ABRASCÃO De que forma as discussões que ocorrerão no ABRASCÃO podem contribuir com a criação, manutenção e melhoria das políticas públicas do ministério?
Alexandre Padilha O Abrascão é decisivo para isso. É o maior congresso onde se debate saúde pública no Brasil. Com forte participação de representantes de outros países. Reúne pessoas que se dedicam a buscar entender os fatores de risco, os condicionantes e determinantes sociais e os impactos das políticas públicas de saúde construídas em todo o país. Reúne grandes defensores do Sistema Único de Saúde (SUS). A ABRASCO foi entidade fundamental na construção desse projeto público de saúde nacional. Outro ponto importante é que o evento reúne atores fundamentais na definição dos rumos do país, como academia, movimentos sociais, gestores e trabalhadores. Esse congresso nos ajuda a identificar os avançados conquistados nos últimos anos e aponta os desafios que temos pela frente para garantir um SUS que tenha qualidade para o conjunto da população.
ABRASCÃO O mundo vive um contexto de crise econômica estrutural. A sociedade brasileira propõe o fortalecimento do SUS. Como manter a universalização de um sistema em um cenário de crise econômica como o atual?
AP. É preciso entender a crise econômica internacional no centro do capitalismo, não apenas como uma crise, mas como uma oportunidade para afirmarmos um projeto de desenvolvimento econômico e social. Temos aproveitado a crise para acelerar o processo de inclusão no país, de ascensão social dos cidadãos e fortalecimento do mercado interno. Precisamos continuar a aproveitar a crise européia para intensificar o projeto nacional de saúde pública.
ABRASCÃO Como se faz isso?
AP. É preciso reafirmar a defesa da saúde como um direito e o SUS como um projeto público e universal, que tem a equidade como um valor fundamental e que não abre mão da universalidade. Também é preciso aproveitar que o SUS nos oferece oportunidades de fortalecer o setor da saúde, que tem grande força de promover o desenvolvimento do Brasil. A saúde representa, atualmente, 30 por cento do esforço de inovação tecnológico brasileiro. A saúde demanda mais de nove por cento do Produto Interno Bruto (PIB). A saúde emprega um percentual muito importante da população de nível superior do país. Tem um papel fundamental na manutenção do emprego em cada município.
ABRASCÃO O mote do congresso é “Saúde é Desenvolvimento”. O acesso pleno a saúde de boa qualidade ainda é um dos principais desafios para consolidação da democracia e do desenvolvimento brasileiro. Quais são as abordagens mais urgentes para se garantir o SUS como assegurado na Constituição?
AP. Em primeiro lugar defender a manutenção de garantias de direitos é fundamental. O Brasil pretende ser um país rico, mas sem pobreza, com educação e saúde para toda a sua população. A saúde é uma das maiores expressões da defesa do direito em um país que se pretende democrático. Porque ela significa mobilização de recursos e políticas, arranjos institucionais e de debate permanente na sociedade.
Em segundo lugar é preciso entender que a defesa do SUS gera oportunidade de desenvolvimento econômico e social. Por exemplo, para mantermos os programas de saúde bucal precisamos de uma indústria nacional que produza equipamentos adaptados á realidade local. Equipamentos adaptados a unidades móveis rurais, equipamentos de simples utilização para as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e insumos. Hoje estamos interiorizando o SAMU. Para isso é preciso uma indústria que produza equipamentos internamento para o Samu lancha, Samu móvel, para as UBS Fluviais. Hoje, nós só podemos ter um programa amplo de imunização porque 95% das doses de vacinas são produzidas no Brasil. Transferimos tecnologia e geramos emprego e riquezas aqui. O Ministério da Saúde tem buscado incorporar os novos remédios biotecnológicos, que é a última fronteira no tratamento do câncer e essa ampliação do acesso só será sustentado se produzirmos internamente.
ABRASCÃO Um dos debates centrais do Congresso é a privatização da saúde. Como você vê essa discussão? Como o sistema privado pode contribuir para um SUS universal, igualitário e equânime?
AP. Esse é um debate importante para ser feito. O SUS sempre foi um projeto público, nunca exclusivamente estatal. Hoje, 57% das internações realizadas pelo sistema ocorrem em hospitais que não são estatais. Ao longo desses anos de construção do SUS, parcerias com Organizações Não Governamentais (ONG’s) e entidades privadas foram decisivas. Basta lembrar do papel importante no enfrentamento da luta contra a AIDS e no combate à mortalidade infantil. Eu defendo o SUS como um projeto que mantém sobre o gestor a responsabilidade pelo planejamento, a coordenação, a regulação e a definição sobre a gestão dos leitos.
ABRASCÃO Investimentos públicos têm sido feitos em ciência, pesquisa e inovação também na área da saúde. Como se torna a ciência mais cidadã de forma que reflita em melhores práticas no SUS?
AP. As universidades, as instituições acadêmicas e produtoras de pesquisa precisam cada vez mais se abrir para a sociedade. Saírem do seu ambiente interno para estar mais próximo da população. O espaço do SUS pode ser propicio para isso, de cuidado das pessoas, mas também de educação permanente e de objeto para análise e construção de conhecimento. Estarmos cada vez mais, como membros da academia, em espaços do serviço do SUS, ajudando a responder as perguntas que surgem no dia a dia dos serviços de saúde, ajuda a estimular a produção de tecnologia e inovação para responder às principais demandas de saúde da nossa população. Essa é a melhor forma de se construir uma ciência que seja cidadã e que esteja a serviço da sociedade.
ABRASCÃO Como o ministério contribui com as discussões em torno de reformas estruturais, como reformas política e tributaria, para garantir um período sustentado de desenvolvimento?
AP. Através do dialogo que mantém com vários atores políticos ligados à saúde e que participam do processo de decisão no congresso nacional ou nos governos estaduais e prefeituras. Essa tarefa é de todo o conjunto da sociedade que defende o SUS. Por isso, a ABRASCO defende isso como tema. Os debates do dia a dia são fundamentais para que possamos defender o que nossa constituição garante: saúde um direito de todos e um dever do Estado.
ABRASCÃO Alguns temas polêmicos serão discutidos no Congresso: não internação compulsória para usuários de crack e agrotóxicos. Como você vê essas discussões e se posiciona em relação a elas?
AP. O Ministério tem buscado garantir autonomia à Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] de fiscalização e regulação sobre qualquer produto nocivo à saúde.Em relação ao debate de enfrentamento do crack, o sistema de saúde precisa se reorganizar para dar conta e garantir atendimento humanizado e com qualidade a uma parte da população brasileira que é vítima do crack. É preciso admitir que o sistema de saúde precisa de reorganizar para dar conta dessa nova realidade. Precisamos de serviços para atendimento em realidades diversas. O dependente de crack, ao longo o tratamento e do processo de reinserção social, demandará diferentes serviços de saúde. Por isso, colocamos R$ 4 bilhões a disposição de estados e municípios para a formação de uma rede de atendimento para realidades diferente, como consultório na rua, enfermarias especiais em hospitais, unidades de acolhimento, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) 24 horas e parcerias permanentes com entidades que cuidem da dependência química desde que elas respeitem os direitos humanos e que tenham uma abordagem que priorize, sobretudo, a reconstrução do projeto de vida de uma pessoa.
Abaixo um bate papo entre presidente da Abrasco, Luiz Augusto Facchini, e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.