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Eduardo Faerstein fala sobre os desafios contemporâneos do SUS

Nesta entrevista exclusiva à equipe do Departamento de Saúde Pública (SPB), o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Eduardo Faerstein, comenta sobre as ameaças de retrocesso que a saúde pública vivencia e as estratégias para tornar nosso sistema universal mais próximo dos brasileiros. Médico sanitarista, doutor em Epidemiologia e professor associado do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), Faerstein esteve em Florianópolis para proferir a conferência de abertura do III Congresso Catarinense de Saúde Coletiva e I Seminário de Bioética, realizado no final de agosto. Confira a entrevista na íntegra ou clique aqui para ler a publicação original.

Saúde Pública UFSC: Em sua conferencia sobre os desafios na defesa do SUS, realizada no III Congresso Catarinense de Saúde Coletiva, o senhor comentou sobre a importância do sistema universal de saúde para a população brasileira. Nesse sentido, para quem o sistema é importante e como fazer com que essas pessoas acreditem nele como um direito?

Eduardo Faerstein: O SUS é muito maior do que grande parte das pessoas acham. Pelo texto constitucional, além de ser responsável pela assistência médica — que é o que em geral se associa automaticamente à expressão SUS –, o sistema universal de saúde brasileiro é responsável por um amplo conjunto de atividades de prevenção, e de promoção da saúde. Muitas histórias de sucesso do SUS estão relacionadas à programas que não são de assistência médica, como por exemplo o programa de imunizações, e o de controle do tabagismo, valorizado internacionalmente.

Mas o Brasil gasta menos com saúde por habitante do que vários países com grau de desenvolvimento menor que o nosso. Na verdade, não é de hoje que o SUS é subfinanciado, o que impede que o sistema desenvolva plenamente as atividades pelas quais ele é constitucionalmente responsável. A crise econômica no Brasil, levando a políticas mais radicais de austeridade, vem agravando um problema que existe desde a sua criação.

+ Acesse na íntegra a apresentação de Eduardo Faerstein
+ Terceiro congresso catarinense de Saúde Coletiva evidencia produção regional

Saúde Pública UFSC: A crise mais aguda que você comenta é o subfinanciamento, porém quais são os outros desafios que o SUS enfrenta hoje?

Eduardo Faerstein: São numerosos os desafios. Podemos começar pela desarticulação entre as esferas de governo, quando, na verdade, deveria haver Regiões de Saúde com comando único e gestão transparente e republicana, que reunissem as esferas municipal, estadual e federal, que se articulam mal no país. Existe uma proposta de criação de uma carreira unificada para os profissionais da atenção básica, na qual todos seriam funcionários do SUS — entrariam por concurso e escolheriam onde trabalhar com base na sua classificação, como é feito com o vestibular. Outro ponto: muitos entre nós da Saúde Coletiva acreditam que existe um excesso de cargos comissionados, de livre provimento pelos governantes. Isso faz com que muitas políticas se tornem políticas de governo e não de Estado; quando muda o governo, muita coisa se desmancha – um eterno retorno. Seria melhor que muitos desses cargos comissionados fossem preenchidos por seleção pública, a que as pessoas se candidatassem, e poderia então haver uma profissionalização maior da gestão.

Saúde Pública UFSC: Em sua palestra, o senhor também citou outras dificuldades como o controle sobre a destinação dos recursos, o combate à corrupção e o investimento na Atenção Básica. O senhor poderia comentar essas questões?

Eduardo Faerstein: Claro, porque não basta reivindicar mais recursos, é preciso discutir onde eles vão ser utilizados. Muitas vezes prefeitos, por exemplo, preferem construir hospitais, que dão mais visibilidade política, do que investir na rede básica,e se articular com municípios vizinhos para o atendimento hospitalar.

A corrupção é um problema crônico: práticas de gangsterismo fazem com que também na saúde haja imensos ralos por onde são drenados recursos públicos.

A luta é por financiamento público restrito ao setor público de saúde. Houve estímulos governamentais ao crescimento do setor privado de planos de saúde por meio de múltiplos mecanismos, como exonerações fiscais. Isso é uma distorção: o setor privado que se organize de acordo com a livre concorrência, com suas próprias pernas. É distorção similar àquela em que dinheiro público subsidiou os “campeões nacionais”, como as grandes empreiteiras..

A Estratégia de Saúde da Família (ESF) revelou-se uma forma bem sucedida de organizar a assistência à saúde e os cuidados de prevenção de modo mais próximo da população, com o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde. A ESF cresceu muito, mas ainda carece de maior expansão e de aperfeiçoamento progressivo.

Temos também que avançar muito em relação à intersetorialidade, prevista na Constituição, entre a saúde e as mais variadas áreas (educação, saneamento, segurança, meio ambiente). A assistência à saúde das pessoas é um componente importante para a manutenção de bons indicadores populacionais, mas a saúde da população é resultado de muitos outros fatores. As pessoas que estão carentes de moradias adequadas, saneamento básico, transporte e segurança vão ter sua saúde comprometida. Mas muita gente, , quando fala em SUS, pensa só nas filas para a assistência médica e esquecem que o SUS também tem responsabilidade sobre tudo o mais na vida social que influi sobre a saúde dos cidadãos. Existem muitas boas experiências em programas e municípios específicos que trabalham mais com a noção de intersetorialidade, mas falta fazer um inventário das práticas mais bem sucedidas e aplicá-las onde ainda não existem.

Saúde Pública UFSC: Existem iniciativas bem sucedidas, mas, ao mesmo tempo, boa parte da população compartilha uma visão negativa do SUS. Como comprovar a eficiência e a importância do nosso Sistema Único de Saúde?

Eduardo Faerstein: Devemos reinventar o discurso com dados e evidências concretas da superioridade dos sistemas de saúde públicos e universais, em comparação a sistemas baseados em oferta privada de planos e seguros de saúde. É preciso mostrar à população o que é o SUS, o que já vem sendo feito e suas potencialidades, pois a maioria desconhece. Não devemos nos limitar à retórica já batida de defesas de políticas públicas sem convencer as pessoas de que aquilo será de fato melhor.

Essa realidade de que o Brasil ainda gasta pouco com saúde precisa ser conhecida. É preciso usar de maneira inteligente as novas e as velhas mídias para construção de uma nova cultura sanitária e, com isso, um ciclo de novos mecanismos de pressão sobre o Legislativo e o Executivo.

Eu apoio integralmente a declaração do nosso companheiro Nelson Rodrigues dos Santos, uma pessoa com história muito importante na Saúde Coletiva brasileira, quando disse, em reunião recente do Fórum da Reforma Sanitária, que “é necessário, sem mea culpa e sem apontar o dedo, responder onde residiram os erros e distorções do tucanato e do petismo. Erros e distorções que aconteceram por não ouvirem a sociedade”. Para Nelsão, não estamos a desconstruir o SUS porque não chegamos a concluir a construção dele e “devemos terminar nosso trabalho!”.

Saúde Pública UFSC: Em meio a atual crise política, quais são as preocupações da ABRASCO quanto aos caminhos da saúde brasileira?

Eduardo Faerstein: Há vários anos ocorrem retrocessos em relação a conquistas anteriores, e o medo é que esses retrocessos se acentuem e cheguem a áreas que ainda estavam preservadas. Se as políticas de austeridade reduzirem o orçamento já restrito da saúde, outros avanços, como a expansão da Estratégia de Saúde da Família, também serão comprometidos.

Saúde Pública UFSC: Um desses retrocessos é a proposta de criar planos de populares de saúde, mais baratos e com menos serviços do que os já existentes. Qual sua opinião sobre essa questão?

Eduardo Faerstein: No início de 2013, houve a divulgação de que o governo federal negociava a ampliação dos planos de saúde através do estímulo à criação de planos mais acessíveis. Na época, a Abrasco se manifestou com clareza de que se tratava de um grande engodo, pois o que se propõe são planos baratos no preço e medíocres na cobertura assistencial.

Para a Abrasco, em uma sociedade democrática que aspira à justiça social, é inaceitável a intenção do governo de abdicar da consolidação do SUS, ao apostar no avanço de um modelo privatista caro e ineficiente.

A recente retomada dessa ideia pelo governo Temer foi requentada do que já tinha sido ventilado há três anos. Ao invés de reforçar o SUS, essas “novas” propostas visam a criação de planos pobres para pessoas pobres, o que contraria os princípios de integralidade na assistência à saúde.

Saúde Pública UFSC: Como a sociedade pode se organizar para defender a saúde pública brasileira?

Eduardo Faerstein: Esse III Congresso Catarinense de Saúde Coletiva é uma oportunidade de estudantes e profissionais aumentarem seu grau de compreensão sobre o SUS.

[E para além do espaço das universidades?]

Eduardo Faerstein: Ao invés de ficar na “bolha”, pregando aos já convertidos, devemos usar as novas e as velhas mídias de forma inteligente e criativa para chegar até as pessoas. A divulgação de matérias sobre o SUS é quase sempre das suas deficiências, e raramente de suas conquistas.

Saúde Pública UFSC: Sobre o Congresso Brasileiro de Epidemiologia que nós vamos sediar em outubro do ano que vem: esse evento é promovido pela Abrasco a cada três anos e em 2017 teremos a honra de sediá-lo. Qual a sua expectativa e da Abrasco com esse evento sediado aqui ano que vem?

Eduardo Faerstein: O Departamento de Saúde Pública da UFSC tem um dinamismo notável. Não foi por acaso que aqui se realizou recentemente a reunião do Fórum de Coordenadores de Pós-Graduação em Saúde Coletiva; este é um dos poucos estados que conseguem realizar um congresso estadual de Saúde Coletiva – e vocês já estão no terceiro – e que ano que vem sediará o Congresso Brasileiro de Epidemiologia, um dos que a Abrasco promove com periodicidade regular. Há um enorme trabalho envolvido nisso, são dezenas de pessoas cuidando de aspectos científicos e logísticos, e o desafio se torna ainda maior no momento que vivemos, de carência de recursos. Mas já sabemos que teremos aqui em Floripa um belíssimo congresso em 2017!

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