Muitas vezes entendida apenas como uma política que fechou manicômios e abriu serviços comunitários de saúde mental, os CAPS, a Reforma Psiquiátrica brasileira, materializada pela lei 10.216/2001 e registrada no calendário das efemérides pelo 18 de maio, dia da luta antimanicomial, é muito mais do que isso.
Com origens no final da década de 1970, o movimento da Reforma e da luta antimanicomial traz a compreensão de que os problemas mentais não são apenas diagnósticos psiquiátricos. É uma luta pelo reconhecimento de que cada sujeito é singular e, portanto, deve ser acolhido à luz dos seus contextos e histórias. Desta forma, podemos compreender e lidar com o sofrimento de maneira mais ampla.
Este entendimento defendido pela atenção psicossocial da Reforma Psiquiátrica nunca fez tanto sentido como na conjuntura atual. Vivemos uma crise que não é apenas sanitária, mas econômica, social e ambiental.
Ficamos “depressivos” com a epidemia de uma doença que sufoca e nos obriga a um luto sem fim. Ficamos “ansiosos” com o aumento vertiginoso do desemprego nos últimos anos e a quebra de vários negócios sem apoio do governo. Ficamos “insones” quando constatamos o retorno da fome em diversos indicadores nacionais. Nossa autoestima se esvai ao assistirmos nossas florestas serem queimadas e nossa ascensão como párias internacionais. Por fim, ficamos “paranoides” com a ameaça constante de um retorno à ditadura e ataques frequentes à democracia.
Portanto, nessa escalada dos mais diversos problemas de saúde mental nos perguntamos: como “trataremos” isso? Com remédios? A Reforma Psiquiátrica, cuja lei 10.216 a oficializou, completa 20 anos. Pudemos aprender com esse movimento o que foi desenvolver políticas públicas de qualidade. Podemos comemorar, pois entre 1985-2015 fomos inventivos. Criamos Consultórios na Rua para atendermos população em situação de rua, Centros de Atenção Psicossocial comunitários, programa de incentivos financeiros para egressos de manicômios (Programa de Volta pra Casa), iniciativas públicas de economia solidária para reinserção do cidadão pelo trabalho e consolidamos ações em saúde mental na Atenção Primária à Saúde, principalmente por meio dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), dentre outros.
Foram diversas políticas que não tiveram como foco a “doença”, mas a pessoa, suas particularidades e seus determinantes sociais. Neste momento de pandemia precisaríamos de políticas assim, adaptadas à realidade atual. Atendimentos online sim, mas com garantia de acesso à internet e continuidade de tratamento em serviços territoriais no pós-pandemia. Melhoria do acesso não só para tratamento de transtornos mentais, mas para todas as condições de saúde que, paradoxalmente, tiveram diversas portas fechadas no sistema de saúde. Vemos, entretanto, deste governo, a inação e o retrocesso. Precisamos recuperar este olhar ético e solidário e, por isso, precisamos lembrar o 18 de maio.
*Mônica de Oliveira Nunes de Torrenté é professora da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e integrante do Grupo Temático Saúde Mental da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
**Deivisson Vianna Dantas dos Santos é professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e também integrante GT Saúde Mental/Abrasco
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