A Comunicação Abrasco conversou com os docentes Pedro Cruz e Vanderléia Pulga sobre os desafios que assumem com a coordenação do Grupo Temático Educação Popular em Saúde (GT EdPop/Abrasco). Confira abaixo a entrevista na íntegra e aqui a matéria de abertura.
Abrasco: O que esperam desse desafio frente à coordenação do Grupo Temático Educação Popular em Saúde (GT EdPop/Abrasco)?
Pedro Cruz: O GT EdPop tem um conjunto bastante rico de professores, pesquisadores e profissionais dedicados cotidianamente à construção de ações nos vários campos de atuação da saúde, da Atenção Básica à gestão. Em todos, com a perspectiva de, através da pedagogia freireana e dos princípios da educação popular, articular outra forma de pensar e de fazer saúde nesses campos. Dentre os membros do GT já existe uma riqueza bastante significativa de pessoas, saberes, conhecimentos e experiências. Como membro da coordenação, o desafio será ter a capacidade de contribuir para que esse conjunto de pessoas possa estar construindo coisas importantes em conjunto, potencializando experiências e, ao mesmo, tempo ter a capacidade de mediar ações e debates que façam da Educação a base inspiradora e reorientadora das ações do SUS, com um importante papel da Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEP-SUS).
O desafio é ser um elemento aglutinador, potencializador, mediador dessa riqueza de sujeitos e pessoas, e que a gente consiga, mesmo à distância, construir coisas juntos, que tenham um sentido transformador para o nosso país, principalmente para as pessoas que estão na ponta dos serviços, construindo a saúde no dia a dia a partir de práticas inovadoras e emancipadoras num contexto social que tende a aumentar em dificuldades e obstáculos.
Vanderléia Pulga: A Educação Popular em Saúde vem conquistando espaços e legitimidade e o GT da Abrasco vem se constituindo como um espaço importante nesse campo junto com a Rede de Educação Popular e Saúde, a Articulação Nacional de Educação popular e Saúde (Aneps) e a Articulação Nacional em Extensão Popular (Anepop), que são coletivos agregadores de experiências e de atores sociais que atuam nessa área.
Para mim, particularmente, é um desafio frente as exigências atuais que se colocam num contexto de avanço das políticas neoliberais no Brasil e no mundo com o retrocesso dos direitos sociais, trabalhistas e da própria democracia. Nesse contexto, além dos efeitos sobre a vida das pessoas, soma-se as dificuldades para realização das atividades em função dos cortes de recursos orçamentários. Por isso, junto com outras organizações do campo da Saúde Coletiva e de movimentos e organizações sociais e populares que atuam na saúde nos somamos na resistência, na luta e na construção da democracia, dos direitos, da saúde e da dignidade em defesa da vida.
A coordenação está compartilhada comigo e com o Pedro, que daremos conta da relação interna na Abrasco e na relação com as outras organizações no desenvolvimento das ações desse GT.
Abrasco: O GT tem fortes relações com outras organizações da Educação Popular na montagem e coordenação das Tendas Paulo Freire e congêneres em eventos de saúde. Essa estratégia tem se mostrado acertada? Vai continuar?
Pedro Cruz: Nos últimos 10 anos, consideramos haver quatro grandes coletivos/ organizações nacionais: o próprio GT, a Aneps, a Rede de Educação Popular em Saúde, que é o mais antigo e pioneiro, e a Anepop. Mesmo que cada um tenha sua caminhada e suas pautas específicas, é fundamental que consigamos nos unir, dialogar e construir juntos estratégias pensando a Educação Popular em Saúde como um todo. A própria PNEP-SUS só foi possível conquistada e efetivada dada uma abertura no diálogo com o então governo federal e partir do momento em que esses quatro coletivos se uniram para reivindicar a política e também construir, acolhendo e mobilizando outros coletivos importantes ao longo do processo, como o MST, o MMC, o MORHAN, o movimento de religiões afro-brasileiras em saúde, entre outros, compondo inclusive o Comité Nacional da Educação Popular em Saúde do Ministério da Saúde (MS). Vamos continuar provocando esse diálogo, tanto em ações concretas como através dos eventos, entre eles, as tendas.
É bom lembrar que as tendas começaram como um movimento contra hegemônico e de resistência dentro da própria Abrasco, no momento em que os congressos da entidade tinham uma dificuldade grande de se abrir para a construção coletiva e compartilhada com os movimentos estudantil, social e populares. Foi um contraponto a uma tendência cientificista da associação e de outros movimentos, como o congresso brasileiro de extensão, onde a Anepop organizou tendas como contraponto à programação oficial. No entanto, avaliamos que as tendas se expandiram muito, até quase perder sua essência, com muitas programações simultâneas, com muitas demandas temáticas e de diálogos. Esse inchaço fez com que se diminuísse as possibilidades com conversas com mais calma e profundidade, perdendo a articulação o protagonismo dos movimentos locais onde os eventos são realizados na própria construção da Tenda.
A partir do Abrascão de Goiânia (o 11º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, realizado de 28 de julho a 1º de agosto de 2015), começou um resgate nesse sentido, principalmente como o protagonismo da Aneps de Goiás, com uma programação mais enxuta na Tenda Oraida Abreu, que permitiu mais diálogo, profundidade e discussão, com tempo e espaço garantidos para as entidades do território. Estamos dispostos a fortalecer e discutir novas tendas dentro dessa perspectiva, apoiando as tendas desde que protagonizadas pelos movimentos e práticas da Educação Popular dos locais da sede do evento.
Vanderléia Pulga: O GT sempre atuou em parceria com os coletivos da área de educação popular e a estratégia de viabilização das Tendas Paulo Freire e similares em congressos e eventos da Saúde vem sendo espaços de articulação, mobilização, reflexão, de produções conjuntas e de cuidados integrativos de diferentes atores sociais na saúde do Brasil e do mundo. Vem contribuindo para compartilhar saberes, práticas, conhecimentos e fortalecer os laços de articulação e também divulgando a PNEP-SUS.
Esses espaços são produtores de inovações no SUS onde nos municípios, nas universidades e junto aos movimentos sociais vem sendo implantadas experiências de educação popular em saúde oriundas de debates ou vivências produzidas nessas tendas de saúde e cultura.
Abrasco: A mesma relação de parceria e interação entre os movimentos da Educação Popular acontece com o debate sobre a PNEP-SUS. Como os movimentos avaliam o processo de implementação da política?
Pedro Cruz: Mesmo no contexto do atual governo federal, cuja a perspectiva ética e política dominante não é coerente com os princípios da Educação Popular em Saúde, a política está instituída, recentemente seu plano operativo foi pactuado e aprovado na Comissão Intergestores Tripartite (CIT). Dentro do MS, manteve-se a estrutura que discute Educação Popular, com alguns técnicos concursados que vinham construindo a política e novos quadros, todos trabalhando nesse contexto de possibilidade de ação. Na última reunião que houve do Comitê nacional da PNEP-SUS, foi consenso entre os movimentos que é importante que reivindiquemos a sua implementação junto ao Ministério, pois a PNEP-SUS não é uma política do governo do PT ou do PMDB, mas uma política do Estado brasileiro, do SUS, e temos que exigir que ela seja implementada com criticidade, amorosidade, respeito, com todos os princípios que a educação popular traz. Pensar a PNEP-SUS será um desafio nosso e essa é uma agenda compartilhada com esses coletivos que precisamos manter.
Vanderléia Pulga: O campo da Educação Popular em Saúde traz o processo histórico das lutas populares e de resistência, onde o conjunto de sujeitos que se dedicam ao cuidado vêm lançando infinitos fios, que foram se encontrando e se tramando nas trilhas do viver. Alguns formaram emaranhados e “nós”, outros se encostaram, mas não se ligaram, outros buscaram ficar longe uns dos outros, temendo que no encontro perdessem sua identidade. Outros, ainda, se entrelaçaram e se permitiram participar do ato de serem tecidos, com as mãos cautelosas e afinadas, na arte de lidar com os desafios. Com isso, foram sendo interligados e amarrados por laços de afeto, de amor e de cuidado, sentindo os toques dos fios da ancestralidade, com os da candura e alegria das crianças, com a coragem e o vigor da juventude, os segredos da arte de gerar vida, das mulheres, a bravura e sensibilidade de homens, e os da sabedoria dos idosos… esses fios entrelaçados vêm tecendo redes, muitas redes de vida e de cidadania. As que se unem por laços estão aí, acalentando e embalando vidas que semeiam, produzem, cuidam, colhem e celebram as dores e as alegrias de ser o humano que somos, na grande rede e teia da vida no nosso planeta.
Estas são redes, grupos, articulações capazes de trazer os fios que vêm sendo produzidos pela humanidade, sem medo de romper barreiras e ultrapassar os obstáculos que impedem o encontro de fios os quais podem fortalecer os laços de carinho, de afeto, de respeito, de amor, de sensibilidade, de coragem e de vida. E, ao mesmo tempo, sabem como desatar “nós” e transformá-los em laços, de cuidar para que a rede seja produtora de novos saberes, de saúde e de vida. A força da luta, da resistência e da organização popular de milhões de pessoas é que será capaz de tecer um novo mundo pautado na justiça, no amor, solidariedade e na igualdade.
Abrasco: Há atividades em planejamento? Quais?
Pedro Cruz: Estamos construindo uma coletânea com membros do GT, intitulada “Educação Popular em Saúde: Aspectos Conceituais”, que são reflexões de princípios e fundamentos da prática de Educação Popular em Saúde, não no sentido de ensinar, mas sim de trazer elementos para que as pessoas reflitam suas práticas e possam desvelar e fortalecer seus processos na caminhada. A gente encaminhou propostas para a programação do III Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, com propostas de atividades pré-congresso e de mesas, além de estudar a possibilidade da construção de uma tenda Paulo Freire em parceria com a Aneps local.
O GT tem a marca da construção compartilhada com seus membros. Estamos aguardando a possibilidade de uma reunião presencial para que possamos traçar objetivos comuns. Da minha parte é uma honra assumir essa tarefa junto com a Vanderléia, assumindo uma responsabilidade com a Abrasco, uma entidade formada por mulheres e homens de luta que sempre admirei desde estudante. É uma honra dar minha contribuição nesta caminhada. Acho que vou aprender muito com essas pessoas em suas construções e encarar nossa ação como enfrentamento, luta e proposição de novos caminhos para a saúde do país, entendendo o compromisso de pessoas como nós, mergulhadas na realidade social, encharcadas pelas questões da realidade e que buscam o diálogo do fazer profissional com o fazer científico e com o agir em saúde como estratégia de superação para os problemas de saúde e de vida que as pessoas enfrentam.
Vanderléia Pulga: Dentre as prioridades está a realização de uma oficina de planejamento do GT, a sistematização e divulgação das experiências, produções culturais e pesquisas que foram premiadas no Prêmio Victor Valla, a elaboração e edição do 3º Caderno de Educação Popular em Saúde, o apoio no desenvolvimento do Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde para Agentes de Saúde e de endemias, coordenado pela Escola Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e Ministério da Saúde, apoio aos processos formativos na área de educação popular em saúde junto com movimentos sociais, conselheiros de saúde e espaços junto às instituições de ensino na saúde e o aprofundamento sobre referenciais teóricos da Educação Popular em Saúde. Afirmamos nossas lutas em defesa da vida, da democracia, da Saúde como direito universal e do SUS como política pública com a universalidade, integralidade, equidade e participação popular e os direitos humanos, sociais, trabalhistas, previdenciários, econômicos, políticos e culturais.