“Nós, cidadãos e organizações da sociedade civil comprometidos com a saúde e o direito humano à alimentação adequada, vimos através desta manifestar nosso repúdio à parceria estabelecida entre o senhor, chef Jamie Oliver, e a Sadia para o projeto “Saber Alimenta”[…] não queremos que nossas crianças sejam transformadas em promotoras de produtos de qualquer marca.” Assim começa a carta que mais de 50 entidades da sociedade civil e núcleos universitários de pesquisa em Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva encaminharam a Jamie Oliver questionando como um profissional que sempre advogou pela causa da alimentação saudável em seu país resolveu aceitar ser garoto propaganda da maior empresa mundial de alimentos ultraprocessados, a BRFoods, atual detentora da marca Sadia. A parceria de Oliver com a marca prevê a realização de atividades ditas ‘educativas’ em escolas brasileiras por meio do projeto Saber Alimenta, apresentado como um ‘projeto pedagógico que ensina as crianças a serem protagonistas na mudança dos hábitos alimentares dentro de casa e cria uma relação mais próxima delas com os alimentos saudáveis’.
Entre as entidades que assinam o manifesto, destacam-se a ACT Promoção da Saúde; Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN); Associação Slow Food do Brasil; Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC); Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar (IBFAN); Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar (FBSSAN), núcleos de pesquisa vinculados à instituições de ensino em saúde, como o Núcleo de Alimentação e Nutrição em Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NANPP-INU/Uerj); Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições da Universidade Federal de Santa Catarina (NUPPRE-UFSC); Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (NUPENS/USP); Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição. Universidade de Brasília (OPSAN/UnB); Núcleo Promoção da Segurança Alimentar e Nutricional no Contexto da Alimentação Escolar da Universidade Federal de Viçosa, e a Associação Mundial de entidades de nutrição em Saúde Pública (WPHNA, em inglês).
Para as organizações, trata-se de merchandising da Marca Sadia direcionada ao público infantil dentro de escolas, maquiada de ação educativa, e por isso abusiva, conforme definido pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). A parceria surpreendeu as organizações pelo fato de Oliver, um profissional que se apresenta como ativista social, se dispor a atuar em espaços sociais (como são as escolas), mas não estabelecer um diálogo prévio sobre essa relação com os especialistas em políticas públicas para alimentação saudável no Brasil. Os profissionais da área de nutrição fazem a distinção entre os casos da Inglaterra e Brasil. “Lá, mais de 60% das calorias consumidas pela população vêm de produtos ultra-processados. No Brasil, esse número é de 30%, e as principais ações de promoção da alimentação saudável são a preservação e o resgate da cultura alimentar e não a promoção de produtos ultraprocessados pretensamente mais saudáveis, como faz a campanha da Sadia”, diz Elisabetta Recine, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), professora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (FS/UnB) e integrante do Grupo Temático Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva (GTANSC/Abrasco).
As entidades destacam a compreensão de que a alimentação adequada e saudável é um direito humano, reconhecido em inúmeros documentos internacionais, nacionais e incluído na constituição brasileira e convidam a Oliver a rever seu posicionamento. “Esperamos que, diante de nossas considerações expostas ao longo desta carta, o senhor tome as medidas necessárias para impedir a exposição de crianças aos produtos e aos programas da Sadia e reconsidere sua decisão de vincular sua imagem a esta parceria”, aponta o documento.
A ACT Promoção da Saúde criou um hot site com o material da campanha. Muitos abrasquianos decidiram assinar o documento individualmente. Confira o texto do documento na íntegra e assine a petição eletrônica.