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 POSICIONAMENTO ABRASCO 

Em defesa das ações de saúde sexual e reprodutiva no contexto da pandemia da Covid-19

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO – e o Centro de Estudos de Saúde – CEBES, integradas por docentes, pesquisadoras e pesquisadores, profissionais de saúde, enquanto entidades do Movimento da Reforma Sanitária, defensoras do Sistema Único de Saúde (SUS) e de suas políticas públicas de assistência integral à saúde das mulheres, em todas as fases do ciclo de vida, da adolescência à velhice, manifestam imensa preocupação e indignação com a revogação pelo Ministério da Saúde (MS) da Nota Técnica Nº 16/2020 – COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS , sobre o acesso à saúde sexual e saúde reprodutiva no contexto da pandemia da Covid-19, emitida na data de 01/06/2020 pela Coordenação de Saúde das Mulheres deste Ministério, com consequente punição e exoneração da equipe que apenas cumpria com suas atribuições na gestão pública. Expressamos nossa solidariedade e apoio à equipe técnica da Coordenação de Saúde das Mulheres que, em momento de extrema arbitrariedade e desgoverno no âmbito do MS, buscou atender exigências humanitárias e assegurar o direito à assistência à saúde, primordiais em contexto de emergência sanitária mundial.

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Com certo atraso em relação a outros países do continente europeu e das Américas do Sul e do Norte, também acometidos pela pandemia da Covid-19, a Nota Técnica citada cumpria o objetivo de assegurar o acesso das mulheres a serviços de saúde considerados essenciais, como o planejamento reprodutivo, que inclui ações de aconselhamento, orientação e fornecimento de insumos contraceptivos e de proteção às IST/HIV, o atendimento à violência sexual, bem como a garantia de funcionamento dos serviços de aborto legal, assegurado pelo SUS e previsto em lei em três circunstâncias: gravidez decorrente de estupro; anencefalia fetal e em situações em que a interrupção da gestação seja a única forma de salvar a vida da gestante.

A exemplo de ampla discussão promovida pela Organização Mundial de Saúde1, Organização Pan-Americana de Saúde, organismos multilaterais de defesa dos direitos humanos e vasta produção científica2 , a garantia e manutenção dos serviços de saúde sexual e saúde reprodutiva durante a pandemia da Covid-19 têm sido considerados essenciais. A interrupção destes serviços em epidemias anteriores resultou no aumento de gravidezes não pretendidas, aborto inseguro e mortalidade materna. A atenção à contracepção, pré-natal, parto, pós-parto, e aborto em situações previstas por lei é, portanto, uma estratégia que salva a vida das mulheres e previne mortes evitáveis.

Com as medidas de distanciamento social adotadas no país, que restringem o deslocamento físico das mulheres, sobrecarregadas com o acúmulo de tarefas domésticas e de cuidado com filhos, familiares idosos e/ou adoecidos, o fechamento de muitos serviços de atenção básica, a reordenação da assistência à saúde priorizando o cuidado aos infectados pela Covid-19, inúmeros problemas advindos da interrupção no uso de contraceptivos e de preservativos para proteção às IST surgem, gerando novas gravidezes não-pretendidas, novas infecções e adoecimento, aborto inseguro. Da mesma forma, podem ocorrer problemas de acesso, em tempo oportuno, aos serviços de pré-natal, na atenção institucionalizada ao parto e ao pós-parto.

A pandemia, que exige o distanciamento social, gerou aumento da violência de gênero e da violência sexual em razão da imensa desigualdade de gênero vigente no Brasil, agravada pela prolongada convivência em ambiente doméstico, sob forte tensão e constrangimentos estruturais, relacionados ao desemprego, à escassez de recursos financeiros, às condições precárias de moradia, à violência perpetrada pelo Estado em muitos territórios e comunidades periféricas. Exatamente agora, na pandemia, as adolescentes e mulheres precisam ter seus direitos sexuais e reprodutivos resguardados, com assistência à saúde para dispensação de contracepção de emergência, do DIU para as que assim o desejem, de preservativos para proteção à saúde. Em momento de destruição de políticas públicas no Brasil, de luta cotidiana pela sobrevivência, de enfrentamento à pandemia, de condições de trabalho muito precárias, não podemos punir uma vez mais as usuárias do SUS, em sua maioria mulheres pobres, negras, que dependem do Estado para cuidar de sua saúde, interrompendo serviços de saúde sexual e de saúde reprodutiva considerados essenciais neste contexto de crise sanitária.

Assim, valorizamos como imprescindível a Nota Técnica nº 16/2020, produzida pelas técnicas da Coordenação da Saúde das Mulheres, quando acertadamente estabelece e orienta no item 2.9: “Portanto, devem ser considerados como serviços essenciais e ininterruptos a essa população: os serviços de atenção à violência sexual; o acesso à contracepção de emergência; o direito de adolescentes e mulheres à SSSR e abortamento seguro para os casos previstos em Lei; prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo diagnóstico e tratamento para HIV/AIDS; e, sobretudo, incluindo a contracepção como uma necessidade essencial”.

Rio de Janeiro, 06 de junho de 2020

Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Centro Brasileiro dos Estudos da Saúde – Cebes

REFERÊNCIAS:
1 – Cf. documentos divulgados pela WHO durante pandemia Covid-19:  https://www.who.int/publications/i/item/10665-332240 ; https://www.who.int/reproductivehealth/publications/emergencies/WHO-COVID-Q-and-A-contraception-por.pdf?ua=1https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52016/OPASBRACOVID1920042_por.pdf?ua=1
 2-Hussein J. (2020): COVID-19: What implications for sexual and reproductive health and rights globally? Sexual and Reproductive Health Matters, DOI:10.1080/26410397.2020.1746065 – Disponível em: https://doi.org/10.1080/26410397.2020.1746065; Todd-Gher J; Shah PK. (2020): Abortion in the context of COVID-19: a human rights imperative, Sexual and Reproductive Health Matters, DOI: 10.1080/26410397.2020.1758394 Disponível em: https://doi.org/10.1080/26410397.2020.1758394; Wenham C; Smith J; Morgan R; Gender and COVID-19 Working Group. COVID-19: the gendered impacts of the outbreak www.thelancet.com Vol 395 March 14, 2020. Disponpivel em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30526-2; COVID-19: Contraception & Planification Familiale. Déclaration FIGO – COVID-19. Disponível em: https://www.figo.org/covid-19-contraception-planification-familiale; UNFPA. Impact of the COVID-19 Pandemic on Family Planning and Ending Gender-based Violence, Female Genital Mutilation and Child Marriage. Interim Technical Note Information as of 27 April 2020 UNFPA.; Chattu VK; Yaya S. Emerging infectious diseases and outbreaks: implications for women’s reproductive health and rights in resource poor settings.Reproductive Health (2020) 17:43.

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