O professor Luiz Claudio Meireles, membro do Grupo Temático Saúde e Ambiente da Abrasco e também pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz foi ouvido na reportagem de Filipe Domingues para o G1. Em pauta, o glifosato: o agrotóxico mais famoso do mundo. E, com certeza, o mais vendido. Somente no Brasil, são 110 os produtos comercializados com glifosato, de 29 empresas diferentes: foram 173 mil toneladas vendidas em 2017, três vezes mais do que o segundo agrotóxico mais comercializado, o 2,4-D, diz a matéria. Meirelles ressalta ainda que a carcinogenicidade do glifosato é um caminho sem volta pois o contexto de perigo de produtos suspeitos, só piorou com o passar do tempo, pelo avanço do conhecimento: “Vide organoclorado e organofosforados em geral e ainda o Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) que se tornou um dos mais conhecidos inseticidas de baixo custo”. Confira:
Criado nos anos 1950 pela indústria farmacêutica, o princípio ativo ficou conhecido nos anos 1970, quando a empresa Monsanto – hoje pertencente à Bayer – desenvolveu um poderoso herbicida. Suas vendas estouraram quando a companhia lançou sua linha de sementes transgênicas Roundup, resistentes ao glifosato, nos anos 1990.
A soja, o milho e o algodão resistentes ao herbicida permitiram ao setor agrícola ampliar o uso do glifosato nas lavouras para matar ervas daninhas. Multiplicaram-se ganhos em produtividade e rentabilidade.
Por outro lado, a segurança do glifosato para a saúde humana vem sendo questionada internacionalmente – assim como a de outros agrotóxicos. Estudos associam o glifosato ao câncer e a outras doenças. A Bayer, inclusive, já foi condenada na justiça americana sob essa alegação.
Entenda, abaixo, por que o glifosato é polêmico e como se tornou o membro mais notável da família dos agrotóxicos.
O que é o glifosato?
Trata-se de um princípio ativo, isto é, uma molécula desenvolvida na fabricação de produtos químicos. Inicialmente, o glifosato surgiu na indústria farmacêutica e também chegou a ser usado para limpar metais. Porém, se popularizou nos herbicidas da Monsanto, que hoje pertence à Bayer.
O herbicida à base de glifosato é aplicado nas folhas de plantas daninhas, aquelas que nascem espontaneamente no meio das lavouras e prejudicam a produção agrícola. Ele bloqueia a capacidade da planta de absorver alguns nutrientes.
“É um produto usado para matar planta”, resume Luiz Cláudio Meirelles. “No início, não era possível usá-lo durante o plantio, porque matava também aquilo que se queria cultivar. Com a soja geneticamente modificada, resistente ao glifosato, passou a ser possível.” O glifosato também pode ser usado como dessecante. Ou seja, se o produtor quiser colher a soja e por algum motivo ela ainda estiver verde, o herbicida uniformiza a lavoura e permite antecipar a colheita.
Como ele se tornou o agrotóxico mais vendido?
Após o desenvolvimento da soja transgênica, vieram milho e algodão. “Passamos de 40 mil toneladas [de agrotóxicos] a 300 mil por ano no Brasil. Mesmo com o aumento na produção de grãos, o salto no uso desses produtos foi bem maior”, acrescenta Meirelles.
Em uma época em que se buscava ampliar os ganhos das lavouras, o glifosato pareceu ser uma das melhores soluções, sem evidências imediatas sobre seu impacto na saúde humana. Foi apresentado pela indústria como um bom negócio e, hoje, é o agrotóxico mais vendido no Brasil.
De acordo com Larissa Mies Bombardi, pesquisadora do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP), que mapeou o uso dos agrotóxicos no país, a principal explicação para que o glifosato continue sendo tão usado ainda é a transgenia.
“As sementes são preparadas para recebê-lo [glifosato], assim como o 2,4-D, que vem ganhando território. O que está acontecendo é uma variação de vertentes transgênicas, passamos de um tipo para outro”, afirma a pesquisadora. “Cerca de 98% da soja no Brasil é transgênica, em área equivalente a uma Alemanha inteira.” Com a queda da patente de Monsanto, em 2000, tornou-se mais fácil para outras empresas produzir agrotóxicos com glifosato. A substância alcançou, inclusive, mercados populares.
Hoje, além de pequenas e grandes propriedade agrícolas, o glifosato está em produtos para jardinagem e também é usado na manutenção de parques públicos, por exemplo.
É possível produzir sem glifosato?
A maioria dos representantes do setor agropecuário afirma que seria impossível manter os níveis de produção de soja e milho do Brasil sem o uso de agrotóxicos – o que inclui o glifosato, mas também outros herbicidas, inseticidas, fungicidas e pesticidas.
Conforme estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil deverá colher 236,72 milhões de toneladas de grãos em 15 culturas diferentes na safra 2018/19.
Segundo Dionísio Grazziero, pesquisador da Embrapa Soja, sempre há o que melhorar nas técnicas de produção agrícola, e o uso de agrotóxicos não foge a essa regra. “É possível usar programas de manejo integrado de pragas e reduzir o número de aplicações [de agrotóxicos]”, afirma. “No caso da soja, o controle é bastante rígido e está dentro dos padrões estabelecidos internacionalmente.”
Grazziero avalia que, em um país tropical e de proporção continental como o Brasil, não é possível produzir em grande escala sem a aplicação de defensivos agrícolas. Já na visão de ambientalistas, é justamente essa dependência econômica que mantém o uso de agrotóxicos viável e, consequentemente, nocivo ao meio ambiente e à saúde humana.
“A agricultura tradicional é extremamente dependente de agrotóxicos. E, quanto mais você usa, mais você cria desequilíbrios, novas pragas, intoxicação aguda entre produtores e doenças crônicas que aparecem só no longo prazo”, afirma a porta-voz do Greepeace, Marina Lacôrte.
Ela se refere também ao fato de que as pragas e ervas daninhas desenvolvem, aos poucos, resistência aos agrotóxicos, o que induz a criação de novas linhas de produtos ainda mais fortes. Segundo Lacôrte, uma redução gradual no uso de agrotóxicos seria possível, com mais estímulos à agricultura ecológica.
Meirelles também avalia que seja necessário migrar para uma agricultura mais limpa. “É possível mudar o modelo de produção, incentivando inimigos naturais e não plantando uma só cultura em áreas gigantescas, por exemplo”, diz.
A diretora executiva da Pesticide Action Network (PAN) nos Estados Unidos, Kristin Schafer, disse ao G1 que adotar a agroecologia em grande escala não é um objetivo impossível. “Na Califórnia, por exemplo, temos produção de arroz orgânico muito ampla. Eles dividem uma grande propriedade em vários campos menores”, conta.
O glifosato faz mal para a saúde?
Como qualquer outro agrotóxico, o glifosato é um produto químico cuja venda e aplicação são regulamentadas por lei. Até mesmo os representantes do agronegócio reconhecem que, se aplicados sem os devidos cuidados, os agrotóxicos fazem mal especialmente ao trabalhador agrícola.
A polêmica maior, porém, está nos possíveis efeitos que pode causar aos consumidores dos alimentos. O golpe mais certeiro contra o glifosato foi a avaliação da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2015, descrevendo o produto como um “provável causador” de câncer.
“Eles não são uma agência reguladora e são bastante conservadores. Mas bancaram essa afirmação e até hoje não voltaram atrás”, comenta Meirelles. “Houve uma contestação imensa em vários setores, inclusive entre as agências reguladoras, que sofrem grande pressão comercial.”
A agência reguladora europeia, EFSA, reavaliou o glifosato em 2016 e o considerou seguro para a saúde humana, desde que os resíduos nos alimentos sejam baixos. Também uma reunião de representantes da OMS e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), no mesmo ano, deu parecer positivo ao glifosato consumido em níveis mínimos nos alimentos.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fez recentemente uma reavaliação sobre o glifosato, iniciada em 2008, e afirmou que ele “não apresenta características mutagênicas e carcinogênicas”. Estão abertas as consultas públicas sobre o glifosato até 6 de junho.
Segundo o toxicologista do Grupo de Informação e Pesquisas sobre Glifosato (Gipeg), Flavio Zambrone, os testes feitos no glifosato pelas principais agências reguladoras do mundo o consideraram seguro para a saúde humana. “É um produto de baixa toxicidade para o homem e para o meio ambiente”, afirma Zambrone.
Por outro lado, Larissa Mies Bombardi, da USP, diz que os níveis aceitáveis de agrotóxicos no Brasil são geralmente bem mais altos do que os admitidos em outros países. Além disso, países como Alemanha e Suíça exportam produtos que eles mesmos não usam em suas próprias lavouras.
“Qualquer nível é perigoso. O ideal é adotar um modelo de agricultura mais moderno. Até mesmo nos Estados Unidos o monitoramento é mais completo do que o nosso e, na França, o glifosato deve ser proibido a partir de 2022”, comenta.
Linha do tempo do glifosato com os dez fatos importantes na história do agrotóxico mais usado no Brasil:
1950 – Descoberta da molécula do glifosato pelo químico suíço Henri Martin, da farmacêutica Cilag.
1970 – O químico John E. Franz, da Monsanto, desenvolve herbicidas à base de glifosato. O produto já era usado pela Stauffer Chemical para limpar metais.
1974 – Monsanto passa a produzir herbicidas de glifosato em escala industrial, inicialmente para produção de borracha na Malásia e trigo no Reino Unido.
1995 – Chegam ao Brasil as sementes transgênicas de soja, milho e algodão Roundup Ready, da Monsanto, resistentes ao glifosato. As vendas saltam a partir de 2005, com a liberação da soja transgênica, e transformam o produto no herbicida mais usado nas lavouras.
2000 – Patente da Monsanto expira e o glifosato vira princípio ativo de mais de 2 mil produtos de diversas outras empresas. Hoje, no Brasil, mais de 100 agrotóxicos contêm glifosato.
2015 – Estudo da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), associa o glifosato ao câncer, descrevendo-o como um “provável causador” da doença.
2016 – Um painel com representantes da OMS e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) dão parecer positivo ao glifosato quando a exposição se dá de forma limitada e por meio do consumo de alimentos.
2018 – A Bayer conclui a compra da Monsanto por US$ 63 bilhões (R$ 248 bilhões), a maior já feita pela empresa alemã no exterior, criando a maior companhia de pesticidas e sementes do mundo.
2018 – Bayer é condenada a pagar US$ 289 milhões (R$ 1,1 bilhão) ao ex-jardineiro Dewayne Johnson, que teve câncer por exposição prolongada ao glifosato. Em março de 2019, foi condenada a pagar US$ 80 milhões (R$ 315 milhões) a Edwin Hardeman, por não alertar sobre os riscos do produto.
2019 – Anvisa faz reavaliação do glifosato, iniciada em 2008, e permite seu uso no Brasil. Afirma que a substância “não apresenta características mutagênicas e carcinogênicas”. A agência avaliou 16 pareceres próprios e 3 externos. Até 6 de junho estão abertas as consultas públicas sobre o glifosato no país.