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“Enfrentar o coronavírus significa fortalecer o SUS e o trabalho dos profissionais de saúde” – Entrevista com Victor Grabois

Comunicação Abrasco

Presidente da Sobrasp destaca procedimentos técnicos e debate político para que o país atravesse uma esperada alta de casos da Covid-19


Ainda que subfinanciado e com problemas crônicos de gestão, o Brasil tem um dos sistemas de saúde mais bem sucedidos de todo o mundo, e saberá lidar com momentos importantes como a atual pandemia da Covid-19”. É dessa forma que Victor Grabois destaca a importância do SUS para o cenário de incerteza que se aproximará nas próximas semanas, com uma esperada explosão de infecções respiratórias promovidas pelo coronavírus (SARS – CoV-2).

Médico sanitarista com ampla experiência na gestão de unidades, professor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz) e presidente da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP), Grabois  destaca os mais diversos aspectos dos serviços de saúde pública no atendimento à população e na orientação aos profissionais de saúde. Segundo Grabois, a resposta ao coronavírus passa pelo fortalecimento do SUS e o trabalho dos profissionais de saúde, sem esquecer de antigos e crônicos problemas, como os surtos de sarampo e o aumento dos casos de dengue. Confira a entrevista abaixo.

Abrasco: Quais devem ser as principais diretrizes a orientar profissionais e os serviços de saúde do SUS na recepção e no tratamento de pacientes com suspeita e/ou confirmação da Covid-19?

Victor Grabois: No momento atual, em que devemos esperar um aumento importante de casos, com ênfase cada vez maior na transmissão comunitária/sustentada, os profissionais de saúde devem observar atenção especial ao quadro clínico nas faixas etárias mais vulneráveis, como idosos, em geral com morbidade pré-existente, onde a letalidade é mais importante, assim como crianças, e também gestantes. A atenção a esses pacientes mais vulneráveis e que apresentem quadro mais graves é uma clara prioridade, tanto na assistência, provendo leitos, se for a necessidade, quanto em relação à testagem do coronavírus, para a eventual adoção de medidas de vigilância à saúde, como isolamento domiciliar e o uso de máscaras faciais. Em relação à população em geral, a adoção de medidas básicas, como a higienização das mãos com álcool gel, a adoção de etiqueta respiratória, evitar aglomerações se estiver doente, entre outros pontos. Existem medidas gerais de que os processos de acolhimento e triagem de pacientes com sintomas respiratórios sejam rápidos e organizados em locais específicos nos serviços de saúde e que os pacientes com sintomas respiratórios que cheguem às unidades de saúde sejam orientados de imediato a usarem máscaras cirúrgicas.

Abrasco: Além das orientações dos serviços, os próprios profissionais devem ter em mente que a segurança deles é também a segurança dos demais pacientes e comunidade. Há procedimentos anteriores que todo e qualquer profissional de saúde de seguir?

Victor Grabois: Há uma grande preocupação com a disseminação do coronavírus intra-hospitalar, assim como dentro das unidades de atenção básica e UPAs. Se espera que na comunidade em geral um portador do vírus infecte de 2 a 3 pessoas, mas no âmbito dos serviços de saúde um profissional de saúde que esteja contaminado pode infectar até 9 pessoas. Os profissionais de saúde que estão no cuidado direto com os pacientes devem usar as máscaras cirúrgicas nos atendimentos em geral, e máscaras N95 em procedimentos que possam gerar aerossóis. Devem observar também as práticas adequadas de higienização das mãos, em todos os cinco momentos preconizados pela OMS e pelo Ministério da Saúde. Veja que essa recomendação é válida como uma medida básica, que deve ser observada em qualquer contexto assistencial, mas que agora frente à essa pandemia, ganha ainda mais importância. Além disso, os profissionais de saúde e de apoio devem utilizar óculos ou protetor facial, luvas de procedimento; gorros e aventais. Os profissionais de saúde devem contar com o apoio da gestão das unidades de saúde, para que esses insumos estejam presentes; os ambientes sejam adequados e a composição das equipes seja aquela preconizada pela ANVISA e pelos órgãos de controle do exercício profissional. Segurança do Paciente e do profissional depende de cada profissional, mas também os fatores organizacionais, a disponibilidade de recursos e o suporte da liderança são fundamentais, ainda mais frente a uma epidemia.

Abrasco: A Itália começou com o trabalho de internação para os pacientes mais frágeis, mas já não há UTIs para todos, e passou a recomendar a internação doméstica. Hoje, o SUS tem estrutura suficiente para abraçar internações de pacientes que precisem de terapia intensiva?

Victor Grabois: A resposta a essa pergunta não é simples. O SUS já vive um déficit de leitos de terapia intensiva. Nossa população é cada vez mais idosa, faixa etária essa com muitas comorbidades. É exatamente essa população que mais sofre com a Covid-19, podendo a letalidade chegar a 8% para os pacientes com mais de 70 anos e a 15% para os pacientes com mais de 80 anos. Além disso, esses pacientes ocuparão leitos de UTI em torno de 3 semanas, o que demanda mais leitos, pois a rotatividade de cada leito será baixa. O MS anunciou que contratou mais mil leitos de UTI, além dos leitos públicos existentes. Mas, para mim, é nítido que poderemos precisar de muito mais, e existem leitos de UTI a serem credenciados e outros que estão fechados por falta de recursos humanos e/ou de insumos. O MS, os estados e municípios precisam e precisarão de recursos novos para enfrentar a epidemia, seja para a assistência hospitalar seja para a atenção primária. É hora de se revogar a EC 95, que fixa um teto para as despesas orçamentárias da União, prejudicando diretamente a Saúde e a Educação. Como responder a uma pandemia em um país como o Brasil, demandando leitos de terapia intensiva e ampliação da atenção básica, em mais de 6 mil municípios e 26 estados e no DF, sem o aporte de novos recursos?

Abrasco: Com o tamanho que a pandemia pode alcançar, provavelmente serão necessárias internações domésticas e uso da estrutura ambulatorial de UPAs, bem como equipes de Saúde da Família. Para esses profissionais e estruturas da Atenção Básica, quais devem ser as orientações?

Victor Grabois: As internações que demandem cuidados intensivos só podem acontecer em ambientes hospitalares, na enorme maioria das situações. É preciso que consigamos atuar de forma que os pacientes com quadros respiratórios agudos graves sejam testados para o coronavírus, de forma a interromper essa cadeia de transmissão na comunidade. As unidades de atenção básicas devem ser fortalecidas, ampliando suas equipes e a disponibilidade de insumos, melhorando a integração no âmbito da rede de serviços de saúde e garantindo aos profissionais informação e educação sobre o manejo clínico e as medidas de prevenção e controle do novo coronavírus. Da mesma forma que nos hospitais, nas UPAs e nas Clínicas da Família, profissionais de saúde devem utilizar todas as medidas de precaução; higienizar adequadamente as mãos; definir ambientes adequados para a atenção a pacientes com sintomas respiratórios e usar os EPI adequados e orientados. Além disso, todos os pacientes que estejam voltando de qualquer país estrangeiro e forem sintomáticos devem ser testados.

Abrasco: Num país como o Brasil, qual papel a rede privada deve cumprir, no tema da segurança do paciente e dos profissionais?

Victor Grabois: O papel da rede privada deve ser um papel complementar ao do SUS, como previsto na Constituição Federal de 1988. Os passos iniciais do enfrentamento à Covid-19 aqui no Brasil mostraram inequivocamente que sem o SUS e suas instituições de atenção à saúde, vigilância em saúde, pesquisa e educação, não conseguiríamos fazer frente à epidemia. Têm sido distintivos no trabalho do SUS a identificação do código genético do coronavírus; a realização dos testes diagnósticos em instituições de referência (Fiocruz e Adolfo Lutz) e a consequente capacitação dos outros laboratórios; o conjunto das orientações emanadas do MS e todo o trabalho de vigilância em saúde realizado pela União, estados e municípios. Enfrentar o coronavírus significa fortalecer o SUS e o trabalho dos profissionais de saúde. Juntos com o setor privado, todos aprendendo com todos, conseguiremos enfrentar a Covid-19, como já se conseguiu anteriormente com outras epidemias.

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Entrevistas e edição das matérias: Bruno C. Dias e Pedro Martins
Arte: Hara Flaeschen

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