicações da atual criminalização impactam a saúde e segurança públicas, prejudicando desproporcionalmente jovens, negros e moradores das periferias.
O Brasil não pode mais desperdiçar recursos da polícia, do judiciário e do sistema prisional numa guerra que persegue, processa e ainda prende pessoas que portam pequenas quantidades de drogas, enquanto mais da metade de nossos 50 mil homicídios anuais permanecem sem solução.
Mais de 30 países do Ocidente já descriminalizaram o uso de drogas, incluindo todos os grandes países da América Latina. Em nenhum desses países a descriminalização provocou um aumento significativo do uso de drogas ilícitas ou da criminalidade.
Pelo contrário, descriminalizar salva vidas. Por isso, a Organização Mundial da Saúde defende, desde 2014, a descriminalização do uso de drogas em todos os países. Sem a ameaça de serem processadas, pessoas que usam drogas aumentam seu acesso aos serviços de saúde. No caso de uma overdose, isso representa a diferença entre a vida e a morte.
Portugal, que descriminalizou todas as drogas há mais de 20 anos, melhorou a saúde de sua população, diminuindo radicalmente as mortes por overdose e a incidência de HIV e tuberculose. Por outro lado, aumentou a procura por tratamento e reduziu-se o seu custo.
Com o voto de Alexandre de Moraes, já são quatro os ministros do STF que julgaram inconstitucional a criminalização da pessoa que usa drogas. Não houve nenhum voto em contrário. Mas ainda há riscos.
Apenas o relator, Gilmar Mendes, defendeu a tese mais coerente, tanto do ponto de vista jurídico quanto de saúde coletiva, que descriminaliza o uso de todas as drogas ilícitas. Os outros três ministros defendem descriminalizar apenas o uso de maconha. O pedido de Gilmar Mendes, ao final da sessão de hoje, para rever seu voto pode indicar um recuo de sua posição, minoritária, seguindo a maioria que restringe o efeito da decisão apenas à maconha. Isso seria um retrocesso.
Falta também consenso entre os ministros quanto a definição de critérios (quantidade de droga apreendida) para distinção objetiva entre usuários e traficantes, um imperativo no Brasil, haja vista a racialização da polícia e do judiciário, que julgam brasileiros pela sua cor.
Depois de 8 anos de debate, o último grande país da América Latina a enfrentar esse tema não pode se permitir uma decisão tímida e incoerente que não estenda a todas as pessoas que usam drogas a possibilidade de cuidarem desse uso como um problema de saúde, e não de polícia.