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8M: “Tudo o que construímos na Secretaria de Políticas para as Mulheres foi detonado”, diz Eleonora Menicucci

Eleonora Menicucci em entrevista ao Porem.net. – Foto: Gibran Mendes

Eleonora Menicucci de Oliveira dispensa apresentações. Isso porque a vida dessa brasileira nascida em Lavras, Minas Gerais, está diretamente ligada à história nacional, pelo seu compromisso com a democracia e pela luta militante e intelectual pelos direitos sexuais, reprodutivos e trabalhistas das mulheres. Para marcar o Dia Internacional da Luta das Mulheres em 2022, nada mais importante do que saber como a professora titular sênior do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina de Universidade Federal de São Paulo (DMP/EPM/ Unifesp), Ministra-Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo da presidenta Dilma Rousseff de 2012 a 2016, associada à Abrasco, conta sua própria trajetória e analisa a conjuntura atual.

Abrasco: O que motivou sua escolha pelo campo da saúde?

Eleonora Menicucci: Embora tenha escolhido a Sociologia, desde o início da graduação tive uma preocupação de pensar a saúde pelo viés das humanidades. Primeiramente, pesquisas sobre o direito sexual e reprodutivo, depois o papel da mulher nos espaços de trabalho. Cheguei a prestar vestibular para Medicina como segundo curso, mas escolhi priorizar a formação e a militância, clandestina à época, que desenvolvia no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais.

Abrasco: Sua produção científica tem a contribuição de pensar sobre a visão que a mulher tinha de si no espaço doméstico à sua reinvenção pelo exercício da cidadania. Quais os pontos altos dessa produção científica e acadêmica?

Eleonora Menicucci: Na minha tese de doutorado busquei desenvolver um trabalho que fiz com as moradoras da Favela Beira-Rio, em João Pessoa, quando fui professora da UFPB. Basicamente busquei compreender como elas se apropriavam de seus corpos a partir de suas noções e dos conhecimentos que debatíamos nos nossos encontros. Fiz o pós-doc na Clinica del lavoro Luigi Devoto, ligada à Facoltà di Medicina e Chirurgia, da Università Degli Studi di Milano e pude fazer pesquisas com as mulheres trabalhadoras de Milão. Quando retornei ao Brasil, apliquei a mesma pesquisa realizada em João Pessoa em áreas periféricas de São Paulo e do Recife. Os resultados e debates constituíram a minha tese de livre docência, submetida e aprovada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Pude ainda fundar e coordenar, em 2000, a Casa de Saúde da Mulher Dr. Domingos Delascio, ligada à Unifesp, voltada ao atendimento de mulheres vítimas de estupro e violência sexual e onde também se fazia o aborto permitido em lei.

Abrasco: E em 2012, você assumiu a Secretaria de Políticas para as Mulheres. Que ações destaca?

Eleonora Menicucci: Pensando as gestões petistas no seu todo, as políticas nas quais mais avançamos foram as que tratam dos direitos das mulheres, como a lei Maria Penha (11.340/2006), a lei do feminicídio (13.104/2015) e PEC das trabalhadoras domésticas (Lei Complementar 150 da CLT). No campo dos direitos sexuais e reprodutivos, implementamos, em parceria com o Ministério da Saúde, a possibilidade de medidas de contracepção em até 72 horas de uma gravidez indesejada e a criação de serviços de aborto legal pelo país. Avançamos muito na universalização dos atendimentos, com o programa Mulher Viver sem Violência e com a construção das Casas da Mulher Brasileira. A proposta inicial era dar acesso, num mesmo espaço físico, a todos os serviços necessários ao atendimento e acolhimento de mulheres vítimas de violência. Para poder oferecer parcela desses serviços às populações não-urbanas, criaram-se os barcos e ônibus lilás, buscando assim atender as mulheres do campo, das floresta e das águas.

Abrasco: Quais foram os desmonte dessas políticas a partir do golpe parlamentar contra a presidência de Dilma Rousseff?

Eleonora Menicucci: Digo sem medo que todas as mulheres foram beneficiadas no período em que construímos a Secretaria de Políticas para as Mulheres, e que tudo foi detonado, não tem mais nada. As Casas da Mulher Brasileira, por exemplo. Com o objetivo para que foram criadas, atualmente só funcionam as de Campo Grande, Fortaleza e São Luiz, essas duas últimas concluídas com recursos estaduais. A de São Paulo foi terceirizada, e as demais provavelmente devem ter sofrido desvios de função, como a Curitiba. Outro exemplo é o Disque Mulher – 180. Era uma linha exclusiva que dispunha de um processo de automação que permitia, se desejado pela mulher, fazer da denúncia um Boletim de Ocorrência e a abertura processual para medidas protetivas. Esse recurso foi encerrado e desmobilizado. As demandas das mulheres são tratadas atualmente pelo Disque 100 [voltado inicialmente apenas para Direitos Humanos]. O orçamento para as políticas para as mulheres foi zerado no último ano. E por quê?  Porque Bolsonaro escolheu as mulheres como seu alvo prioritário, junto com a população LGBTQIA+, as comunidades quilombolas e os povos indígenas.

Abrasco: Como esse desmonte se articula com a pandemia?

Eleonora Menicucci: Quando o vírus SARS-CoV-2 chegou ao Brasil já estávamos em pleno desmonte das políticas públicas. O impeachment da presidenta Dilma Rousseff foi um golpe contra a democracia e os avanços das políticas de direito. A primeira fase dessa orquestração conservadora foi a retirada da presidenta do cargo sem que ela tenha cometido nenhum crime. O segundo ato foi o desmonte a toque de caixa das políticas de direitos, seguida pela implementação das políticas neoliberais, e a terceira fase do golpe foi a prisão do presidente Lula e sua interdição de se candidatar ao pleito de 2018. O cenário da pandemia intensificou os retrocessos. Se o feminicídio já representava 40% dos óbitos entre as mulheres, se os estupros estavam aumentando, a necessidade de ficar em casa aumentou sua vulnerabilidade no convívio com os agressores. O feminicídio ultrapassou a marca dos 50% dos registros históricos.  O desmonte das leis trabalhistas foi amplificado, levando ao aumento da precarização do emprego, o que atingiu em cheio as trabalhadoras domésticas. Elas não conseguiram ficar em quarentena em suas casas e tiveram de se expor nos transportes públicos para não perder seus empregos. A primeira morte por Covid-19 no Brasil, uma trabalhadora doméstica do interior fluminense que contraiu a doença dos patrões que voltaram de férias da Itália, é simbólica e significativa desse quadro.

Abrasco: Este ano teremos, em outubro, a eleição para presidente, e em novembro, o Abrascão. O que espera desses dois eventos?

Eleonora Menicucci de Oliveira: Estive na resistência ao golpe de 1964, e como ministra, junto ao governo que sofreu um golpe em 2016. Espero que a gente saiba construir uma narrativa que chegue na população e consiga resgatar o Brasil, essa democracia muito nova. Uso o verbo “espero” no sentido de esperançar, de estar em movimento para que isso aconteça. O Abrascão será fundamental para que avancemos ainda mais no que já tínhamos conquistado de direitos para as mulheres, na saúde integral e nas questões reprodutivas. Nós criamos o SUS e o PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher) e, por isso, temos a obrigação de impedir os mecanismos de terceirização; de resgatar o financiamento do Sistema e ressaltar que toda a força da descentralização e regionalização em saúde não significa a privatização da gestão ou serviços nos municípios. Temos de recuperar o projeto do SUS para todas as áreas. O atual governo tirou a violência obstétrica do quadro das violências tipificadas contra as mulheres, sendo que a mortalidade materna ainda é muito alta. Temos só um caminho para que a esperança retorne e se torne realidade.

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