A Universidade Federal da Paraíba tem uma longa história de construção científica de modo socialmente referenciado e tem pavimentado este caminho através da Extensão Universitária: a UFPB é uma das pioneiras na realização de experiências de extensão universitária orientadas pelos princípios pedagógicos, éticos, políticos e metodológicos da Educação Popular. Por esta trajetória de convivência dos atores acadêmicos com os atores comunitários, enfrentando e sentindo juntos as particularidades do viver em contextos de exclusão e de vulnerabilidade, a Universidade acolherá a oitava edição do Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco entre os dias 26 e 30 de setembro de 2019, em João Pessoa.
Para saber mais sobre este caminho de construção científica onde os protagonistas não sejam apenas os acadêmicos e para pensar o desafio, que não é apenas científico, mas é ético, político e epistemológico, de incluir de forma protagônica o conhecimento anterior da população nos processos de pesquisa e de ação social, a Abrasco e a Ascom/UFPB conversaram com o presidente da Comissão Organizadora Local, professor Pedro Cruz – do Departamento de Promoção da Saúde do Centro de Ciências Médicas da UFPB, Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba. Pedro é ainda da coordenação do Grupo Temático Educação Popular em Saúde e da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco.
Confira a entrevista:
Abrasco e a Ascom/UFPB – do que trata um encontro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde?
Pedro Cruz – O 8º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde é um dos principais encontros acadêmicos e científicos da Abrasco, sendo promovido pela Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, a qual constitui uma entre três Comissões que reúnem os eixos de ação estratégicos dessa Associação e do próprio campo da Saúde Coletiva brasileira.
Historicamente, a área das Ciências Sociais e Humanas em Saúde (CSHS) vem se constituindo como aglutinadora e integradora de um rico mosaico de grupos de pesquisa e de estudo, de projetos científicos, de projetos de extensão, de estratégias inovadoras de ensino, bem como de inciativas e processos de ação social, política e comunitária no âmbito da Saúde Coletiva, particularmente no que se refere à interface da saúde com as dimensões e referenciais como a antropologia, a história, a sociologia, a filosofia, a educação, a arte, entre outras. Sobretudo, a área das CSHS coloca em foco as relações sociais, suas dinâmicas, as subjetividades humanas e suas ligações com a sociedade, bem como os processos de determinação social da saúde e suas implicações no cuidado.
Esse Congresso constitui um dos mais consolidados espaços de discussão da Saúde Coletiva brasileira, sendo promovido sistematicamente desde os anos de 1990, e caracterizando-se sempre pelo diferencial de buscar acolher iniciativas de análise, de reflexão e de conhecimentos que valorizassem a implicação científica em contextos sociais de forma compromissada com a superação dos problemas e com o enfrentamento – ético e científico – a todo e qualquer processo de exclusão social e de desumanização. Com isso, os Congressos de CSHS sempre constituíram espaços potentes para fortalecimento dessa perspectiva do fazer científico em Saúde Coletiva, bem como no apontamento de questões para contribuição com o aprimoramento das políticas públicas em saúde.
Abrasco e a Ascom/UFPB – Como será colocado o tema central “Igualdade nas diferenças: enfrentamentos na construção compartilhada do bem viver e o SUS”?
Por sua vez, o bem viver constitui uma perspectiva tecida ao longo de muitas gerações pelos povos andinos e praticada pelos povos indígenas, a qual implica pensar e implementar modos de existir orientados pela convivência solidária, fraterna e colaborativa com o outro, com a natureza e com os demais seres vivos, bem como envolvendo uma concepção de saúde que pressupõe um viver com plenitude, com dignidade, com felicidade e com o exercício das potencialidades humanas, de suas vocações e de suas diversas expressões. Além disso, pela relação das pessoas com os seres não humanos, incluindo-se muito além dos seres vivos e da natureza, mas também a fé, as espiritualidades, as dimensões de mistério e de não explicado do viver.
Abrasco e a Ascom/UFPB – como o encontro se articulará com a conjuntura política atual?
Abrasco e a Ascom/UFPB – como está a programação científica do congresso?
Pedro Cruz – O evento contará com diferentes espaços para debate crítico e reflexivo, bem como para aprendizado com experiências, ideias e formulações de diferentes atores. O Pré-Congresso ocorrerá no dia 26 de setembro e na manhã do dia 27 de setembro. Nele, ocorrerão oficinas, mini-cursos, reuniões e outras atividades. Cumpre destacar que essas atividades, bem como as mesas redondas, foram inicialmente propostas por toda a comunidade da Saúde Coletiva em chamada pública, e depois foram avaliadas pela comissão científica do Congresso, a qual primou por incluir o máximo possível de temas, abordagens, linguagens e perspectivas que pudessem contribuir para o tema do Congresso e para a área de CSHS, evidentemente desde que cumpridos os critérios da chamada, dentre os quais estava valorizada a interregionalidade na composição do grupo dos proponentes e a participação de diferentes vozes e lugares: integrantes de movimentos sociais, de trabalhadores de saúde, pesquisadores, professores e estudantes da área de saúde.
Durante o Congresso, a programação haverá 38 mesas redondas, as quais contemplam uma diversidade significativa de temas, enfoques e perspectivas caros à área e importantes para o atual contexto brasileiro. Além das mesas, teremos 2 Debates Emergentes, os quais aglutinarão todo o público do Congresso na perspectiva de trazer à tona as principais dimensões enfocadas pelo tema com pessoas com trajetória de ações e de produções amplamente reconhecida. De modo articulado aos Debates Emergentes, ocorrerão rodas de conversa para ampliar a possibilidade de diálogos e de reflexões compartilhadas a partir das contribuições dos expositores dos Debates. Em cada dia, serão 03 Rodas que irão valorizar a participação dos diferentes atores do campo da saúde e sua visão acerca dos desafios colocados no atual contexto em cada tema apontado.
Abrasco e a Ascom/UFPB – também haverá Ato Público?
Pedro Cruz – Sim, um espaço muito importante estará no Ato Público. Desde o 7º Congresso, a Comissão de CSHS incluiu na grade de programação essa atividade visando abrir espaço para que diferentes atores sociais com protagonismo na saúde pudessem explicitar suas lutas e seus posicionamentos políticos diante de problemáticas e situações-limite vivenciadas pelas pessoas e pelos movimentos sociais organizados. Tendo sua construção mobilizada por um contexto social e político brasileiro cada vez mais permeado por ameaças aos direitos, às políticas sociais e à democracia na agenda pública do Estado, o Ato, centralmente, terá como fio condutor a defesa do SUS e da Democracia.
Acreditamos que o espaço central do Congresso estará nos Grupos Temáticos (GT), dentro dos quais serão apresentados os relatos de pesquisas e os relatos de experiências que foram submetidos pela comunidade científica e social de todo o país e aprovados pela comissão científica. Contudo, uma marca especial dos GTs será não se pautarem apenas pelas tradicionais apresentações de trabalhos. Há uma recomendação que cada GT tenha início com um painel de experiências sociais com potência de reflexão e de apontamento de questões no tema do GT, sendo tal painel seguido de comunicações orais com debates e finalmente com uma Oficina, na qual serão coletivamente elencadas as principais questões que emergiram nos debates dos GTs, em especial propostas que, naquela temática, contribuam para o campo da CSHS, para o campo do conhecimento no tema do Congresso, bem como para as políticas públicas, o processo dos trabalhadores de saúde e a ação dos movimentos sociais.
Abrasco e a Ascom/UFPB – por que a UFPB como palco deste congresso?
Pedro Cruz – A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) tem uma longa história de construção científica de modo socialmente referenciado. Ao longo das últimas décadas, são inúmeros e marcantes os exemplos de professores, de técnicos e de estudantes que se dedicam a não apenas pesquisar, ou de não somente intervir, mas de conviver com a realidade social, com seus protagonistas e com suas dinâmicas exigentes e multifacetadas. Ou seja, não apenas pesquisar “sobre”, ou atuar “para” a comunidade, mas pesquisar e atuar “com” a comunidade, incluindo os conhecimentos oriundos das experiências de trabalhadores de saúde e de atores do campo social no processo. Tal característica foi delineada a partir da convivência dos atores acadêmicos com os atores comunitários, enfrentando e sentindo juntos as particularidades do viver em contextos de exclusão e de vulnerabilidade, criando um vínculo que dá sentido ao compromisso social pela humanização das pessoas.
Essa perspectiva constitui, em verdade, um princípio ético e epistemológico, que não é próprio apenas da UFPB, tampouco é característico apenas do Brasil. A construção compartilhada do conhecimento constitui perspectiva oriunda de um amplo e antigo movimento de iniciativas e experiências no que se chama preponderantemente de pesquisa participante, como também de denominações outras, com abordagens e metodologias próximas a essa. Carlos Rodrigues Brandão historiciza de maneira precisa as origens dessa modalidade de fazer pesquisa, indicando que a mesma surge em tempos próximos mas em diferentes lugares, tendo como base diversificadas práticas sociais, articulando diferentes pressupostos teóricos e caminhos metodológicos.
Nesse percurso, vem se tecendo uma profícua aproximação com protagonistas da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco e com protagonistas do Grupo Temático de Educação Popular também da Associação e de outros coletivos, e muitos bons frutos desse diálogo têm brotado, dentre eles, principalmente, um debate sobre o tema da construção compartilhada do conhecimento na pesquisa e na ação social. Tal debate vem junto da intencionalidade de enfatizar a centralidade do diálogo crítico, propositivo e transformador da universidade e dos atores do campo acadêmico com os movimentos sociais, as práticas populares e as experiências de ação social e educativa no âmbito comunitário. Valorizar, no processo de produção do conhecimento, os “saberes de experiências feitos”, como dizia Paulo Freire.
Nessa direção, será um destaque especial do evento a homenagem que faremos, na abertura do Congresso, a Dona Palmira Lopes, educadora popular e liderança comunitária que é uma das coordenadoras do Movimento Popular de Saúde da Paraíba, sendo referência do Assentamento Novo Salvador, no município de Jacaraú, no interior da Paraíba. Desde os anos de 1970 atua em experiências e trabalhos sociais de integração entre os conhecimentos populares e os conhecimentos científicos na construção de processos de cuidado integral em saúde (em especial pela fitoterapia) e em ações de luta por direitos sociais e humanos para os grupos populares. Nos últimos anos, têm percorrido o país junto com a Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde (ANEPS) defendendo a implementação da Política Nacional de Educação Popular em Saúde no SUS e a integração dos protagonistas das práticas populares e comunitárias de cuidado nos serviços de saúde. Durante o Congresso, lançaremos livro de sua autoria com a sistematização de suas trajetórias e reflexões. Além disso, o Auditório principal do evento será batizado com seu nome: Tenda Palmira Lopes.
Abrasco e a Ascom/UFPB – Faltando pouco mais de 1 mês, qual a expectativa?
Pedro Cruz – A organização do 8º CBCSHS espera criar contextos propícios ao diálogo de conhecimentos e ao compartilhamento de estudos, de pesquisas e de experiências dedicadas, em várias interfaces e temáticas, para a promoção do bem viver e para a defesa do direito a saúde e o aprimoramento do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, na medida em que os encontros humanos são potentes mobilizadores, espera-se também que esse Congresso fortaleça a dedicação e o compromisso dos vários atores sociais para continuarem empenhando esforços de estudos, de pesquisas e de trabalhos sociais em Ciências Sociais e Humanas em Saúde nos vários contextos – seja nos serviços de saúde, seja nos movimentos sociais, seja nas universidades e centros de ensino. Com isso, produzindo, compartilhando e visibilizando conhecimentos, reflexões críticas e apontamentos que contribuam com o debate público e não apenas questionem, mas apontem possibilidades e propostas para a constituição de espaços onde a construção da saúde se dê pela busca incessante e compartilhada do bem viver.
Finalmente, será muito especial discutir tais temáticas no contexto das comemorações dos 40 anos da Abrasco, representando de modo firme e sistemático a dedicação e a implicação da Associação e de seus protagonistas em uma construção científica e profissional integrada aos exigentes desafios impostos pela realidade e que se dá de modo dialogado com os demais atores sociais que fazem, concretamente, a saúde e suas dinâmicas – como dito antes, desde estudantes universitários, até técnicos, trabalhadores e especialmente as pessoas em seus contextos de vida e em seus movimentos sociais na busca por direitos e pelo viver com plenitude, autonomia e felicidade.