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ENSP entrevista presidente da Abrasco no 2º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde

Vilma Reis com informações de Tatiane Vargas (Informe ENSP)

De 1º a 3/10, a cidade de Belo Horizonte abriu as portas para uma grande discussão sobres os caminhos do Sistema Único de Saúde: o 2º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

O evento teve mais de 1,5 mil participantes e cerca de 130 atividades, entre painéis, simpósios e mesas-redondas, voltadas para discussão de temas como regionalização, judicialização, inovação e complexo industrial da saúde, controle social e democratização das políticas, financiamento, financeirização da assistência à saúde, entre muitos outros assuntos que compõem a tríade política/planejamento/gestão.

Em entrevista exclusiva ao Informe ENSP, o presidente da Abrasco, Luis Eugenio Portela, falou dos rumos do SUS nesses seus 25 anos de criação, dos recursos destinados a ele e do combate que vem sendo feito contra a privatização da saúde. Apresentou, também, um balanço do congresso recém-realizado. 

Informe ENSP: Durante as comemorações dos 59 anos da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), que lembrou os dez anos da morte do sanitarista Sergio Arouca e os 25 anos de criação do Sistema Único de Saúde, perguntamos a pesquisadores e convidados se, após todos esses anos de SUS, estamos no caminho certo ou muito longe dele. Como o senhor avalia?

Luis Eugenio Portela: Estamos em um caminho extremamente perigoso e ruim. Há uma tendência muito forte de consolidação de um sistema segmentado de saúde em que as parcelas mais pobres, do ponto de vista econômico, utilizariam o sistema público, e as classes médias, as parcelas mais ricas, usariam uma combinação de SUS naquele serviço de alto custo, e sistemas privados de planos de saúde para aqueles serviços de médio custo ou de média complexidade.

Essa é uma tendência muito forte, e é forte, infelizmente, por conta de políticas governamentais que têm fortalecido o setor privado por meio de subsídios de diversas ordens – créditos, empréstimos com juros subsidiados, renúncia fiscal, desonerações e não cobrança efetiva do ressarcimento quando os beneficiários de planos utilizam os serviços do SUS. Então, essa é uma tendência muito forte e preocupante em nossa conjuntura que consolida o sistema. Algumas pessoas, como o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, conceituam tal cenário como a americanização do sistema de saúde brasileiro.

É claro que isso é uma tendência forte como falei, mas não é inexorável, depende da luta política. A Abrasco, assim como todo movimento da reforma sanitária, luta contra essa tendência, a favor da implantação de um efetivo sistema universal, um sistema de fato único de saúde. O sistema privado tem toda liberdade para existir, garantida na Constituição, mas não pode existir um sistema privado que subsiste a custas do SUS, do setor público. Isso não é correto, é inconstitucional.

A implantação do SUS é um processo de luta política, as entidades do movimento da reforma sanitária estão no caminho correto na luta pelo sistema universal, único. A luta política é forte. A tendência que vemos nas políticas oficiais que estão nas decisões tomadas no âmbito do fortalecimento do setor privado é preocupante. O caminho seguido pelas políticas oficias não está correto.

Informe ENSP: No âmbito dos recursos destinados ao SUS, muitos dizem que existem, porém, são mal distribuídos. Como o senhor avalia a destinação de recursos e o que precisa ser feito para mudar o cenário?

Luis Eugenio Portela: Em primeiro lugar, os recursos são insuficientes, se os compararmos com gastos de outros países que possuem sistemas universais ou até mesmo de países da América Latina que não possuem sistemas universais, mas que investem em saúde, em termos per capita, o dobro ou o triplo investido pelo Brasil. Logo, se compararmos com outros países, o Brasil investe pouco em saúde. Se compararmos o que o SUS investe em saúde e o montante empregado pelo setor privado, vemos que, em termos per capita, o setor privado investe três vezes mais na saúde do que o setor público.

Os planos privados têm um gasto de cerca de R$ 1,5 mil por ano para cada beneficiário, ao passo que o setor público gasta em média R$ 500 per capita. É uma diferença muito grande e, nesse sentido, o SUS está subfinanciado. Por outro lado, é claro que há problemas de gestão. É preciso e possível melhorar a gestão. Para isso, é necessária uma profunda reforma democrática do nosso Estado, para que os objetivos de alcance de resultados, em termos de melhorias da saúde, sejam critério para se julgar a gestão pública, e não a gestão burocrática da realização de processos e procedimentos que estão definidos em lei.

Temos um Estado que é patrimonialista, clientelista, não democrático e despreocupado com produção de resultados. Isso tudo faz a gestão ter problemas de ineficiência. É preciso relativizar: se utilizarmos como indicador de ineficiência da gestão, a capacidade de execução orçamentária, ou seja, de gastar o recurso que foi previsto, a saúde é claramente um dos setores de melhor eficiência da gestão pública.

Basta comparar com as obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que é uma prioridade política do governo, no qual os níveis de execução orçamentária estão em torno de 20%, 30%, ao passo que, no SUS, o Ministério da Saúde executa mais de 90% tranquilamente do seu orçamento. Há um nível de eficiência na saúde, que tem problemas, mas que é bem melhor que a maioria das áreas da gestão pública.

Informe ENSP: A Abrasco e o Cebes divulgaram, durante o 2º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, uma nota de repúdio à utilização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como intermediário da concessão de créditos às coorporativas Unimeds. Planos de saúde não necessitam de financiamento público e, mesmo assim, isso acontece massivamente. Como combater a privatização e os planos de saúde?

Luis Eugenio Portela: A rigor, são empresas que têm faturamentos altíssimos. Estima-se que cerca de 30% do faturamento dessas empresas vem de subsídios públicos. Isso é uma perversão: a maioria da população brasileira que não tem plano de saúde vê recursos que poderiam ser investidos em sua saúde sendo utilizados em serviços usados apenas por um quarto da população brasileira, e são estes 25% da população brasileira que têm maior situação econômica.

É uma produção de iniquidades e desigualdades sociais que promovemos ao destinar recursos para esses planos privados. Para combater isso, é preciso respeitar a lei, a nossa Constituição. Recursos públicos da saúde estão muito claros, têm der ser definidos apenas para o SUS. Esses mecanismos de subsídios são indefensáveis, ferem o espírito da Constituição ao alegar que os recursos públicos devem ser destinados aos serviços públicos.

Para combater isso é preciso aumentar a pressão social e política sobre os governantes para que eles modifiquem suas prioridades e deixem de tomar iniciativas como essa linha de crédito subsidiada do BNDES para as Unimeds. Foi aprovado um artigo contrabandeado dentro do Ministério Público de fórmula de cálculo de pagamento das empresas de saúde privadas, diminuindo do faturamento total aquele que exclui os gastos com assistência. Isso significa uma redução de 80% dos impostos a serem pagos por essas empresas que possuem fins lucrativos. É o lobby no Parlamento e no Executivo tomando medidas que fortalecerão a tendência principal de segmentação do sistema de saúde brasileiro.

Informe ENSP: Como o senhor avalia a realização deste congresso da Abrasco? Acha que as proposições dos três dias de debates auxiliarão a construção permanente do SUS?

Luis Eugenio Portela: A discussão deste congresso foi muitíssimo rica. Na plenária final do movimento da reforma sanitária, com a participação de todas as entidades que o compõem, pontuamos cinco diretrizes que saíram do Congresso. A primeira delas é incluir a saúde como parte estratégica do desenvolvimento nacional inclusivo, autônomo e sustentável. Em segundo lugar, exigir o financiamento adequado da saúde, principalmente neste momento, com a aprovação do projeto de lei de iniciativa popular que define a destinação mínima de 10% das receitas correntes brutas da União para a saúde. Em terceiro lugar, a construção de um modelo de atenção à saúde que busque a integralidade e a constituição de redes regionalizadas de atenção à saúde coordenadas pela atenção primária, mas que ofereçam o acesso referenciado aos serviços especializados e que garantam as ações de promoção à saúde até a reabilitação.

A quarta diretriz foi pensada com base nas discussões realizadas durante o congresso. Trata-se da constituição de um novo ente nacional para gestão do SUS, um ente cofinanciado e cogerido pelas três esferas de governo, a União, os estados e municípios, e que tenha como base organizativa as 430 regiões de saúde em que o país é divido. Temos um sistema desconcentrado, mas coordenado nacionalmente e que contribui para fragmentação que vivemos atualmente em termos de sistemas municipais de saúde que não se coordenam nem entre si, nem entre os diversos municípios, nem com o Estado, nem com a União.

É importante que todos assumam responsabilidades pelas metas sanitárias, e não apenas a União ficar com o financiamento, e a execução, com o município. Todos são responsáveis pelo financiamento e pela execução. Isso vai viabilizar a implantação das redes regionais das 430 redes que podemos implantar no país. É um modelo de gestão se articulando ao modelo de atenção à saúde. É preciso destacar que, dessa perspectiva de um modelo de atenção integral, precisamos regular o padrão tecnológico de atenção à saúde, precisamos orientar o Complexo Industrial da Saúde a desenvolver, produzir e investir nas inovações que venham a atender as nossas necessidades de saúde.

Não é possível que seja ao contrário, que hoje fiquemos em um processo de incorporação de tecnologia que obedece não às necessidades de saúde, mas sim às pressões da indústria de saúde, na maioria das vezes multinacionais que trazem produtos que não são necessariamente aqueles que correspondem a nossa realidade social e sanitária. Por fim, a quinta e última diretriz, desse conjunto de que discutimos na plenária final do 2º Congresso, é o fortalecimento do controle e da participação social no SUS.

Informe ENSP: A Abrasco encerrou o congresso com uma grande vitória: Elano Figueiredo renunciou o cargo de diretor da Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Para o senhor, isso significa que sempre vale a pena lutar por melhores ideais de saúde?

Luis Eugenio Portela: Independentemente do resultado concreto, Gandhi já dizia “a luta vale a pena pela luta”, defendemos e lutamos pelo que acreditamos, pelo direito à saúde. É claro que é uma alegria e realmente é confortante quando temos uma vitória como essa. A sabatina, no Senado, do Elano Figueiredo demonstrou um flagrante conflito de interesses, uma omissão de informações. E a Comissão de Ética do governo federal tomou a decisão que nos parece evidente: ela reconheceu a existência do conflito de interesse, e o senhor Elano renunciou. Esse é um importante passo para avançar na reconquista da autonomia da independência da ANS que não pode, de jeito nenhum, ser vinculada ou capturada pelas empresas que ela deve regular.

Confira a íntegra da entrevista

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