Um congresso com sotaque forte, inovador na condução dos debates e com profundo resgate histórico sobre o movimento sanitário. Para Eymard Mourão Vasconcelos essas serão algumas das marcas que o movimento sanitário da Paraíba quer proporcionar aos participantes do 8º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde e deixar de legado para a história da entidade.
Iniciado sua militância no movimento sanitário em 1974, no auge da ditadura militar, Eymard acredita que, com todos os problemas conjunturais por que passa o país, é possível sim que a sociedade brasileira saia fortalecida. “sinto haver uma semelhança: a repressão e opressão criam medo e desânimo em muitos, mas instiga e mobiliza outros. Esses mais destemidos fazem a diferença; renovam processos. O 8º Congresso de Ciências Sociais e Humanas em Saúde vai ser central nesse esforço de recomposição de nossa mobilização social, renovação de quadros e modos de atuação. A destruição também cria espaços para a inovação” afirma o vice-presidente da Comissão Local do 8º CBCSHS.
Graduado em Medicina, com mestrado em Educação e doutorado em Medicina Tropical, Eymard é professor aposentado do Departamento de Promoção da Saúde do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba (DPS/CCM/UFPB), tendo atuado por 19 anos no Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma universidade (PPGE/UFB). É esse grupo de educadores populares que aglutinou demais pesquisadores e estudantes para compor a Comissão local do 8º CBCSHS, que promete um acolhimento carinhoso e animado aos participantes do Congresso, com muitas surpresas culturais, integradas ao debate. Leia a entrevista na íntegra abaixo.
Abrasco: Para você, qual a importância de se realizar um congresso da Abrasco num ano como este que estamos vivendo?
Eymard Vasconcelos: A conjuntura política nacional, marcada por extrema opressão e ataques a muitos valores que orientaram o movimento sanitário, está ampliando o significado do Congresso. Talvez tenhamos o maior Congresso de Ciências Sociais e Humanas de nossa história, apesar da falta de apoio do Ministério da Saúde. Vínhamos assistindo a uma acomodação, pois as pessoas estavam ficando dependentes da força de lideranças muito emponderadas na gestão das políticas públicas. A sociedade civil está se mobilizando e mostrando que a nação é muito mais que o seu governo federal.
A comemoração dos 40 anos da Abrasco nessa conjuntura é significativa. A Abrasco nasceu como parte de um esforço subversivo e em busca de uma nova institucionalidade do setor saúde. Nossa força veio dessa mobilização. Mas ganhamos tanto poder e recursos institucionais que muito da mobilização passou a estar ligada a um carreirismo ou a tentativas de aproximar das fontes de recurso, na frente de outros.
Eu, que vivi a época da Ditadura Militar, sinto haver uma semelhança: a repressão e opressão criam medo e desânimo em muitos, mas instiga e mobiliza outros. Esses mais destemidos fazem a diferença; renovam processos. O 8º Congresso de Ciências Sociais e Humanas em Saúde vai ser central nesse esforço de recomposição de nossa mobilização social, renovação de quadros e modos de atuação. A destruição também cria espaços para a inovação.
Abrasco: Qual sua opinião sobre a contribuição das ciências sociais e humanas em saúde na trajetória da Abrasco?
Eymard Vasconcelos: A Saúde Coletiva, conceito central da Abrasco, nasceu da grande força das Ciências Sociais e Humanas no movimento sanitário. A tradição da Saúde Pública é muito operacional; e o conceito “Saúde Coletiva” surgiu pela inovação trazida pelas CSH para o setor saúde, enfatizando a compreensão de dinâmicas sociais, políticas, culturais, éticas e subjetivas envolvidas nas práticas de saúde. Isso trouxe uma grande ampliação da compreensão dos processos presentes nas práticas e nas situações de saúde e alargou e muito as discussões dentro do movimento sanitário, facilitando o diálogo com as considerações trazidas pelos movimentos sociais e as inquietações e perplexidades vividas pelos profissionais de saúde. Superou o modo muito amarrado da Saúde Pública tradicional às questões de operacionalização de ações bem definidas e institucionalizadas de saúde.
Abrasco: Qual tem sido a sua experiência com os Congressos de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco?
Eymard Vasconcelos: Inicialmente os Congressos de CSHS eram muito marcados pelo rigor conceitual e metodológico das Ciências Sociais. Nós, da Educação Popular, tínhamos muita dificuldade para nos sentir incluídos. E isso não aconteceu só conosco. Posteriormente, as Ciências Humanas foram incluídas no nome do Congresso, mas continuou o alto nível de exigência de rigor conceitual e metodológico. Só pesquisadores que adotavam esse método rigoroso de formulação de suas afirmações eram considerados. O que ajudou a começar uma mudança foi o fato de grande parte dos trabalhos submetidos tratarem de reflexões sobre práticas educativas em saúde, trazendo para o evento o saber que brota da experiência e da vivência, um saber encharcado de emoção e intuição.
Fomos entrando por baixo. A animação militante dos profissionais de saúde, dos estudantes e ativistas de movimentos sociais foi também abrindo portas, trazendo grande dinamismo aos Congressos. As tendas Paulo Freire foram conseguindo seu espaço, muitas vezes de forma conflitiva. Os tempos foram mudando; a crise política, a partir do segundo mandado de Dilma Rousseff, trouxe para os grandes pensadores da Saúde Pública a percepção da urgência de se revalorizar a integração com a sociedade civil. Ficamos muito surpresos quando a Comissão de Ciências Sociais e Humanas da Abrasco começou a sondar a possibilidade desse atual Congresso vir para João Pessoa, sob comando local do Grupo de Pesquisa Educação Popular em Saúde da UFPB. Foi um convite com muitos significados políticos e teóricos.
Abrasco: Trata-se do primeiro congresso da Abrasco na Paraíba. O que isso significa?
Eymard Vasconcelos: A Paraíba criou uma tradição sanitária muito marcada pela educação popular e pela extensão universitária, que gerou muito dinamismo e muitas lideranças. Nem sempre isso foi bem visto. Incomodava. Estudantes e residentes da Paraíba foram centrais na organização, a partir da Tenda Paulo Freire, do Movimento Abraço à Abrasco no 8º Congresso da Associação, em 2006, que, pela primeira vez, denunciou a aristocratização e a acomodação institucional de grande parte das lideranças do movimento sanitário e da Abrasco. Os Congressos vinham ficando pomposos, luxuosos e muito centrados em uma elite de pensadores e de gestores com altos cargos no Ministério da Saúde. A Carta à Abrasco, lida num momento bem solene do Congresso, após a invasão pelos estudantes do recinto controlado por muitas seguranças, no Riocentro, gerou muito mal-estar, mas ajudou a disparar muitas inflexões no comando da Associação. Diretorias posteriores, a partir da gestão de Luiz Facchini, cuidaram de valorizar mais os grupos emergentes, ampliar a participação de movimentos e renovar a metodologia dos eventos, de modo que trabalhos de jovens e profissionais não amplamente reconhecidos fossem considerados nos debates.
Sendo assim, é uma grande honra para os sanitaristas paraibanos poderem sediar, pela primeira vez, um Congresso da Abrasco. Mas a alegria maior é sentir que essa escolha faz parte de uma renovação do modo de organização do Movimento Sanitário, que tem a ver com nossas lutas e o nosso estilo. Esperamos que esse evento seja um marco nesse processo, já iniciado, de renovação da metodologia dos nossos Congressos.
Para nós, também está sendo uma oportunidade para aglutinar diferentes lideranças e grupos paraibanos na construção de um projeto comum. O cotidiano do trabalho em Saúde Pública, muitas vezes, cria competições, divisões e intrigas. O grupo local envolvido na organização quer promover um acolhimento carinhoso e animado aos participantes do Congresso, com muitas surpresas culturais, integradas ao debate. O desafio de fazer um bom congresso está em aglutinar um amplo grupo de origens bem diversas. Vamos sair fortalecidos e mais unidos.